Supremo Tribunal Federal nega habeas corpus para Lula por 6 votos contra 5
Resultado pode atingir outros réus por conta de condenação em segunda instância; decisão depende de ao menos 6 votos dos 11 ministros do STF
Por iG São Paulo |
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, nesta quarta-feira (4), o habeas corpus da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os ministros da Corte decidiram, por 6 votos a 5, que o ex-presidente poderá ser preso caso se esgotem os recursos da segunda instâncianão, representada pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), que condenaram o petista na Operação Lava Jato.
O placar foi de 6 votos contra o habeas corpus contra 5 a favor. Mendes, Toffoli, Lewandowski, Marco Aurélio e Mello votaram a favor habeas corpus, enquanto Fachin, Moraes, Barroso, Rosa Weber e Fux foram contra. A presidente da casa, ministra Cármen Lúcia, desempatou o pleito, que durou mais de dez horas.
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Primeiro a votar, o relator do habeas corpus de Lula
e dos processos da Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, manifestou-se pela rejeição do pedido da defesa. O segundo a proferir seu voto foi o ministro Gilmar Mendes, que pediu para antecipar sua vez e posicionou-se de modo favorável ao habeas corpus, empatando o placar do julgamento. Acompanharam o relator os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber – esta última tida até então como a fiel da balança neste julgamento.
A sessão prossegue com a manifestação do ministro Luiz Fux, que será seguido pelos votos dos ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. A última a votar será a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.
Lula foi condenado por Moro a cumprir 9 anos e 6 meses de prisão por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro e teve a pena aumentada para 12 anos e 1 mês de cadeia pelos desembargadores do TRF-4.
No julgamento de hoje, os 11 ministros que compõem o plenário do Supremo entram no mérito do pedido do ex-presidente, o que não foi abordado na sessão que acabou suspensa no último dia 22.
A discussão gira em torno de entendimento adotado pelo Supremo no fim de 2016, quando, por 6 votos a 5, a maioria dos ministros da Corte decidiu que réus condenados por colegiado na segunda instância podem começar a cumprir a pena mesmo que ainda haja a possibilidade de recorrer às instâncias superiores da Justiça.
A defesa de Lula entende que aquela decisão apenas "acenou com a possibilidade" da prisão antecipada – e não a tornou obrigatória. "A Constituição determina que, antes do trânsito em julgado, nenhum cidadão pode ser considerado culpado. Ninguém está acima da lei, mas ninguém pode ser subtraído à sua proteção", sustentou o advogado do ex-presidente, José Roberto Batochio, na sessão do último dia 22.
Gilmar Mendes e a bronca no PT e na imprensa
Segundo a votar, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que o habeas corpus trata-se de um "processo de feição objetiva", mas que impactará em todas as ações que questionam a execução de prisões após a condenação em segunda instância. Gilmar ganhou o apoio de Marco Aurélio e de Ricardo Lewandowski. "Estaremos julgando em definitivo se é possível ter-se a execução da pena, portanto uma sanção implementada, antes do trânsito em julgado", concordou Marco Aurélio.
Retomada a palavra, Gilmar Mendes criticou as prisões após condenação na segunda instância, defendendo a pretensão do ex-presidente Lula. "As prisões automáticas empoderam um estamento que está mais que empoderado, e debilitam de maneira drástica a Corte Suprema. A esvaziando. É isso que nós queremos? Queremos caminhar nesse sentido?", indagou.
Em dada altura de seu voto, Gilmar passou a teorizar sobre o momento de acirramento dos ânimos na sociedade e sobre a atuação da imprensa. O ministro também atribuiu responsabilidade ao Partido dos Trabalhadores por episódios de violência.
"Nunca vi uma mídia tão opressiva como aquela que tem sido feita nos últimos anos. Todos sabem que eu venho do governo FHC. Creio que nós devemos muito desse quadro de intolerância à prática que o PT desenvolveu nos últimos anos. Esse tipo de intolerância gestou esse germe ruim da violência. Acho que o PT tem uma grande chance, neste momento, de fazer um pedido de desculpas público. Aprenderam na oficina do diabo. Fascistóides atacando pessoas", reclamou.
Moraes, por sua vez, criticou o excesso de recursos judiciais disponíveis até o início do cumprimento da pena. Para o ministro, esse leque recursal configura uma "jabuticaba brasileira" pois representa situação "diferenciada em relação aos demais ordamentos jurídicos".
"Crime voltará a compensar"
Quarto a votar, Barroso listou aquilo que classificou como "consequências devastadoras" do entendimento anterior do STF no sentido de que um réu só poderia iniciar o cumprimento de sua pena após o esgotamento de todos os recursos nas instâncias superiores.
