
Desde a noite de segunda-feira (23), Donald Trump e as lideranças iranianas e israelenses pareciam ensaiar uma quadrilha em homenagem a São João, o santo junino do dia seguinte.
“Olha o acordo!”, berrava o chefe da Casa Branca.
“É mentira!”, respondia o chanceler iraniano.
Pela manhã, tudo estava certo para a interrupção dos ataques.
Mas Israel acusou o inimigo de violar o cessar-fogo. E voltou ao ataque.
Antes do jantar (horário de Brasília), porém, todos pareciam dispostos a guardar as armas. Dessa vez vai?
Mais ou menos, já que se tratando do governo Netanyahu não existe (mesmo) um minuto de paz. O esforço agora é para retomar, agora com todo foco, o massacre em Gaza, no conflito que se estende desde 7 de outubro de 2023.
A “Guerra dos 12 dias” entre Israel(feat. EUA) e Irã deixou um rastro de destruição, muita apreensão e algumas perguntas a serem respondidas sob o devido distanciamento histórico.
O primeiro deles: por que Tel Aviv atacou Teerã? E por que agora?
Analistas são unânimes em dizer que Netanyahu se antecipou a um possível acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos.
Este acordo é importante para Trump, que posa como presidente do mundo, quer o Nobel da Paz(sim, a piada é essa) e atende parte de um eleitorado que grita “ America First ” desde a campanha de 2016. Ou seja: menos envolvimento em conflitos externos e mais atenção ao caos interno.
O acordo nuclear é uma jogada arriscada. Trump olha para uma questão externa agora para evitar um problema futuro. No caso, um inimigo com uma bomba no quintal.
Netanyahu tomou a dianteira, e por isso Trump parecia enfurecido com o aliado rebelde que por pouco não melou os esforços norte-americanos para colocar a faca na garganta de Khamenei.
O premiê israelense precisa da guerra como um paciente na UTI dependente de soro. É o fator de mobilização interna e a premissa para seguir onde está, sem risco de perder o mandato e ser julgado por crimes de guerra como um carniceiro comum, e não sob a proteção do cargo.
Não só.
Se o acordo Irã-EUA sair, ele ficará de mãos atadas (leia-se: não pode atacar o amigo do amigo) diante de um regime que vê como uma ameaça. A chance de derrubar o regime dos aiatolás, desprotegido militarmente e enfraquecido por questões internas, era agora.
Se não conseguiram o objetivo, os ataques a instalações estratégicas ajudaram a enfraquecer ainda mais o Irã. Ao menos sob o ponto de vista militar, contada pelas baixas na Guarda Revolucionária.
Mas o que Israel conseguiu mesmo foi uma reação externa que não ocorreu nem quando decidiu assassinar mulheres e crianças em Gaza há quase dois anos.
O mundo descobriu que a grande bomba iraniana era a possibilidade de fechar o estreito de Ormuz, por onde passam 20% da produção do petróleo mundial.
A ameaça colocou outras potências em campo e deixou o mundo à beira de um conflito mundial, como os que reconfiguraram as forças geopolíticas do século 20.
China e Rússia mandaram os brigões pararem a guerra.
E ela cessou.
Até quando, não sabemos.
Em entrevista ao portal UOL, o professor Najad Khoury, especialista em Oriente Médio, previu que não havia objetivo em curso que poderia ser alcançado por Israel ao longo da ofensiva.
Guerras são movidas pelo desejo de anexação de territórios. E Irã e Israel nem vizinhos são. Ainda assim, interessa, para Netanyahu, um governo aliado em Teerã. Mas a pressão à base de um novo choque do petróleo poderia ser um tiro no próprio pé. E não interessa nem aqui nem na China (literalmente).
Por isso Najad Khoury classificou o conflito de “destruição inútil”. De fato é.
Irã promete reconstruir o que foi alvejado. Mas sai do conflito retaliado.
Israel volta ao ponto de origem sem confiar nas intenções do aiatolá. E sem conseguir o que queria.
E os EUA seguirão dançando quadrilha a cada tuíte de Donald Trump, que antes mostram uma biruta desorientada do que um esforço legítimo pela paz. Nem a base conservadora norte-americana aguenta mais.
Quem diria que uma diplomacia orientada pelas redes sociais de um ex-apresentador boquirroto de TV colocaria tanta gente em risco. Pois é.
A velha ordem mundial, como anunciou Celso Amorim, acabou. O que ficou no lugar ainda não conhecemos.