Matheus Alexandre*
Grande parte do campo de esquerda analisa as dinâmicas políticas e sociais no Oriente Médio, atualmente, é marcada por uma perspectiva binária que divide o mundo entre “Sul global” = oprimidos e “Norte global” = opressores. Segundo essa leitura, judeus israelenses são retratados como brancos, integrados à cultura europeia ocidental, e oprimem um povo não-branco do Sul Global, os palestinos, através de um Estado igualmente caracterizado como branco e colonial: o Estado de Israel.
No entanto, essa visão simplista , além de falhar em capturar a complexidade das dinâmicas globais de poder, enfrenta sérios desafios para explicar situações como as que ocorrem na Síria, no Irã ou no Curdistão, onde povos do "Sul Global" e não-brancos também exercem opressão sobre outros grupos igualmente não-brancos e pertencentes ao Sul.
Além de ignorar as nuances internas de poder e identidade presentes nos próprios países e comunidades do Sul Global, essa perspectiva binária desconsidera a diversidade das origens judaicas, que incluem comunidades mizrahim e sefaradim provenientes do Oriente Médio e do Norte da África, hoje predominantes em Israel. Ao reduzir os judeus a uma categoria homogênea de "brancos colonizadores", apaga-se a complexidade que caracteriza Israel como um país profundamente enraizado no Oriente Médio, e não como um prolongamento da Europa ocidental.
Adicionalmente, essa visão ignora o fato de que mesmo os judeus da diáspora europeia nunca foram plenamente aceitos como parte da Europa pela estrutura de poder da branquitude ocidental. Na verdade, foram historicamente perseguidos pelo supremacismo branco europeu, que culminou no Holocausto. O sionismo, nesse contexto, emergiu como uma resposta nacional judaica a essa realidade.
Como, então, essa visão binária baseada na ideia de "colonialismo branco" consegue explicar a opressão enfrentada pelos curdos sob o Estado turco? Como ela explica a opressão sofrida por minorias étnicas no Sudão nas mãos de uma elite árabe? Ou ainda, as intervenções iranianas na Síria, no Líbano e no Iêmen?
A resposta é que ela não explica. Frente à inadequação dessas categorias, o discurso recorre à ideia de que são exclusivamente as intervenções europeias no passado as responsáveis por essas tensões, deslocando a responsabilidade das violências praticadas na região para a Europa, que teria, historicamente, criado as condições para esses conflitos. Esse tipo de pensamento, além de apagar e reduzir inúmeras variáveis, infantiliza e retira a agência dos próprios povos da região e suas diversas camadas históricas, inclusive, anteriores ao período colonial.
Esse raciocínio , por sua vez, leva a um silêncio, a uma indiferença e a um duplo padrão. Israel é tratado como a última expressão do colonialismo europeu na contemporaneidade, com todas as suas ações amplificadas em termos de horror. Enquanto isso, outros povos da região permanecem no lugar de vítimas eternas do colonialismo, mesmo quando são agentes de violência contra minorias locais, como o Estado turco ou a República Islâmica do Irã.
A dicotomia simplista que divide o mundo entre Sul e Norte Global desempenha, atualmente, um papel semelhante ao do campismo ideológico da Guerra Fria. Nesse contexto, qualquer movimento que resista à ordem internacional liderada pelos Estados Unidos tende a ser automaticamente percebido de forma positiva.
Essa perspectiva, no entanto, simplifica dinâmicas complexas, como os conflitos no Oriente Médio, e assume um papel regressivo. Em vez de promover solidariedade e direitos humanos universais, ela legitima opressões locais contra minorias étnicas e religiosas, que não apenas são silenciadas, mas, em alguns casos, chegam a ser retratadas como “agentes do imperialismo” destinados a desestabilizar o Sul Global.
Os progressistas enriqueceriam significativamente suas análises ao se libertarem dessas categorias simplistas.
* Matheus Alexandre é professor, doutorando em Sociologia e pesquisador especializado em antissemitismo contemporâneo no Brasil