"Deu-se um poderoso incentivo à interposição infindável de recursos protelatórios para impedir a conclusão do processo e gerar artificialmente prescrições. O segundo impacto extremamente negativo disso foi sobre a seletividade do sistema penal brasileiro, que tornou muitíssimo mais fácil prender um menino com 100 gramas de maconha do que prender um agente público que desviou 10, 20 milhões de reais dos cofres públicos. E o terceiro resultado disso foi o descrédito da Justiça junto à população. Que não é a sensação de impunidade, é a impunidade de verdade", reclamou o ministro.
Barroso argumentou que o recebimento do habeas corpus de Lula, e a consequente reversão do entendimento sobre as prisões antecipadas, irá impactar nas investigações da Operação Lava Jato e fazer com que o crime "volte a compensar" no Brasil.
"Eu me recuso a participar, sem reagir, de um sistema de justiça que não funciona. E, quando funciona, é para prender menino pobre. Se nós voltarmos atrás, as transformações da Lava Jato vão regredir e o crime vai voltar a compensar. Porque, sem o risco da prisão em segundo grau, acabaram os incentivos para a delação premiada – que foi decisiva para o desbaratamento desse esquema. Vai ser a renovação do pacto oligárquico de saque do Estado brasileiro", disse.
Barroso defendeu ainda que, caso a maioria dos ministros decida mudar o entendimento sobre a prisão após a condenação em segunda instância, o início do cumprimento da pena deverá ocorrer após a primeira decisão terminativa do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O ministro chegou a mencionar o caso do ex-jogador de futebol Edmundo, envolvido em acidente com três mortes em 1995, para falar sobre as consequências do excesso de recursos na Justiça. "A defesa interpôs 15 recursos e, em 2011, o ministro Joaquim Barbosa declarou a prescrição do caso. Hoje as famílias das três vítimas podem assistir ao jogador na televisão fazendo comentários sobre jogos de futebol", lamentou.
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Rosa Weber e o 'voto de minerva'
Apontada ao longo das últimas semanas como a dona do voto decisivo no julgamento desta quarta-feira, Rosa Weber abriu sua manifestação ressaltando que ela é a quinta magistrada a analisar o habeas corpus, destacando que, desse modo, ela não está sendo responsável pelo voto final.
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Em 2016, quando o Supremo decidiu sobre a prisão após segunda instância, a ministra votou contra a execução provisória de condenados. No entanto, até o momento, ela não proferiu decisões individuais evitando a prisão de condenados e vem seguindo a decisão da maioria do plenário. A ministra, inclusive, criticou colegas que proferem decisões sem a "desejável observância horizontal" do entendimento adotado em 2016.
"Aqui se decidiu que a execução antecipada da pena não compromete o princípio da presunção da inocência. O que não tem prevalecido em inúmeros casos. A decisão deve se apoiar não nas preferências pessoais do magistrado, mas na interpretação judicial da lei", afirmou.
Rosa Weber reconheceu que o Supremo pode "revisitar temas", mas sinalizou que seguiria mais uma vez o entendimento a favor da execução provisória de sentenças. A magistrada chegou a ser interrompida pelos ministros Lewandowski e Marco Aurélio, mas manteve sua posição.
"Uma vez estabelecida uma voz coletiva através de decisões majoritárias, esta passa a ser a voz da instituição. Pode alterar? Pode sim. Mas essa é a minha compreensão. Não entendo como reputar ilegal o acórdão da Quinta Turma do STJ que rejeitou a ordem do habeas corpus, independentemente da minha posição pessoal sobre o tema de fundo, embora reconheça que o plenário é o locus adequado para serem revisitados temas. Hoje não estão em julgamento as ações nas quais o tema se põe", disse Rosa Weber.
Após o voto de Rosa, a presidente da Corte, a ministra Cármen Lúcia, chamou por um intervalo. Logo após a pausa, chegou a vez de Luiz Fux expressar o seu voto em plenário. Ele foi breve, também acompanhou o voto do relator do caso e negou o habeas corpus a Lula.
Visão normativa – um 'sim' com ressalvas
Depois de Fux, chegou a vez do ministro Dias Toffoli pronunciar o seu voto. Ele deu início à sua manifestação expondo seu respeito aos votos já preferidos, principalmente ao voto da ministra Rosa Weber. Isso porque, assim como ela, o magistrado trouxe uma base teórica contundente, relacionada intimamente à literatura jurídica. Porém, diferente dela, Toffoli buscou um posicionamento por meio da normatividade.
