Com 1 ano de governo, Bolsonaro segue em campanha e é pouco aprovado
Jair Bolsonaro é um candidato em campanha permanente. Porém, quase metade dos brasileiros não acredita em nada que venha dele
Ao apostar em sua futura campanha de reeleição, o presidente Jair Bolsonaro abriu mão de governar, tornando meras promessas as prioridades de recuperação econômica e na adoção de uma cartilha racionalmente liberal. Na esteira dessa decisão, o presidente criou atritos — calculados ou espontâneos — desnecessários com quem é próximo ou já lhe prestou algum apoio no passado recente.
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Tudo para manter a popularidade junto ao seu nicho eleitoral mais fiel, que lhe rende cerca de 30% de aprovação, com um apoio praticamente cego de, no máximo, uns 20%, condição que lhe deixaria perto de um eventual segundo turno — ainda que seja cedo demais para pensar seriamente nisso. Este índice se manteve na última pesquisa do Instituto Datafolha , divulgada na semana passada. O resultado, porém, é preocupante para as ambições do governo.
Desde a redemocratização, só Collor teve popularidade inferior a Bolsonaro no primeiro ano de governo. Ficou com 23% após seu desastroso plano econômico que confiscou a poupança. Dilma, Lula e FHC terminaram os mesmos períodos com aprovações de 59%, 42% e 41%, respectivamente. Para Lula e Fernando Henrique, os cenários econômicos internos e externos foram bem mais desafiadores, exigindo articulações políticas complexas.
O que deveria alarmar o núcleo do governo são os 36% de reprovação que o presidente angariou nesses 11 meses de mandato. Outro dado preocupante é que 80% dos pesquisados dizem desconfiar das suas declarações, com 43% duvidando “sempre” daquilo que ele diz. Há razões para tanto, já que Bolsonaro culpou ONGs por queimadas na Amazônia e o Greenpeace pelo vazamento de óleo no Nordeste.
Bolsonaro se recusou a comentar o resultado da pesquisa. “Próxima pergunta?”, disse na segunda-feira 9. Quando contrariado, é essa a atitude que costuma adotar com a imprensa. Na hora, recebeu aplausos dos apoiadores de plantão diante do Palácio do Alvorada, mantendo o clima diuturno de campanha.
Parte de seu esforço envolve declarações que testam os humores da opinião pública diante de sua agenda ultraconservadora. Na quarta-feira 11, seu filho Eduardo Bolsonaro soltou no Twitter que “há bons argumentos pedagógicos e empíricos” para separar meninos e meninas nas salas de aula. Um disparate retrógrado e sem fundamentação.
Giros em falso
Para remediar a perda de popularidade, só com resultados mais expressivos na economia, assunto do qual o presidente mantém distância. Nas poucas vezes em que palpitou, desagradou a exportadores. Como quando falou em acabar com o Mercosul, baixou a taxação para o etanol americano ou defendeu a mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, descontentando parceiros comerciais árabes. Com isso, o trabalho de fazer o Brasil sair de vez da estagnação fica concentrado no ministro Paulo Guedes, um economista com reduzida vivência política e com alguns arroubos explosivos, mas que vem arregaçando as mangas para o barco não afundar.
O resultado é uma gestão que gira em falso. Ao passar mais tempo projetando um futuro mandato, Bolsonaro acaba por emperrar as reformas que precisaria realizar para ser reeleito, ignorando solenemente o calendário político. Com eleições municipais no meio dos mandatos, todos os presidentes possuem cerca de um ano e meio para lidar com os pontos mais nevrálgicos de suas agendas. Depois, cada um vai cuidar dos interesses de suas respectivas bases. Bolsonaro fez o contrário ao sair do PSL para viabilizar o partido Aliança pelo Brasil, que bem poderia se chamar Aliança por Bolsonaro. “Ele é assim o tempo todo. Só pensa em si”, diz Gustavo Bebianno, seu ex-advogado e ex-secretário-geral da Presidência. Bolsonaro não admite que ninguém se sobressaia ao seu redor.
