"Fizeram uma chacina", diz morador do Complexo do Salgueiro
Nove corpos já foram retirados de mangue por moradores. Polícia Civil ainda não chegou ao local
Pouco depois das 21h deste domingo, moradores da localidade da Palmeira, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), começaram a localizar os corpos que estavam num mangue da região. Quem vive na localidade, pobre e com barracos humildes, afirma que as vítimas foram executadas após a Polícia Militar entrar na comunidade — horas após a morte do sargento da PM Leandro Rumbelsperger da Silva, de 40 anos, do 7º BPM (São Gonçalo).
Na manhã desta segunda-feira, quem vive no bairro ainda procura por outros corpos. Familiares velavam as vítimas à espera da perícia da Polícia Civil . Até as 9h30, oito homens haviam sido encontrados. Populares dizerem que as vítimas foram torturadas antes de serem mortas.
Só às 11h12m, quase 15 horas após as mortes, agentes da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá (DHNSGI) da PM chegaram ao local para fazer a perícia . A Corregedoria Interna da PM e um promotor do Ministério Público do Rio acompanham o procedimento.
Um leiturista de 45 anos, e que mora há 25 anos na favela, diz que “a morte de um policial militar gerou essa operação mal sucedida”.
"Vieram de qualquer maneira e o resultado é esse. Eles deram tiro para todos os lados e chefes de família ficaram em risco. E o resultado é esse: nove corpos e muitos outros que podem estar no mangue", diz o homem que reclama da falta de estrutura básica da região. "Não existe segurança pública no Rio. Eles tratam a gente com a morte. Aqui não tem nada. O estado não dá condições para a gente sobreviver. Nós somos manipulados pelo governo e eles fazem isso com a gente."
Quem vive no bairro diz que “tinham pais de família” entre as vítimas. Mas eles relatam que criminosos também estão entre os mortos. No entanto, moradores destacam que “os bandidos não precisam ser mortos”.
"Tinham pessoas envolvidas com o crime? Tinham. Mas a grande maioria não tem nada com o fato. Muitas pessoas estão desfiguradas. Se eles tivessem a intenção de prender, não teriam feito isso. Quem correu se salvou. Essas mortes aconteceram de ontem para hoje. (Os policiais militares) passaram de sábado para domingo e ontem durante o dia eles saíram e voltaram. Se fosse troca de tiros, os jovens não estariam assim. Eles fizeram uma chacina. Resgatamos os corpos e não achamos nenhuma arma. Morreu um PM em um dia e no outro eles fizeram uma chacina", diz um morador.
Outro morador relata a sensação de insegurança de quem mora na região.
"É uma sensação horrorosa. Infelizmente, a polícia só entra para matar. Eles não podem chegar aqui e fazer essa chacina", diz um mototaxista de 43 anos que mora na região.
Até as 9h50, os corpos estavam no local cobertos por lençóis. A todo momento, familiares e amigos chegam e se desesperam com a situação dos corpos.
'Há feridos no mangue e os bombeiros se recusam a entrar', diz presidente de associação
A associação de moradores do Salgueiro, por nota, denunciou que o Corpo de Bombeiros tem se recusado, desde este domingo, dia 21, a retirar vítimas que estão dentro do terreno pantanoso à margem da baía. A presidência disse que a ordem da corporação é de não entrar na favela.
"Desde ontem estamos tentando resgatar os moradores que estão feridos dentro da vegetação e estão machucados. Recebemos a informação que eles (o Corpo de Bombeiros) estão proibidos de entrar. Temos pessoas que precisam de socorro. Além disso, precisamos que eles retirem os corpos. Esse é um desrespeito para as famílias. Ninguém aceita o erro, mas aqui tem moradores que não tem nada a ver. O Corpo de Bombeiros não vem porque alegam tiroteio. Onde tem tiroteio aqui? A gente só quer o respeito. Tem gente que está viva lá dentro. Mais tarde vamos apresentar essas arbitrariedades para os órgãos competentes. Vamos apresentar pra OAB esse desrespeito e o sofrimento do pai, da mãe, de filho que morram aqui", diz em nota a associação.
As viaturas do Corpo de Bombeiros estão no local, segundo a assessoria de imprensa da corporação, que informou ainda que o "serviço de recolhimento de cadáveres atua após a perícia da polícia e liberação da guia de recolhimento. Em nota, o Corpo de Bombeiros explicou que "o acionamento do serviço de remoção de cadáveres da Defesa Civil é feito, exclusivamente, pela Polícia Civil (delegacia da área), que emite um documento chamado GRC (Guia de Recolhimento de Cadáver). A retirada de um corpo pela equipe de militares depende da emissão da documentação citada, que, podemos dizer, funciona como uma autorização legal para o recolhimento. Inclusive, a GRC é imprescindível para a entrada no IML".
"Meu pai está lá dentro", afirma uma manicure
Uma jovem de 21 anos, manicure e que mora no bairro há cinco anos, diz que o pai, um comerciante de 43 anos, está entre os desaparecidos e feridos dentro do manguezal. Ela conta que falou com o pai por telefone. No entanto, o aparelho do comerciante ficou sem sinal.