"Eu acabo ficando dentro do enquadramento normativo", disse, se referindo à ministra Rosa, que não se pronunciou. Porém, garantiu que acredita que "não há uma decisão certa e uma errada".
Para o ministro, não pode haver "petrificação" da jurisprudência. Ou seja, na sua opinião, se o tema vem ao plenário, pode ser revisto. O ministro defende ainda que a execução provisória da sentença condenatória só se inicie após julgamento do recurso pelo STJ.
Porém, segundo Toffoli, o fato de se aguardar a decisão do STJ sobre a condenação confirmada em segunda instância não significa que haverá prescrição da pena. Dito isso e, apesar das ressalvas, o ministro votou a favor do habeas corpus de Lula.
Na sequência, foi a vez de Ricardo Lewandowski pronunciar o seu voto. Ele começou relembrando o julgamento em que foi confrontado com a opção entre priorizar a liberdade de um indivíduo ou o direito à propriedade de outro. Por essa lembrança, começou a defender o direito à liberdade do ex-presidente.
"É possível restituir a liberdade de alguém se houver reforma da sentença condenatória no STJ ou STF com juros e correção monetária? Não. A vida e a liberdade não se repõem jamais", disse ele.
Depois, o ministro seguiu expondo o problema do excesso de presos no Brasil. "Num sistema como esse, a possibilidade do cometimento de erros judiciais é muito grande", prosseguiu. Por meio de tais argumentos, sustentou a relevância da presunção da inocência e votou a favor do habeas corpus do ex-presidente.
Veteranos empatam a votação
Marco Aurélio Mello iniciou sua fala falando sobre a importância da presunção da inocência e a mentalidade brasileira. "No Brasil, presume-se que todos sejam salafrários até prova em contrário", analisou o ministro.
O magistrado ponderou que, apesar da indignação da sociedade, seu "dever maior era tornar prevalecente a lei da constituição". "Sigo o voto do ministro Ricardo, pois ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado", completou.
Após votar a favor do habeas corpus, Marco Aurélio voltou a criticar Cármen Lúcia por não levar ao plenário duas ações declaratórias de constitucionalidade feitas pela defesa de Lula. A presidente disse que as ADCs poderiam ser colocadas para votação após a decisão da casa sobre o habeas corpus.
Celso de Mello iniciou seu voto com uma fala dura fazendo referência às declarações do general Villas Bôas. "Já se distanciam no tempo histórico os dias sombrios que recaíram sobre o processo democrático em nosso país. Quando a vontade hegemônica dos curadores do regime político então instaurado sufocou de modo irresistível o exercício do poder civil", disse. "Isso é danoso à democracia e inaceitável", completou.
O ministro lembrou que o STF era, antes de tudo, um defensor das liberdades de todos dentro do regime democratico. Á exemplo de Marco Aurélio, o decano da casa afirmou que era perigoso para os magistrados se "deixarem contaminar pela opinião pública e negar a um acusado um julgamento justo". "O STF não julga em função da qualidade das pessoas ou condição econômica, política, social ou funcional. Esta votação transcende a figura pessoal da figura analisada e busca amparar qualquer cidadão".
"A presunção da inocência configura um direito fundamental de um estado democrático de direito e nada compensa a ruptura da ordem constitucional", disse o decano, que lembrou que, há 29 anos, vota pelo cumprimento da pena apenas depois do trânsito em julgado, antes de votar a favor do habeas corpus para Lula.
Carmén Lúcia decide contra Lula
Após o empate, a defesa de Lula voltou a pedir a palavra, alegando que a presidente da casa não deveria desempatar a votação do habeas corpus por uma questão de regimento, mas a casa negou a solicitação dos advogados do ex-presidente por se tratar de uma matéria constitucional.
Com isso, a presidente iniciou seu voto relembrando que era a favor do cumprimento de pena após o esgotamento da segunda instância desde 2009, quando foi voto vencido. De acordo com a presidente da casa, a prisão antes do trânsito em julgado não fere a presunção da inocência.
"Este Supremo Tribunal Federal já admitiu antes a possibilidade deste tipo de prisão, parou de reconhecê-la em 2009 e voltou a reconhecê-la em 2016, sempre por votação da maioria e sempre de maneira estudada", ponderou a ministra, que rapidamente revelou seu voto, acompanhando o relator Edson Fachin e desempatando a votação, negando o habeas corpus para Lula.
Após a votação da matéria do habeas corpus, a casa rejeitou a liminar da defesa sobre a validade da ação apenas após o julgamento das ADCs por 8 votos a 2.
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