O juiz federal Sérgio Moro, o advogado de defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin Martins, e a representante do Ministério Público Federal (MPF), Isabel Groba, protagonizaram um bate-boca durante o depoimento de uma testemunha da defesa no processo em que o ex-presidente é acusado de receber propina da Odebrecht.
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Durante a oitiva do ex-diretor da Polícia Federal Luiz Fernando Corrêa, Moro interrompeu uma pergunta que estava sendo feita pelo advogado de Lula , afirmando que todos os questionamentos já haviam sido feitos em depoimento anterior.
Cristiano Zanin Martins rebateu o juiz federal afirmando que o Ministério Público Federal também fez o mesmo. Neste momento, a procuradora do MPF Isabel Groba interveio e rechaçou a afirmação feita pelo advogado de defesa do ex-presidente, alegando que havia feito apenas questões complementares.
O ex-diretor da PF já havia prestado depoimento ao juiz federal na ação penal sobre o tríplex do Guarujá. Como o conteúdo também é usado na ação do terreno, ele foi arrolado novamente pela defesa para prestar mais esclarecimentos.
Leia o trecho da discussão:
Sérgio Moro: "Eu vou interromper um minutinho aqui porque essas perguntas foram feitas no depoimento anterior. Não estamos aproveitando na prática.”
Cristiano Zanin: “Eu estou concluindo excelência. Só lembrar a Vossa Excelência que as testemunhas que o Ministério Público arrolou também eram comuns e o Ministério Público teve oportunidade de reforçar alguns pontos que entendiam ser da sua... (interrompido)”
Sérgio Moro: “Desde o início desse depoimento, o senhor só fez perguntas que já foram feitas. Então peço que o senhor faça novas perguntas para complementar.”
Cristiano Zanin: “O Ministério Público também notadamente em relação aos delatores reforçou e repetiu as mesmas perguntas...”
Isabel Groba: “Ah! Pela ordem. O senhor está fazendo referências ao Ministério Público inverídicas. O MP fez perguntas complementares e que efetivamente complementaram os depoimentos. Então, por favor, o senhor faça referências ao Ministério Público que correspondem a realidade dos fatos.”
Cristiano Zanin: “Estou fazendo as perguntas corretas. E eu posso trazer um quadro comparativo com as perguntas feitas e houve repetição...”
Sérgio Moro: “O senhor tem perguntas novas para a testemunha ou estamos aqui só perdendo tempo?”
Cristiano Zanin: “Vossa Excelência acha que sempre que a defesa fala há perda de tempo, esse é o problema.”
Sérgio Moro: “Tem perguntas novas doutor? O juiz não tem tempo pra ficar perdendo aqui.”
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Zanin, então, fez sua última pergunta ao ex-diretor geral da PF, questionando se ele conhecia Nestor Cerveró, Paulo Roberto Costa e Renato Duque, e concluiu a oitiva. Ao final, Moro pediu desculpas a testemunha. "Peço desculpas por esse debate aqui, mas realmente são perguntas que já foram perguntadas. Nós convencionamos que iriamos aproveitar e não faz sentido ficar indagando essas coisas novamente", afirmou o juiz federal.
Após o episódio, a defesa do ex-presidente emitiu uma nota criticando a atitude de Moro. “O cerceamento ao direito de defesa e o desrespeito à atuação dos advogados mais uma vez se fez presente hoje”, escreveram os advogados. “A realidade é que o Juízo impediu a defesa de reforçar aspectos relevantes, que desmentem o cenário de ‘corrupção sistêmica’ afirmado pelo MPF.”
A nota reforça ainda o entendimento dos advogados de que o Ministério Público também fez perguntas repetidas em outras ocasiões.
Leia a íntegra da nota:
"O cerceamento ao direito de defesa e o desrespeito à atuação dos advogados mais uma vez se fez presente hoje (14/06) em audiência na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, relativa à Ação Penal 5063130-17.2016.4.04.7000.
O juiz Sérgio Moro interrompeu o trabalho da defesa de Lula na oitiva do ex-diretor geral da Polícia Federal Luiz Fernando Correa, exatamente quando o depoente, na mesma linha dos ex-procuradores gerais da República Claudio Fontelles e Antonio Fernando Barros, também ouvidos hoje, discorria sobre o estímulo e condições materiais propiciados pelo então Presidente Lula no combate à corrupção e a lavagem de dinheiro.
É preciso registrar que o Juízo tem permitido, nas demais audiências, que o Ministério Público Federal (MPF) formule perguntas na mesma linha de outras já feitas anteriormente às testemunhas de acusação - em audiências referentes à Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR - notadamente em relação aos delatores. Moro afirmou que indeferia o questionamento porque tais perguntas já haviam sido respondidas em outra ação e que sua continuidade resultaria em "perda de tempo".
A realidade é que o Juízo impediu a defesa de reforçar aspectos relevantes, que desmentem o cenário de "corrupção sistêmica" afirmado pelo MPF.
Diante da falta de provas que se verifica na acusação, é lamentável que o Juízo recorra a tais expedientes e, junto com a representante do MPF manifeste comportamento tão desrespeitoso à defesa. Mais uma vez se atenta contra as prerrogativas profissionais, à participação do advogado na administração da Justiça, como assegura a Constituição Federal (art. 133) e as regras internacionais da magistratura, dos procuradores e dos advogados. Tal conduta fere igualmente as garantias fundamentais do ex-presidente."
Denúncia
O Ministério Público Federal acusa o petista de ter cometido os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em esquema que envolveu a compra do terreno para o instituto do ex-presidente e a cobertura de um prédio em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.
De acordo com a denúncia, o ex-presidente teria comandado um esquema envolvendo o pagamento de propina de R$ 75 milhões, que é o equivalente a percentuais de 2% a 3% do valor total de oito contratos firmados entre a Petrobras e a construtora Odebrecht.
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Segundo os procuradores, esse valor teria sido repassado ao PT, ao PP e ao PMDB. Parte dessa quantia teria sido lavada por meio da compra de um terreno para sediar o instituto do ex-presidente petista, em 2010.
Outro meio encontrado para lavar os recursos ilícitos teria sido a compra de uma cobertura no prédio vizinho ao que Lula mora em São Bernardo do Campo. O imóvel foi adquirido no nome de Glaucos da Costamarques (um dos denunciados), que teria atuado como "testa de ferro" do ex-presidente.