O juiz federal Sérgio Moro disse nesta terça-feira (6) que pretende utilizar o modelo da Operação Lava Jato para combater o crime organizado durante sua atuação no comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública , a partir de 2019. "A ideia é replicar no ministério as forças-tarefas adotadas na Operação Lava Jato", disse Moro.
Durante uma entrevista coletiva em Curitiba, Sérgio Moro afirmou ter sido procurado em outubro, antes do segundo turno das eleições, por Paulo Guedes (futuro ministro da Fazenda), para uma sondagem sobre uma participação no governo. E que em 1º de novembro se encontrou com o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).
O juiz abriu a coletiva fazendo um histórico da Operação Lava Jato e disse ter aceitado o convite de Bolsonaro para implantar no governo federal uma "forte agenda anticorrupção" e "contra o crime organizado". Segundo ele, membros da equipe da operação podem ser convidados para compor o seu ministério.
O futuro ministro disse que não uma covergência absoluta com Bolsonoro. "Há algumas divergência, mas podemos chegar a um meio termo", afirmou o magistrado.
Ao citar o processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o juiz afirmou que a condenação à prisão não teve nenhuma relação com as eleições. "O que existe é um crime que foi descoberto, investigado e provado e as cortes apenas cumpriram a lei. Não posso pautar minha vida num álibi falso de perseguição política", disse Moro.
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Ele também ressaltou que a Lava Jato atingiu políticos de diversos partidos, não só o PT, e afastou a ideia de que sua ida para o ministério tenha sido uma "recompensa". "É um pouco estranho dizer isso, mas não existe a menor chance de usar o ministério para perseguição política", ressaltou Moro. Ele disse ainda que crimes de ódio são "intoleráveis".
Propostas de Sérgio Moro para o ministério
Sem entrar em detalhes, Moro afirmou que apresentará uma série de propostas de combate ao crime organizado. De acordo com ele, a ideias é resgatar parte das "dez medidas contra a corrupção”, criada pelo Ministério Público Federal.
Entre as propostas está a possibilidade de os procuradores negociarem a pena ("plea bargain"), o que, para ele, ajudaria a aliviar a Justiça. Moro também propôs aumentar a proteção de denunciantes anônimos, entre outras.
Ao ser questionado sobre a flexibilização do uso de armas, o juiz sinalizou ser favorável à flexibilização da legislação, bandeira defendida na campanha por Bolsonaro. Mas ponderou que "uma flexibilização excessiva pode ser utilizada como armamento para organizações criminosas". "Tem que pensar quantas armas o indivíduo poderá ter em sua casa", disse Moro.
“Conversei a respeito com o presidente eleito e existe uma plataforma na qual ele se elegeu que prega a flexibilização da posse de armas. Então, dentro dessa plataforma eleitoral, parece que seria inconsistente agir de maneira contrário”, explicou.
Sobre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Moro defendeu que o Ministério da Justiça é o local adequado para se discutir mudanças no órgão, atualmente vinculado ao Ministério da Fazenda. “É preciso reestruturar o Coaf e fortalecer o Coaf”.
Na avaliação dele, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, estará muito ocupado com as questões ligadas à economia e o Coaf não deve ser um foco de preocupação dele. Por isso, de acordo com Moro, o local mais adequado para se discutir o Coaf seria o Ministério da Justiça.
Ele mencionou que não haverá interferência política no ministério e que esta também é uma posição de Jair Bolsonaro, que jamais aceitaria, segundo Moro, proteção a ninguém.
O magistrado também falou sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. "É um crime que tem que ser solucionado", afirmou ele. Segundo Moro, quando ele assumir o cargo de ministro, irá verificar o que pode ser feito para solucionar o caso. "Assumindo o ministério, pretendo me inteirar melhor dessas questões e ver o que é possível fazer no âmbito do ministério."
Relação de Moro com Bolsonaro e sua equipe
Moro disse que vê Jair Bolsonaro como uma pessoa "sensata" e pregou o diálogo com seu novo chefe. O futuro ministro da Justiça e Segurança Pública também comentou uma das bandeiras do presidente eleito: a de revogar a progressão de penas de condenados na Justiça.
"Eu assumo uma posição no governo e tenho muita ciência de que estou em uma posição subordinada. Ainda que possa não haver uma convergência absoluta [com Bolsonaro], haverá uma conversa. Mas a última palavra é dele. Eu sou uma pessoa disposta a ouvir e, eventualmente, abrir mão em alguns pontos."
"Não pode progredir preso que não esteja preparado para ressocialização. Há uma noção corrente que determinados crimes no Brasil recebem penas muito pouco severas. Embora a progressão de pena seja relevante para a ressocialização, muitas vezes ela barateia a vida, especialmente em casos de homicídio. É possível discutir essas regras e ajustá-las", comentou.
O agora ex-juiz da Lava Jato também elogiou sua substituta provisória na 13ª Vara de Curitiba, a juíza Gabriela Hardt , e disse que os processos da operação "estão em boas mãos". Moro voltou ainda a negar que tenha atuado por razões políticas ao retirar o sigilo de parte da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci.
"Nós sempre demos aos fatos e às provas a máxima publicidade. Não cabe ao Judiciário servir como guardião dos segredos sombrios dos governantes. Não acho que, por conta das eleições, eu deveria deixar de tornar públicos os autos dos processos", afirmou Moro, acrescentando a autoavaliação de que "cumpriu seu dever".
Moro garantiu que "não estabeleceu condições" ao aceitar o convite para integrar a equipe de Bolsonaro, negando que tenha exigido do presidente eleito futura indicação para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF) no lugar do decano Celso de Mello, que se aposenta no ano que vem.
"Eu jamais procuraria o presidente eleito para estabelecer condições. Sobre o STF, não existe uma vaga no momento. Tenho grande apreço, grande respeito pelo ministro Celso de Mello. Então não me sinto confortável em discutir. Quando surgirem vagas, isso deverá ser discutido nesse novo contexto."
Questionado sobre sua futura relação com políticos que já reconheceram ter se beneficiado de caixa dois em campanhas – caso do futuro ministro Onyx Lorenzoni –, Moro voltou a condenar essa prática criminosa, mas ponderou o caso do futuro chefe da Casa Civil.
"Há casos de corrupção que visam o enriquecimento pessoal e casos de corrupção com financiamento de campanhas. E eu disse que esse é até pior porque ele afeta o jogo político democrático. Eu tenho grande admiração pelo Onyx Lorenzoni. Ele foi um dos poucos deputados que defenderam a aprovação daquele projeto mesmo sofrendo ataques severos dos seus colegas. Quanto a esse episódio do passado, ele mesmo admitiu, pediu desculpas e tomou providências para repará-los", afirmou.
O futuro ministro também foi perguntado sobre sua avaliação do período de ditadura militar no Brasil (1964-1985), e acabou cometendo ato falho ao se referir como "movimento", corrigindo em seguida para "golpe".
"Meus olhos estão voltados para 2019. Houve um movimento... um golpe militar naquele momento. Haviam também mobilizações de parte da sociedade civil e essas insatisfações de hoje são mais pelo fato de que os militares foram apontados como únicos responsáveis. Mas não estou assumindo um ministério para discutir os fatos das décadas de 60 e 70", encerrou Sérgio Moro .