Bolsonaro assina novo decreto presidencial sobre posse de armas

Flexibilização das regras sobre posse de armas é uma promessa de campanha do novo presidente e é cumprida logo no começo do mandato. Confira

Decreto presidencial de Bolsonaro sobre posse de armas deverá libera até quatro armas por pessoa, com possibilidade de extensão
Foto: Reprodução/NBR
Decreto presidencial de Bolsonaro sobre posse de armas deverá libera até quatro armas por pessoa, com possibilidade de extensão

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou na manhã desta terça-feira (15) o novo decreto presidencial que flexibiliza as regras para o acesso à posse de armas. Bolsonaro argumentou que está cumprindo a decisão do referendo sobre o Estatuto do Desarmamento realizado em 2005 para mudar as regras para compra e venda de armas de fogo e munições. De acordo com o novo decreto, o indivíduo que tiver a autorização poderá ter até quatro armas em casa.

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Antes de assinar o decreto sobre a posse de armas , o presidente disse "como o povo soberanamente decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes garantir esse legítimo direito à defesa, eu como presidente vou usar essa arma", disse Bolsonaro, ao mostrar uma caneta e assinar o decreto.

Após a assinatura, em rápido pronunciamento oficial, Bolsonaro também declarou que "infelizmente o governo, à época [do referendo sobre o Estatuto do Desarmamento], buscou maneiras em decretos e portarias para negar esse direito", disse o presidente antes de completar afirmando que "o povo decidiu por comprar armas e munições e nós não podemos negar o que o povo quis nesse momento".

O presidente também destacou, em meio ao discurso na solenidade de assinatura do decreto presidencial, um trecho da antiga legislação que exigia a comprovação "da efetiva necessidade" de ter uma arma em casa. Segundo ele, essa regra "beirava a subjetividade".

No discurso, o presidente também agradeceu à presença do que chamou de representantes da "bancada da legítima defesa", popularmente conhecida como "bancada da bala". Além destes, também participaram da cerimônia o vice-presidente, general Hamilton Mourão, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno.

Novas regras para posse de armas no Brasil

Foto: Reprodução/Agência Câmara
Decreto presidencial de Bolsonaro sobre posse de armas deverá liberar até duas por pessoa

Após a assinatura do decreto presidencial por parte de Bolsonaro, as novas regras sobre a posse de armas foram divulgadas no Diário Oficial da União (DUO) para que passassem a valer imediatamente. A versão oficial confirmou boa parte das expectativas criadas a partir da versão prévia a qual a imprensa acabou tendo acesso na semana passada.

A principal alteração em relação ao que já se esperava diz respeito à quantidade de armas de fogo que cada indivíduo poderá ter. Inicialmente se esperava que o limite estabelecido fosse de duas armas por pessoas , mas o presidente Jair Bolsonaro anunciou ainda no seu pronunciamento que o novo limite será de quatro.

Ciente de que a legislação atual permite até seis armas de fogo por indivíduo, com limitações de tipo, de acordo com a portaria do Ministério da Defesa de 1999 definida pelo Exército, Bolsonaro fez questão de detalhar que apesar do limite anterior ser virtualmente maior, na prática, tantas restrições eram impostas que as pessoas acabavam não tendo acesso a nenhuma. Além disso, haverá exceções para pessoas que comprovarem, por exemplo, serem proprietárias de muitas propriedades rurais. Estas poderão ultrapassar o limite imposto pelo decreto.

Nos trechos divulgados do decreto presidencial também chama a atenção a liberação do posse de armas para indivíduos residentes em áreas rurais e para residentes em áreas urbanas com "elevados índices de violência". O decreto, no entanto, categoriza essas áreas como sendo os municípios ou unidades da federação com índices anuais de mais de dez homicídios por 100 mil habitantes.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Projeto que propõe revogação do Estatuto do Desarmamento foi apresentado ao Congresso em 2012

Segundo pessoas ligadas ao governo, esse foi um dos trechos mais bem estudados pelo governo já que um levantamento de dados do IBGE e do Ministério da Saúde mostram que, de acordo com as possíveis novas regras sobre a posse de armas, pelo menos 169,6 milhões de pessoas — ou quatro em cada cinco brasileiros — podem ser diretamente afetadas caso seja confirmada no texto a possibilidade de acesso mais fácil a armas por moradores de cidades com taxas de homicídios superiores a dez mortes para cada 100 mil.

Para que as regras sejam modificadas, Bolsonaro editou o decreto presidencial 5.123, de 1º de julho de 2004, assinado pelo ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de forma que poderão portar armas aqueles que comprovarem "efetiva necessidade" e forem:

Pelas novas regras, poderá possuir arma em casa os cidadãos que se encaixarem nos seguintes critérios:

  • agentes público (ativo ou inativo) de categorias como: agentes de segurança, funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), agentes penintenciários, funcionários do sistema socioeducativo e trabalhadores de polícia administrativa;
  • militares (ativo ou inativo)
  • residentes em área rural;
  • residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência (consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018.
  • donos ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais; e
  • colecionadores, atiradores e caçadores, devidamente registrados no Comando do Exército.

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Além disso, conforme noticiado esta semana, as pessoas que quiserem ter a arma em casa precisarão obedecer algumas obrigações, entre as quais: comprovar a existência de um cofre para "armazenamento apropriado" em caso de armas de cano curto como pistolas e revólveres.

Agora se sabe, porém, que esse é um requisito só será obrigatório nas residências que contarem com crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental.

