Milícia pagava almoço de PMs no Rio: 'rodiziozinho liberado'
Trocas de mensagens apontam que policiais do batalhão de Santa Cruz podiam comer em churrascaria do bairro às segundas-feiras às custas da milícia
A maior milícia do estado do Rio custeava o almoço de policiais militares em uma churrascaria de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, um dos bairros de atuação da organização criminosa. Trocas de mensagens entre um integrante da quadrilha e um PM do 27º BPM (Santa Cruz), às quais o GLOBO teve acesso, revelam que policiais do batalhão podiam comer em um estabelecimento do bairro às segundas-feiras às custas da milícia. No último dia 20, milicianos e agentes públicos foram alvo da Operação Heron.
Os investigadores da Delegacia de Repressão as Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco) descobriram o esquema após terem encontrado mensagens enviadas pelo miliciano Luiz Bastos de Oliveira Junior, o Pqdzinho, para o sargento da Polícia Militar Leonardo Corrêa de Oliveira.
Em um áudio, o paramilitar avisa ao sargento Oliveira que os almoços custeados pela milícia ficariam limitados às segundas-feiras, reduzindo o número de dias nos quais a quadrilha pagava pela refeição dos policiais. Na gravação, o miliciano menciona que o sargento fazia parte do Grupamento de Ações Táticas (GAT) do batalhão.
"Fala comigo meu amigo, sargento Oliveira, do GAT, GAT mais 'psico' do 27. Aí, deixa eu te explicar. Se puder passar pra os amigos aí do batalhão, pô deu um probleminha, lá na churrascaria lá, os caras estavam reclamando que estavam com muito gasto", disse Pqdzinho a Oliveira.
O miliciano diz ainda ao PM que tentou negociar mais de um dia na semana de almoço pago pela quadrilha, mas não teve sucesso. "Só que os caras tá (sic) ruim de jogo pra caraca, não quer liberar mais pra gente, a gente tentou botar dois dias da semana os caras não deixou (sic). Aí conseguimos por fim bater o martelo, um dia da semana só, que no caso vai ficar toda segunda feira, o rodiziozinho lá liberado entendeu, vai continuar o almoçozinho lá, esse rodiziozinho", explica.
Pqdzinho frisa ao sargento Oliveira que todos os policiais que estivessem de serviço às segundas poderiam ter a refeição paga pela quadrilha. "Aí tu passa para os amigos, toda segunda-feira quem tiver de serviço, GAT, PATAMO, RP, P1, pode ir lá almoçar lá, aí vai ficar só a segunda-feira liberado".
Oliveira responde para o miliciano agradecendo e diz que falaria com os colegas: "Ah, tranquilo, meu amigo, tranquilo, não, pode deixar que eu vou informar, pode deixar que eu vou repassar aos amigos (...) tamo junto aí, falou, o que precisar aí, nosso dia aí faço um contato aí com certeza, pra saber se tá precisando de algum apoio, tamo junto, meu amigo".
Os áudios foram encaminhados por Pqdzinho para o miliciano Francisco Anderson da Silva Costa, o Garça, e encontrados no telefone celular do criminoso. Nas conversas entre os comparsas, foram encontradas ainda notas fiscais de refeições em uma churrascaria em Santa Cruz que a polícia acredita que seja a mesma onde as refeições dos PMs eram pagas. As notas foram enviadas por PQD a Garça, em prestação de contas.
Os investigadores conseguiram identificar Oliveira como o contato da milícia dentro do batalhão de Santa Cruz a partir de uma troca de mensagens entre Garça e PQDzinho. No dia 14 de fevereiro de 2021, questionado por Garça se tinha falado com "o pessoal do GAT", PQD responde que tinha falado com Oliveira e que "ele que estava ontem". Para os investigadores, a afirmativa de PQD sinalizava que seu interlocutor estaria de plantão.
Foi solicitada a escala de policiais de serviço no dia anterior no 27º BPM e um dos componenetes do GAT naquela data era justamente o sargento Oliveira. O PM, Garça e Pqdzinho foram alvo da operação Heron na última semana.
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