Único deputado federal assumidamente homossexual do Brasil, venceu o Big Brother Brasil e se tornou ícone na luta das minorias e dos direitos humanos
O tipo franzino e o jeito tímido daquele rapaz baiano destoavam das atitudes broncas e dos corpos malhados de outros homens reclusos nos estúdios da TV Globo, durante o programa "Big Brother Brasil", de 2005. Jean Wyllys de Matos Santos era realmente diferente. Sua presença denotava uma renovação no zoo eletrônico do reality show.
Quase sempre habitado por mulheres bonitas e homens musculosos, o BBB procurava alterar o perfil de seus participantes e incluiu, naquela edição, o professor, escritor e jornalista de Alagoinhas, interior da Bahia, o primeiro intelectual a participar da disputa, como diversos jornais e revistas o classificaram na época. "Os acadêmicos costumam torcer o nariz para reality shows e as novelas porque têm preconceito contra a cultura popular", critica Jean, que é especialista em cultura brasileira. "Estava justamente falando disso com meus alunos quando eles disseram que eu era a cara do Big Brother. Insistiram tanto, que mandei uma fita", recorda.
Leia também:
Os 60 Mais poderosos do País
Valeu a pena para ele e para a produção do programa. Afinal aquela foi a maior audiência da história da atração, com 47,5 pontos no Ibope. E ainda lançou para o estrelato a vice-campeã, uma menina de Jacarezinho, no Paraná, com sorriso largo e fácil: Grazielli Massafera.
Foi um programa atípico, pois a carreira dos ganhadores de reality shows no Brasil costuma se encaminhar para a televisão, o showbiz ou, mais frequentemente, o anonimato. Jean Wyllys, porém, seguiu outro caminho. Naquele momento de inflexão do "Big Brother Brasil", com a inclusão de concorrentes com perfis alternativos, ele tornou-se o primeiro homossexual assumido a vencer a competição e passou a ser visto como uma liderança de movimentos sociais. A carreira política era um previsível desdobramento. E, em 2010, o baiano elegeu-se deputado federal pelo PSOL, no Rio de Janeiro.
Jean, o congressista
Único gay assumido no Congresso Brasileiro, abraçou a causa e afirma realizar um trabalho para "a dilatação da pauta dos direitos humanos". Desde sua posse, em 2011, recebeu a Medalha Pedro Ernesto, a Comenda da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho e a inclusão de seu nome no ranking de 100 personalidades mais influentes de 2012 pela revista "IstoÉ".
Participa da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT, da Comissão de Educação, da Comissão de Cultura e da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos, entre outras. Seus projetos de lei incluem a legalização do casamento de pessoas do mesmo sexo, o tratamento de doenças raras pelo SUS (Sistema Único de Saúde), a instituição de uma política nacional Griô, para proteção das tradições orais, e criação de uma Lei Empresa Ficha Limpa, que impeça empresas sob investigação criminal de participar de licitações públicas.
"Acadêmicos torcem o nariz porque têm preconceito contra cultura popular"
Causou polêmica em janeiro de 2013 ao defender a regularização da profissão de prostituta e afirmar que o projeto teria mais chance de ter aprovado do que a criminalização da homofobia. "As prostitutas, embora estigmatizadas e marginalizadas, são uma categoria menos odiada que os homossexuais", disse.
Ainda no primeiro semestre de 2013 foi acusado de declarações injuriosas contra grupos religiosos e em defesa da pedofilia, o que afirmou ser uma campanha difamatória realizada por seus opositores. Também neste ano protocolou uma ação por difamação, calúnia, falsificação de documento público, injúria, falsidade ideológica, formação de quadrilha ou bando, improbidade administrativa contra o pastor Silas Malafaia e o deputado federal e pastor Marco Feliciano.
É editor convidado e colunista do iGay, site do iG que quebrou paradigmas ao falar sem preconceitos para o público homossexual. A página, que aborda política, comportamento e estilo de vida, tornou-se referência e campeã de audiência no mercado brasileiro. Atua também como professor universitário na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e colunista da revista "Carta Capital".
Família simples
Nascido em 10 de março de 1974, é o quarto filho de uma família simples de Alagoinhas, cidade com cerca de 150 mil habitantes localizada a 119 quilômetros de Salvador. A mãe era lavadeira e o pai, quando a bebida o deixava trabalhar, era pintor de automóveis. Foi batizado Wyllys porque o pai, José Dias, era apaixonado pelo carro Aero Willys, modelo de sucesso no Brasil nos anos 1960.
Estudou nas escolas locais Maria José Bastos e Polivalente, sempre com destaque, enquanto trabalhava como vendedor de algodão doce em uma gráfica da cidade natal e, finalmente, por dois anos como office-boy na Caixa Econômica Federal. Foi ainda na sua cidade que entrou em contato com grupos de apoio aos direitos humanos nas comunidades eclesiais de base da Igreja Católica. Após ser classificado em um teste, conseguiu vaga como interno da Fundação José Carvalho, em Pojuca, também na Bahia. Após dois anos, concluiu o segundo grau e mudou-se para Salvador.
Foi batizado Wyllys porque o pai era apaixonado pelo carro Aero Willys
Como estudante universitário, cursou comunicação social na Universidade Federal da Bahia e depois realizou mestrado em Letras, especializando-se em cultura brasileira e baiana. Para abrandar as saudades da família, levou sua irmã para a capital e ambos viveram juntos até Jean Wyllys participar do "Big Brother Brasil 5". Em 2001, lançou "Aflitos", seu primeiro livro de contos, pela Fundação Casa de Jorge Amado, e venceu o Prêmio Copene de Cultura e Arte. No mesmo ano seu pai morreu aos 57 anos de idade, vítima de alcoolismo.
Trabalhou ainda como repórter na Empresa Baiana de Jornalismo, publicou mais um livro e, em 2004, participou da criação do curso de pós-graduação em Jornalismo e Direitos Humanos da Universidade Jorge Amado, em Salvador.
Vida pós-BBB
Vencedor do programa global, tornou-se popular em todo o País e continuou a defender as causas sociais com as quais estava envolvido desde a juventude. No mesmo ano da vitória, Jean Wyllys escreveu um livro sobre a experiência no programa – "Ainda lembro", lançado pela editora Globo – com breves relatos sobre experiência pessoais, além de alguns contos de seu livro de estreia. Chegou a afirmar que sua entrada no programa seria para estudá-lo do ponto de vista etnológico e que a experiência serviria para uma futura tese de doutorado, ainda não realizada.
A participação no BBB provocou reações diversas entre colegas de programa e telespectadores. A vitória apertada sobre a modelo Grazielli Massafera, com 55% dos votos do público, revelou a controvérsia que suas posições suscitavam. Ele mesmo admitiu à época que a vitória não poderia ser atribuída apenas ao apoio que recebeu de grupos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais), mas de diversos setores da sociedade.
Imediatamente após a saída do programa, participou de eventos públicos contratuais e de um desfile de moda como substituto do ator Wagner Moura. Mas o horizonte político que despontava era mais atraente até que o prêmio de R$ 1 milhão conquistado na TV. Antonio Carlos Magalhães Neto, então candidato a prefeito de Salvador, notou o potencial do professor, ativista e astro pop instantâneo e tentou arrasta-lo para a fileira dos Democratas. Jean disse não com convicções sólidas e pulso firme. Duas características, não por acaso, que continuariam guiando sua vida política - e arrebanhando seguidores.