Já sobre as armas de cano longo, como espingardas e carabinas, o decreto fala apenas em comprovar a existência de um "local seguro para armazenamento".

Foto: Reprodução/Folhapress
Jair Bolsonaro escreveu tópicos 'pesquisa', 'armas' e 'Lula' em sua mão para debate durante a campanha presidencial

As justificativas para o pedido de posse de armas serão analisadas pela Polícia Federal, sob orientação do Ministério da Justiça, mas não será mais necessário a autorização por parte de um delegado da Polícia Federal. Segundo o decreto, a solicitação pode vir a ser negada caso a declaração de "efetiva necessidade contenha afirmações falsas". 

Porém, após uma consulta ao ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, foi comprovada a incapacidade da Polícia Federal de atender a todos os pedidos, portanto, o decreto abre a possibilidade para a realização de convênios com a Polícia Civil e a Polícia Militar para que estas também sejam responsáveis por conceder a autorização para a posse de armas.

O decreto também faz uma importante mudança: amplia de 5 para 10 anos a validade do certificado.

Regras já existentes, como ter 25 anos de idade e não ter sido condenado ou responder a inquérito ou processo criminal, devem permanecer assim como a obrigatoriedade do dono da arma de fogo fazer um exame psicológico e um curso em clube de tiro para obter a autorização para ter posse de armas, além de comprovar ter uma ocupação lícita e uma residência certa. Porém, o decreto de Bolsonaro deverá ampliar de 5 para 10 anos a validade do certificado de garantia da posse.

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Apesar de, como dito, ser uma promessa do novo presidente recém-eleito, uma pesquisa divulgada na manhã de 31 de dezembro, véspera da posse presidencial, pelo Instituto Datafolha, revelou que parte dos brasileiros não concorda com a medida proposta por Bolsonaro ou mudou de ideia entre o segundo turno, realizado em 28 de outubro de 2018, e o último dia do ano. Isso porque 61% dos brasileiros disseram querer que a posse de armas de fogo seja proibida no País, índice superior aos 55% medidos no levantamento anterior realizado também em outubro.

O levantamento ouviu 2.077 pessoas em 130 municípios em todas as regiões do País e tem margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

As mulheres são as que mais rejeitam a posse de armas. 71% delas quer a proibição, contra 51% dos homens. Entre os que ganham menos de dois salários mínimos, apenas 32% defendem a posse, contra 54% de quem ganha mais de dez salários. O sul é a região mais favorável às armas, com 47%, enquanto no nordeste 32% querem a posse liberada.

No mesmo dia em que Bolsonaro deverá assinar o decreto, o Instituto Sou da Paz também prepara uma ação para protestar contra a flexibilização nas regras para facilitar o acesso a posse de armas. A entidade preparou duas peças publicitárias que alertam para diferentes aspectos negativos da disponibilidade de mais armas à população.

Na primeira, o Sou da Paz reforça a ideia de que só os ricos poderão ter armas em casa. "Com o preço de uma pistola", diz o Instituto, é possível comprar uma geladeira, um fogão, uma máquina de lavar roupas, uma TV de 32 polegadas e um micro-ondas.

Já na segunda peça publicitária, a entidade afirma que, ao facilitar o acesso a armas, o Planalto está repassando ao cidadão uma responsabilidade que, na verdade, é do próprio governo. Segundo a propaganda que está sendo divulgada, primeiro, nas redes sociais, mas depois deverá ser divulgada também nos comerciais das emissoras de TV e de rádio, "se você está doente, o governo não te pede para para comprar um bisturi e se operar. Então por que se você sofre com o crime tem que se proteger sozinho?", diz a campanha.

Foto: Reprodução/Whatsapp
Eleitores de Bolsonaro usam armas na cabine eleitoral, o que é ilegal; e registram o voto com fotos e vídeos, o que é crime

Após a aprovação das novas regras a respeito da posse de armas, que estão sendo analisadas tecnicamente por juristas, inclusive pelo próprio presidente do Superior Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, desde a última sexta-feira (11), o governo já estuda mudar as regras também a respeito do porte de armas.

Com as medidas que devem ser publicadas hoje, os indivíduos poderão apenas utilizar as armas para defender suas propriedades, para que possam andar com elas nas ruas, no entanto, as regras sobre o porto de armas também precisarão ser alteradas, mas essa medida é vista com desconfiança por diversos integrante e ex-integrantes das Forças Armadas e das polícias civil e militar, incluindo alguns que se elegeram deputado e compôem a nova bancada da bala e integram o partido do presidente Bolsonaro.

Apesar dos limites atuais, cerca de seis armas são vendidas por hora no mercado civil nacional, segundo dados do Exército obtidos via lei de acesso à informação pelo Instituto Sou da Paz. No ano passado, até 22 de agosto, haviam sido vendidas 34.731 armas no total.

Além das vendas recentes, o número de novas licenças para pessoas físicas, concedidas pela Polícia Federal, tem crescido consistentemente nos últimos anos. Passou de 3.029, em 2004, para 33.031, em 2017.

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O número de novos registros para colecionadores, caçadores e atiradores desportivos, dados pelo Exército, também subiu. Em 2012, foram 27.549 e, em 2017, 57.886. No total, hoje, são mais de meio milhão de armas nas mãos de civis: 619.604, um número que pode aumentar exponencialmente, a partir de agora, com a assinatura e publicação do novo decreto presidencial sobre a posse de armas no Diário Oficial da União (DOU).