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Bolsodoria nunca mais
Mesmo antes de a mesma pesquisa apontar que o ministro da Justiça, Sergio Moro, contava com uma aprovação maior que a sua — 53%, sendo reconhecido por 93% dos entrevistados —, Bolsonaro começou uma operação de morde e assopra com a estrela da Lava Jato . Por um lado, chega a cogitar o ex-juiz federal como seu vice na reeleição, mas pouco fez para evitar os cortes no pacote anticrime proposto pelo ministro. A ciumeira também atingiu o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Principal articulador da Reforma da Previdência, Maia foi duramente criticado pelo presidente ao ter suas conversas e negociações com parlamentares de outros partidos classificadas como coisa do toma lá dá cá praticado pela “velha política”. Pelo cargo que ocupa, Maia é naturalmente presidenciável, mas não se pode ignorar que ele defende uma das bandeiras de campanha do presidente. Se Maia não é visto como um aliado fundamental, quem mais seria?
Mais agressivas foram as atitudes com os governadores Wilson Witzel (PSC), do Rio, e João Doria (PSDB), de São Paulo. Bolsonaro diz que Witzel é o responsável por manipular as investigações sobre o caso Marielle Franco de modo a relacioná-lo indiretamente com o crime. “Minha vida virou um inferno”, disse o presidente. Mas é preciso lembrar que o clima entre ambos só azedou depois que o ex-aliado Witzel, alinhado com os evangélicos, anunciou que poderia ser candidato a presidente em 2022. Com o governador João Doria, o episódio envolveu um constrangimento público. Em outubro, em uma cerimônia de formatura de sargentos da polícia militar paulista, Bolsonaro alegou estar sofrendo de dores decorrentes de uma de suas cirurgias e deixou Doria fazer a revista das tropas. O governador foi vaiado duas vezes na cerimônia. Teria sido uma armação de parlamentares bolsonaristas para constrangê-lo, depois que ele também se mostrou interessado em disputar a presidência. Doria manteve a frieza e elogiou a PM, arrancando aplausos. Ainda que diga não fazer oposição ao governo federal, o slogan de campanha “BolsoDoria” ficou para trás. Flexões em conjunto, parece que nunca mais. Doria quer ser a opção entre a extrema-direita (Bolsonaro) e a extrema-esquerda (Lula/PT).
Jatinhos na mira
Nem quem é de fora da política escapa das reações presidenciais. O apresentador de TV Luciano Huck entrou na mira depois de manifestar leve interesse na vida política. Em um claro caso de desvio de função, o presidente usou de informações do governo para criticar o apresentador, que se valeu de um financiamento de R$ 17,7 milhões junto ao BNDES, a juros de até 8,7% ao ano, para comprar um jato executivo Phenom 300, fabricado pela Embraer. A aeronave é usada pelo apresentador e como táxi-aéreo. Maior, o jato de João Doria foi financiado em R$ 44 milhões. A Embraer vendeu mais de 130 aeronaves mediante o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que conta com a participação de bancos privados. O que Bolsonaro omitiu é que ele, enquanto deputado federal do PP, em 2009, votou pela criação do programa de incentivo à indústria nacional que agora critica como se fosse uma grande mamata.
A energia gasta em criticar, menosprezar ou escantear qualquer virtual aspirante ao Planalto possui uma justificativa. Ao optar por se manter agarrado aos seus correligionários extremistas, Bolsonaro obrigatoriamente precisa sufocar qualquer um que pretenda atrair os eleitores de centro e da direita moderada, aqueles que praticaram no segundo turno de 2018 o voto de rejeição ao petista Fernando Haddad. Por isso, Bolsonaro detestou as críticas de João Amoêdo, do Novo. Neoliberal, Amoêdo se colocou contra o comportamento autoritário do governo.
“A cabeça dos políticos está sempre quatro anos no futuro”, diz a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP). Para ela, a sobrevivência política do presidente ou de qualquer outro deveria incluir foco no trabalho, a verdadeira vitrine de um agente público. Não é o que ocorre. “Cheguei e me perguntam: Depois vai para aonde?”, diz.
No caso de Bolsonaro, nem isso, já que ele não desce do palanque. Em vez de governar, tenta estripulias populistas. Impedido por médicos e pela segurança de saltar de paraquedas, em novembro comprou uma motocicleta para passear por Brasília. Foi barrado novamente. Desde Fernando Collor, que adorava um jetski, não se vê tanto exibicionismo.
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Perto do impeachment, Dilma até tentou parecer mais ativa, mas soou artificial. Já Bolsonaro não consegue parecer um presidente. O mais próximo que conseguiu chegar de uma política pública ampla foi a reformulação do Minha Casa Minha Vida, que agora contempla a compra e a reforma de imóveis. O projeto sofreu um corte R$ 1,9 bilhão. Mas pelo menos é algo real que conta com sua presença — ainda que decorativa.