Um quarto dos deputados com empresas rurais já foram autuados pelo Ministério do Trabalho. Na fazenda de Beto Mansur (MDB), trabalhadores em situação de escravidão foram resgatados duas vezes
Luis Macedo / Câmara dos Deputados - 12.4.16
Um quarto dos deputados com empresas rurais já foram autuados pelo Ministério do Trabalho. Na fazenda de Beto Mansur (MDB), trabalhadores em situação de escravidão foram resgatados duas vezes

Trabalhadores rurais exaustos, intimidados por seguranças armados, correndo risco de acidentes e sem carteira de trabalho podem ser encontrados nas fazendas de um quarto dos deputados que possuem negócios no campo.

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A realidade nas fazendas de alguns deputados federais é o oposto das leis que eles são eleitos para criar. Dos 43 deputados federais que são sócios ou administradores de empresas rurais, 11 - um quarto dos deputados  deste grupo - já foram autuados por violar a lei trabalhista.

Dois foram flagrados com trabalhadores em situação análoga à escravidão e outros cinco com funcionários sem carteira assinada. As infrações somam um total de 286 autos, que incluem ainda o não pagamento do FGTS, o desrespeito ao tempo de descanso, falhas na prevenção de acidentes, entre outros.

Os dados são da Receita Federal e do Ministério do Trabalho. Dos deputados infratores, dez são da bancada ruralista, a Frente Parlamentar Agropecuária. Todos concorrem ao pleito deste ano: dez à reeleição e um ao Senado.

O caso que mais chama a atenção é do deputado  Beto Mansur (MDB/SP) , cujas fazendas foram flagradas duas vezes com trabalho análogo ao de escravo. O parlamentar cultiva soja e cria gado em Bonópolis, norte de Goiás (455 km da capital).

Foi lá que, em 2012, auditores do trabalho resgataram 22 homens plantando soja em jornadas de 24 horas. Eles trabalhavam das 7h às 7h, com intervalos de 30 minutos para o almoço e o jantar.

“A jornada era tão exaustiva que eles laboravam até não mais ficarem acordados”, afirma o coordenador da fiscalização e auditor fiscal Roberto Mendes. “Quando chegava às 2h, paravam a máquina e dormiam por alguns minutos no chão, no meio do campo”.

Segundo o relatório de fiscalização, o cansaço dos trabalhadores gerava riscos de acidentes entre os que lidavam com tratores e com a plantadeira. Os fiscais registraram ainda que a equipe não recebeu treinamento para operar as máquinas e não tinha acesso a equipamentos de proteção.

Em 2004, o grupo resgatado das fazendas do deputado era maior. Foram 46 funcionários encontrados por outra equipe de fiscais, que autuaram Mansur por trabalho escravo e infantil.

Na época, o deputado era prefeito de Santos, cidade do litoral de São Paulo. Em Goiás, seus funcionários dormiam em um barracão de chão de terra e teto de palha, sem paredes.

“Quando chovia, eles passavam a noite em pé para não se molharem”, afirma Sergio Carvalho, auditor-fiscal que participou da ação. “Tinha um trabalhador que dormia no chão, era uma situação deprimente”.

A fazenda entrou na Lista Suja do Trabalho Escravo pelo caso de 2004 e a Justiça de Goiás abriu ação penal contra o deputado, mas o processo foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Celso de Mello entendeu que cabe à Procuradoria-Geral da República investigar.

A ação penal sobre o caso de 2012 foi arquivada também pelo STF. Um dos argumentos em favor do deputado foi o fato de a Justiça do trabalho de Goiás ter absolvido Mansur em ação de danos morais coletivos após enviar uma equipe de inspeção para verificar as condições na fazenda.

“Foram inspecionar com dia e hora marcada, claro que encontraram a casa arrumada”, critica o procurador do Trabalho Alpiniano do Prado Lopes, que participou do flagrante. Segundo ele, o procedimento da Justiça gerou forte desgaste entre os órgãos no estado. “Fiscalizar não é atribuição da Justiça. A questão é que, do outro lado, tinha um deputado”.

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Mansur responde ainda por um processo no Tribunal Superior do Trabalho, que o condenou a pagar R$ 200 mil por danos morais coletivos pelo flagrante de 2004. O deputado entrou com recurso no STF . Questionado, ele afirma que “nada foi pago porque não há compensação sobre situações que nunca existiram”. Mansur argumenta que “a Justiça afastou qualquer hipótese de trabalho análogo ao escravo na fazenda, logo não há o que ser reparado ou compensado”. 