"Meu pai é trabalhador e moramos há mais de cinco aqui. Ele estava voltando do trabalho por volta de 15h desse domingo. Na hora do tiroteio, meu pai correu para dentro do mangue. Ele diz que ficou no meio do tiroteio. Só estava tentando vir para casa. Disse que outras pessoas estavam dentro do mangue. Estou com medo e creio que ele esteja vivo. Desde ontem, ele manda mensagem. Mas agora de manhã ele perdeu o sinal. Acreditamos que muitas pessoas estejam mortas", lamentou a jovem.
"Meu cunhado foi tirado de dentro de casa e executado", relata moradora
Uma moradora de 27 anos diz que seu cunhado, David Wilson da Silva Oliveira Antunes, de 23 anos, pai de duas meninas, de 4 e 5 anos, estava dentro de casa, quando foi retirado e assassinado.
"O meu cunhado é trabalhador. Eles tiraram ele de dentro de casa, mataram ele dentro do mato", acusa a mulher.
Até as 9h50, os corpos estavam no local cobertos por lençóis. A todo momento, familiares e amigos chegam e se desesperam com a situação dos corpos.
Em entrevista ao "Bom Dia Rio", da TV Globo, na manhã desta segunda-feira, o porta-voz da Polícia Militar, major Ivan Blaz, disse que havia uma ocupação do 7º BPM na região.
"Nós tínhamos uma ocupação do 7º BPM motivada para estabilizar a região após denúncias de bandidos estarem fazendo o uso de escolas, inclusive, para o tráfico. Após a morte do sargento, o Bope foi para a região. Houve vários confrontos durante o final de semana na área do mangue. Tivemos a apreensão de vários materiais usados em combate. Deduzimos que houve inúmeros feridos entre policiais e traficantes."
A Polícia Militar informou que, após o conhecimento de corpos localizados em área de mangue na região do Complexo do Salgueiro, a corporação dará início a uma ação no local e permanecerá na região para garantir o trabalho de perícia da Polícia Civil.
Familiares de mortos denunciam ação truculenta
A desempregada Milena Menezes Damasceno, de 35 anos, é irmã do ajudante de pedreiro Rafael Menezes Alves, 26 anos, conhecido como Bob. Segundo a mulher, o irmão está entre os mortos. Desde as primeiras horas do dia, ela vela o corpo do irmão caçula de cinco filhos:
"Meu irmão era nascido e criado aqui. Ele era ajudante de pedreiro e estava na rua quando tudo aconteceu. Ele estava bebendo com os amigos quando os policiais arrastaram ele e fizeram isso."
A funcionária pública Cleonice da Silva Araujo, de 56, veio de Maricá, para acompanhar a retirada do corpo do irmão Hélio da Silva Araujo, de 53. Ela afirma que o irmão foi morto.
"Aqui ninguém tinha nada contra ele. Se fosse um tiro eu até aceitava. Mas eles degolaram o meu irmão. Infelizmente, a justiça funciona assim. Ele morava aqui há 10 anos. Enquanto continuarem assim, muitas vítimas serão mortas desse jeito", denunciou.
Moradores fazem placa pedindo “paz”
No começo da manhã, homens e mulheres da localidade escreveram em um lençol branco mensagens pedindo paz. "Os moradores pedem paz. Pedimos socorro por favor", dizia a mensagem. A todo tempo, familiares dos mortos chegavam ao local. Muito deles passavam mal e chegavam a desmaiar.
Por volta das 10h20, agentes da DHSGI chegaram à entrada do Complexo do Salgueiro, na BR-101. Os investigadores esperam o terreno ser estabilizado. Às 11h12, os investigadores conseguiram entrar no local.
Idosa baleada
Uma idosa foi baleada no fim da manhã deste domingo no Complexo do Salgueiro. Em nota, a Polícia Militar informou que o 7º BPM foi verificar uma ocorrência envolvendo a entrada de uma pessoa ferida no Hospital Estadual Alberto Torres (HEAT), em São Gonçalo. O órgão afirmou que a situação foi constatada na unidade de saúde e que não havia informações sobre as circunstâncias da ocorrência, que foi encaminhada para a 72ª DP (São Gonçalo).
A polícia disse ainda que, na tarde deste domingo, agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) atuaram no Complexo do Salgueiro, após informação de que um dos indivíduos que atacaram a equipe do 7º BPM, no último sábado, estaria ferido ainda no interior desta região. As equipes foram atacadas nas proximidades de uma área de mangue com mata, ocorrendo um intenso confronto. Na ação, foram apreendidos duas pistolas, munição calibre 9 mm, 56 munições de fuzil calibre 762, cinco carregadores (02 para fuzil e 03 para pistola), um uniforme camuflado, 813 tabletes de maconha, 3.734 sacolés de pó branco e 3.760 sacolés de material assemelhado ao crack. A ocorrência foi registrada na 72ª DP.
A Polícia Civil informou que a DHNSG está na localidade Palmeirinha e a perícia está sendo realizada próxima ao mangue, onde os corpos foram localizados. Disse ainda que as equipes também realizam as primeiras diligências na região para a coleta de elementos informativos que possam ajudar a esclarecer a dinâmica dos fatos.