RJ: mulher morta foi baleada por PM que confundiu colega com criminoso

Investigação da Delegacia de Homicídios aponta que cabo da UPP foi responsável pelo disparo que matou Letícia Sales no Complexo do Alemão

Letícia Marinho Sales, de 50 anos, foi atingida quando saía do Complexo do Alemão
Foto: Reprodução
Letícia Marinho Sales, de 50 anos, foi atingida quando saía do Complexo do Alemão

Letícia Marinho Sales, de 50 anos, morta durante a operação conjunta das polícias Civil e Militar no Complexo do Alemão no último dia 21 , não foi baleada num confronto entre PMs e traficantes do complexo de favelas. O inquérito sobre o homicídio aponta que o tiro que matou a mulher foi disparado por um PM que confundiu uma colega de farda com um criminoso e atirou em sua direção. Letícia, que não morava no Alemão e foi até a região visitar as filhas e uma amiga pastora, estava na linha de tiro e foi atingida no peito. Ao todo, 18 pessoas morreram em dois dias de operação no Alemão .

O cabo Eduardo Nunes Rodrigues Junior, lotado na UPP Parque Proletário, foi o autor do disparo que atingiu Letícia. Em depoimento na Delegacia de Homicídios (DH), Rodrigues Junior afirmou que integrava uma equipe de agentes que reforçava o policiamento no entorno do Alemão naquela manhã. Ele estava baseado na Estrada do Itararé, um dos acessos ao complexo de favelas, em frente ao Colégio Estadual Jornalista Tim Lopes, quando viu dois veículos pararem lado a lado num sinal de trânsito a sua frente. Um deles era o Chevrolet Prisma ocupado por Letícia e mais dois parentes.

O outro era um Hyundai i30 de cor prata, do outro lado da pista. Segundo Rodrigues Junior, ele viu uma pessoa armada colocar o corpo para fora do i30, achou que se tratava de um criminoso e deu 12 tiros com o fuzil que portava. O cabo disse não ter ouvido a pessoa armada se identificar e, por isso, atirou.

Um dos disparos atingiu o retrovisor do Prisma que estava à frente e, em seguida, acertou Letícia. A mulher foi socorrida pelo namorado, que dirigia o carro, para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Alemão, mas já chegou morta à unidade de saúde.

Quem ocupava o banco do carona do i30 e portava uma pistola, no entanto, era uma policial militar: a soldado Geniffer dos Santos Nunes, lotada na UPP Alemão. Na DH, Geniffer disse que estava deixando o serviço na favela e pegou uma carona com um colega para ir até a base da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP), que fica fora do Complexo do Alemão, para que ela pudesse pedir um carro por aplicativo para voltar para casa. O i30 prata, portanto, era o carro particular de outro policial, que estava no banco do motorista. Quando o carro parou no sinal ao lado do Prisma onde estava Letícia, Geniffer estava fardada.

Ela afirmou que, ao ver um dos agentes da viatura baseada olhar para o carro, o motorista abriu os vidros e ela colocou o corpo para fora dizendo que era policial. Mesmo assim, o cabo Rodrigues Junior fez os disparos. Além de Letícia, o motorista do i30, identificado como o PM Sérgio Rodrigues, também foi baleado na perna esquerda. O PM foi socorrido para a UPA do Alemão e, posteriormente, foi transferido para o Hospital estadual Getúlio Vargas e, em seguida, para o Hospital Central da PM. Os relatos dos policiais também foram confirmados por testemunhas que presenciaram a ação e viram a agente fardada no carro ao lado do ocupado por Letícia.

Procurada, a PM alegou que o cabo Eduardo Nunes Rodrigues Junior, apontado como autor dos disparos "está afastado dos serviços". Segundo a corporação, "a investigação do caso está a cargo da Polícia Civil e que a Corregedoria da Corporação colabora integralmente com a averiguação, além de ter instaurado procedimento interno". Já quanto ao estado de saúde do PM Sérgio Rodrigues, baleado na perna durante a ocorrência, a PM informa que "ele foi atendido no HCPM e liberado".

Mãe de três filhas e avó de três netos, Letícia morava na comunidade Beira-Rio, no Recreio dos Bandeirantes, a 30 quilômetros do Alemão. Ela estava desempregada e havia acabado de fazer um curso de vigilante para voltar ao mercado de trabalho. Um dia antes da operação, ela foi até a Vila Cruzeiro no dia anterior à operação para ajudar uma amiga pastora a organizar uma festa e visitar as filhas que moram na região. Letícia passou a noite na casa do namorado e estava voltando para casa no momento em que foi baleada.

No dia seguinte ao homicídio, as  filhas de Letícia, Jenifer e Jéssica Sales, cobraram justiça e criticaram a ação da polícia quando foram liberar o corpo da mãe no Instituto Médico-Legal (IML).

"Um policial vem e atira na minha mãe dessa forma? O que a minha mãe fez com ele? Ela levantou uma arma para matar ele? O que tinha na cabeça aquele homem?", disse Jéssica na ocasião.

A operação conjunta no Complexo do Alemão teve a participação de agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e tinha como objetivo coibir o roubo de veículos na região, segundo a polícia. O cabo da PM Bruno de Paula Costa, de 38 anos , e a  moradora do Alemão Solange Mendes também estão entre os 18 mortos durante a ação.

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