Para o deputado e candidato à reeleição  Leonardo Picciani (MDB-RJ) , a punição por ter mantido 41 trabalhadores em regime de trabalho análogo à escravidão foi o pagamento de R$ 250 mil em um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público do Trabalho. A empresa Agrovás Agropecuária permaneceu na Lista Suja do Trabalho Escravo por dois anos.

“Eles [trabalhadores] eram tratados pior do que os animais”, afirma a auditora-fiscal do trabalho no Rio Grande do Norte, Marinalva Dantas, que participou da ação que, em 2003, resgatou 41 trabalhadores da fazenda que fica em São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Segundo ela, enquanto as vacas e os bois da fazenda eram transportados de avião para exposições agropecuárias, trabalhadores machucados esperavam dias por atendimento médico.

Os funcionários de Picciani ficavam sob vigilância armada para evitar fugas, moravam em barracas de lona e não tinham acesso à água potável, segundo o relatório dos auditores. Entre os trabalhadores, havia um adolescente de 17 anos.

Picciani foi ministro dos Esportes desde que Michel Temer assumiu a presidência, deixando o cargo em abril para concorrer à reeleição para deputado federal. A fazenda pertencia a Leonardo e ao pai Jorge Picciani, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que cumpre pena em regime domiciliar após ser acusado de receber propina.

Leonardo Picciani afirmou que após assinatura do termo de ajustamento de conduta com o MPT a Agrovas foi “considerada um modelo a ser seguido sobre essas práticas”. A empresa não está mais ativa e foi incorporada a outro grupo, a Agrobilara Comércio e Participações.

A Agrobilara , contudo, também foi autuada por violações trabalhistas em 2014 e 2015. Em nota, o deputado afirma que a empresa “cumpre rigorosamente suas obrigações trabalhistas, o que não impede a existência de reclamações, como ocorre em companhias de vários segmentos”. 

Dos 11 deputados que são empresários rurais e foram autuados pelo Ministério do Trabalho, cinco tiveram problemas no registro dos trabalhadores, infração considerada grave por deixar os trabalhadores desprotegidos. É o caso da empresa JB Empreendimentos e Participações ligada ao deputado federal  João Bacelar (PR-BA) . Uma das fazendas do grupo empregava seis trabalhadores sem registro em 2015.

A fazenda foi autuada ainda por falta de equipamento de segurança, por não apresentar documentos e por não cumprir as determinações após a fiscalização. A assessoria de imprensa de Bacelar foi procurada, mas não respondeu aos pedidos de entrevista.

A falta de registro profissional também foi alvo de autuações em empresas ligadas aos deputados  Pedro Vilela (PSDB/AL), Arthur Lira (PP/AL), Aníbal (DEM/CE)  e o deputado  Newton Cardoso Jr (MDB/MG) , o campeão de autuações trabalhistas. Três empresas rurais do deputado somam 180 infrações. Os problemas vão da falta de registro em carteira até condições sanitárias inadequadas.

A informalidade no campo é um dos mais disseminados e graves problemas do setor rural, afirma Alexandre Arbex, pesquisador do Ipea. Dados da PNAD de 2015 mostram que 46% dos trabalhadores permanentes no campo não tinham registro em carteira, assim como 88% dos trabalhadores temporários.

Eles não têm, portanto, direitos trabalhistas, como férias e 13º salário. “A informalidade está no centro da precarização do trabalho rural”, afirma o pesquisador.  Para Arbex, a informalidade rural está ligada ao caráter sazonal das atividades. Segundo ele, porém, a lei trabalhista permite a contratação de trabalhadores temporários. “Mas parte do setor parece pouco disposta a cumpri-la”.

Dos 11 deputados empresários rurais que cometeram infrações trabalhistas, 10 votaram a favor da Reforma Trabalhista. O único que não votou foi Leonardo Picciani, que à época da votação era ministro dos Esportes.

Também estão entre este um quarto dos deputados ligados à empresas rurais com infrações:  José Priante (MDB/PA), Vicentinho Júnior (PR/TO), Alfredo Kaefer (PP/PR), todos candidatos à reeleição. Assim como Luiz Carlos Heinze (PP/RS), que concorre a uma vaga para o Senado.

* Com Repórter Brasil

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