“Morrer para germinar”, como canta Gilberto Gil em Drão, foi uma das lições que o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), ocorrido há quase sete meses, deixou à população brasileira. A semente plantada por ela gerou frutos, e várias herdeiras de Marielle foram eleitas no último domingo (7) para dar continuidade ao seu legado.
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Agora, a bancada do PSOL em Brasília e na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) contará com as herdeiras de Marielle que conseguiram conquistar vagas em cargos legislativos estaduais e federais e terão a missão de encabeçar pautas ligadas aos direitos humanos, como questões raciais e feministas.
Renata Souza, Mônica Francisco e Dani Monteiro, todas do PSOL, trabalharam no mandato da vereadora e agora devem compor o quadro de deputadas da Alerj – que passou de 8 parlamentares mulheres para 12 após as eleições.
"A nossa vitória é a das mulheres negras, feministas, pobres e periféricas do Rio. Isso consolida uma luta por representatividade qualificada que não se resume a uma eleição", afirmou Renata ao jornal O Dia . Ela foi chefe de gabinete de Marielle Franco , e a quinta deputada mais votada, com 63.937 votos.
Pautada pela força da renovação da juventude, Dani Monteiro falou sobre as dificuldades que deve enfrentar em seu mandato. "Sabemos que vamos encontrar um parlamento muito mais conservador, que beira transbordar os limites da democracia, mas eu não tenho dúvidas de que a gente vai fazer uma ocupação daquele espaço, inclusive potencializada pelas três deputadas juntas".
Para Mônica, o trabalho que desempenhou no mandato de Marielle foi como um estágio para o que considera fazer política institucional. "Tenho uma trajetória longa de movimento social, ativismo e luta. Participar do mandato de Marielle foi parte desta estrada e mais um degrau para chegar neste lugar. Um estágio no sentido mais literal: uma passagem para assumir um lugar oficial com eficiência, qualidade e maturidade", ressaltou.
Talíria Petrone (PSOL), eleita vereadora de Niterói em 2016, representará na Câmara dos Deputados e passará a compor o quadro das 103 mulheres a ocuparem uma cadeira – número 50% maior do que em 2014. No último dia 7, Talíria se tornou a nona deputada federal mais votada do Rio de Janeiro, com 107 mil votos.
Além disso, também conquistaram uma vaga no Legislativo Áurea Cristina (PSOL), amiga de Marielle, como deputada federal por Minas Gerais; Olívia Santana (PCdoB), sendo a primeira mulher negra na Assembleia Legislativa da Bahia; e Érica Malunguinho (PSOL) é a primeira transgênera na Assembleia Legislativa de São Paulo.
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Herdeiras de Marielle ainda são minoria na Câmara
Mesmo com a crescente de mulheres na Câmara dos Deputados , o número ainda está longe de representar a população. Dos 513 deputados federais eleitos e reeleitos, 77 são mulheres, ou seja, apenas 15% do total. Ao considerar toda a população brasileira, as mulheres representam 51% do total. O saldo ainda é melhor do que nas eleições de 2014. Naquele ano, apenas 51 mulheres chegaram ao Legislativo Federal.
Dessa vez, o estado com maior número de mulheres eleitas é São Paulo, com 11. A mais bem votada foi a cientista política Tábata Amaral (PDT), integrante do movimento político suprapartidário Acredito, que teve 264.450 das preferências dos eleitores.
Proporcionalmente, no entanto, o Distrito Federal está na frente. Das oito vagas na Câmara, cinco serão ocupadas por deputadas. As três primeiras colocadas na votação são mulheres: Flavia Arruda (PR), Erika Kokay (PT) e Bia Kicis (PRP). A única reeleita foi a petista. O DF também mandou para a Câmara Paula Belmonte (PPS) e Celina Leão (PP).
Mesmo assim, três estados não elegeram mulheres para a Câmara: Amazonas, Maranhão e Sergipe. Em relação aos partidos, entre as eleitas, dez são do PT, legenda do presidenciável Fernando Haddad, e nove do PSL, sigla do também presidenciável Jair Bolsonaro.
Pela legislação eleitoral, os partidos deveriam lançar, no mínimo, 30% de candidatas mulheres nas eleições proporcionais – para a Câmara e as Assembleias Legislativas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), formado por dinheiro público, deveria ir para a propaganda das candidatas, bem como 30% do tempo no horário eleitoral gratuito.
Das 54 cadeiras do Senado em disputa nestas eleições, sete serão ocupadas por mulheres – 12,9% do total. Foram eleitas para o Senado: Leila do Vôlei (PSB-DF), Eliziane Gama (PPS-MA), Juíza Selma Arruda (PSL-MT), Soraya Thronicke (PSL-MS), Dra. Zenaide Maia (PHS-RN), Mara Gabrili (PSDB-SP) e Daniella Ribeiro (PP-PB).
Entre as mulheres eleitas, estão a mais jovem e a mais velha da Câmara. Na lista dos mais jovens eleitos está a estudante de Direito Luiza Canziani (PTB-PR), 22 anos, filha do também deputado federal Alex Canziani (PTB-PR), que perdeu a disputa para o Senado. Reeleita deputada federal, Luiza Erundina (PSOL-SP), 84 anos, no sexto mandato, é a parlamentar mais idosa do novo Parlamento.
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Ainda que a passos lentos, pouco a pouco o cenário político vai sendo ocupado, cada vez mais, por mulheres. E assim como a vereadora do Complexo da Maré escreveu em sua página no Facebook no dia 2 de outubro de 2016, quando conquistou cargo na Câmara Municipal do Rio, são as herdeiras de Marielle que agora entoam a frase: “Vai ter mulher, negra, favelada e defensora dos direitos humanos eleita” no Legislativo também.