Fome, Brasil e indígena: o que protagoniza os discursos dos presidentes na ONU
Em fala abordando indígenas e situação da Amazônia, Bolsonaro prioriza mais "socialismo" que "democracia"; analisamos termos dos primeiros discursos de cinco presidentes para entender "prioridades" diante da ONU
Os discursos dos presidentes brasileiros nas aberturas das assembleias gerais da Organização das Nações Unidas (ONU) nem sempre são tão aguardados. A primeira vez de cada representante do País no evento, porém, costuma ser destaque não só no Brasil, mas no mundo todo. Nesta terça-feira (24), Jair Bolsonaro em meio ao debate sobre os acontecimentos na Amazônia, focou seu discurso nas pautas indígenas, no ataque ao socialismo e à mídia e na defesa do turismo .
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A palavra mais usada por Bolsonaro em seu discurso foi Brasil. Em comparação aos primeiros discursos dos últimos cinco presidentes brasileiros, o atual só se equiparou ao seu antecessor, Michel Temer. Dilma usou o termo "países" mais vezes, enquanto Lula priorizou a "fome". Em 1995, FHC destacou a palavra "internacional".
Bolsonaro também citou o termo "socialismo" cinco vezes, "democracia" em quatro ocasiões e falou mais "Estados Unidos" que "Deus".
Primeiro presidente a adotar a política de tentar incluir o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, Fernando Henrique Cardoso usou o termo "compromisso" como uma promessa do País com o restante do mundo. Em 1995, FHC defendeu o desenvolvimento do Brasil, que vinha do começo de Plano Real. A primeira vez que o tucano participou de uma Conferência da ONU foi na celebração dos 50 anos da Organização, em um evento que aconteceu um mês após a Assembleia Geral. A diplomacia deu o tom no discurso, como explica o doutor em ciência política, Humberto Cardoso.
" FHC foi mais diplomático. Valorizou o Brasil e seu desenvolvimento em políticas econômicas e sociais. Falou de pautas do presente e da importância do Conselho de Segurança da ONU".
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Eleito presidente em 2002, Lula discursou pela primeira vez na ONU em 2003 e focou o seu discurso no seu principal programa da época, Fome Zero. O petista destacou a política social e o papel do Brasil na América do Sul.
"Lula quis destacar mais os programas sociais que implementava e no auxílio dos outros países para que isso acontecesse do que na questão do Conselho de Segurança, a principal tática de seu antecessor", explica Cardoso.
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Primeira mulher a abrir a Assembleia Geral da ONU, Dilma Rousseff focou o seu discurso na união dos países em prol de um bem comum. Segundo a análise de Humberto Cardoso, a petista priorizou destacar a forma como o Brasil espera ser visto no mundo e na América do Sul e a maneira como País conseguiu escapar da crise econômica.
"Dilma assumiu a presidência diante de uma crise econômica mundail que só foi chegar no Brasil anos depois, então, naquela época, usou isso a seu favor".
Michel Temer participou de sua primeira Assembleia Geral da ONU em 2016, ano em que assumiu a presidência após o impeachment de Dilma Rousseff. O discurso focou em direitos humanos e na valorização do Brasil como país de união dos povos. Na época, o mundo enfretava diversas acusações de xenofobia na Europa e nos Estados Unidos, sobretudo após a ascenção de Donald Trump.
"O Temer fez um discurso bastante inteligente se lembrarmos que ele enfretava uma desconfiança interna gigantesca, logo após o impeachment. Falou bastante de como o Brasil é um país solidário e atentou para a necessidade de direitos humanos", analisa Cardoso.
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O primeiro discurso de Bolsonaro
A principal diferença no discurso de Bolsonaro para seus antecessores está no ataque ao socialismo e nas divergências sobre o tratamento com o povo indígena.
" Bolsonaro não cita o PT muitas vezes, mas vende ao mundo a mensagem de que é um presidente de mudança e que não concorda com o que acontecia no Brasil nos últimos anos. Estrategicamente, ele levou na comitiva uma indígena e leu uma carta tratando do tema, usando o fato para dizer que apoia indígenas, mas de uma maneira diferente, querendo que as reservas sejam melhor utilizadas não só pelos indígenas, mas todo o povo brasileiro. É aí que ele mais usa termos patrióticos, afirmando que todos têm que ser tratados iguais, sem privilégios, inclusive as comunidades indígenas", explica Cardoso.
É curioso que Bolsonaro citou a palavra "socialismo" cinco vezes, enquanto "democracia" foi falado em quatro ocasiões. Alinhado ao governo de Donald Trump, o presidente brasileiro citou "Estados Unidos" quatro vezes e "Deus" em três oportunidades.
A palavra mais dita pelo presidente, entretanto, foi Brasil. Durante toda a sua fala, o nome do país teve 37 menções, enquanto "mundo" teve 12.
Cardoso vê o discurso de Bolsonaro mais alinhado aos seus apoiadores no Brasil do que no que se espera em um tratamento diplomático com outros países.
"Normalmente os presidentes usam esse discurso na ONU para falar das políticas feitas em seus governos, mas aquelas alinhadas ao restante do mundo. Ao atacar Cuba e Venezuela e afirmar que a mídia reproduz uma visão errada do que acontece na Amazônia, ele não está atacando apenas jornais brasileiros, mas do mundo todo, já que é um tema de interesse mundial e repercutido nos Estados Unidos e na Europa", avalia.