Matheus Pichonelli

Jovem estava condenado antes de entrar em jaula da leona na PB

Caso expõe a negligência com que assuntos de saúde mental são tratados no Brasil: um grande jogo de empurra-empurra

Leoa do Parque Zoobotânico Arruda Câmara (Bica), em João Pessoa
Foto: Reprodução/Google Maps
Leoa do Parque Zoobotânico Arruda Câmara (Bica), em João Pessoa

A morte de um jovem atacado por uma leoa ao invadir a jaula do animal em João Pessoa (PB), neste domingo (30), é pesadíssima. 

Foi registrada graças à profusão de aparelhos celulares ligados no momento em que Gerson de Melo Machado, o Vaqueirinho, de 19 anos, foi praticamente abocanhado no Parque Zoobotânico Arruda Câmara, conhecido como Bica. As testemunhas a certa altura tiveram dificuldade de entender o que estava acontecendo. Aquilo era uma atração? Um circo? Uma tragédia contada em tempo real?

Após a morte, não faltaram registros de alertas de que o jovem tinha problemas de saúde mental e precisava de ajuda. Isso desde que foi destituído da família com os irmãos. A mãe tinha diagnóstico de esquizofrenia e não tinha condição de cuidar das crianças.

Gerson, que já dava sinais de que sofria do mesmo mal, não foi adotado, como seu irmãos. Nas ruas, passou a cometer pequenos delitos, provavelmente sob manipulação de grupos organizado que se aproveitavam da sua condição. Ele já havia sido preso por furto, por explodir caixas eletrônicos e por arremessar pedras na polícia.

Quando chegava aos presídios, era logo liberado. O caso, diziam, era de saúde mental, não de segurança pública.

Quem conhecia o jovem sabia que o sonho dele era trabalhar como domador de leões. Há registros de ao menos uma tentativa de entrar clandestinamente em um avião em direção à África para realizar o desejo. Como diz a música: cada ser tem sonhos à sua maneira. 

Há poucos dias, o diretor da Penitenciária Desembargador Flósculo da Nóbrega, Edmilson Alves, postou um vídeo relatando a situação do jovem, que ele considerava delicada.

"O tempo em que ele passou no presídio, ele passou sob medicação, surtou várias vezes. A gente trocou a medicação várias vezes, foi internado, voltou, passou de novo por tratamento e por avaliação", disse.

Quando as imagens ganharam as redes (e o mundo) muita gente se questionou como uma pessoa era capaz de entrar, assim, na jaula de uma leoa, como se fosse acariciar um gato.

A pergunta, na verdade, é outra: como ninguém viu ou impediu a escalada até o local da morte certa?

O vácuo da resposta é o vácuo de respostas que o poder público deixou como lacunas ao longo de toda a vida do Vaqueirinho.

Como resumiu, em entrevista ao UOL, a conselheira Verônica Oliveira, que acompanhou o jovem desde criança, o que Gerson precisava era de “acompanhamento de saúde mental digno”. Algo que ele nunca teve. “Todo o poder público falhou com ele”, sentenciou.

Que o caso sirva como exemplo para que saúde mental seja tratada no Brasil com a seriedade que deve. Negligência mata. E matou o Vaqueirinho.

*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG