O que está acontecendo na Síria? Entenda os antecedentes e principais pontos do conflito

Apesar da escalada relâmpago que culminou na queda do regime neste fim de semana, o conflito se iniciou há mais de 10 anos no país

Moradores queimam foto do presidente sírio Bashar al-Assad em Hama, após a tomada da cidade pelos rebeldes, em 5 de dezembro de 2024
Foto: Rami al SAYED/AFP
Moradores queimam foto do presidente sírio Bashar al-Assad em Hama, após a tomada da cidade pelos rebeldes, em 5 de dezembro de 2024

Grupos rebeldes liderados por extremistas islâmicos  derrubaram o governo do ditador Bashar al-Assad na Síria neste domingo (8). Apesar da escalada relâmpago que culminou na queda do regime neste fim de semana, o conflito se estende há mais de 10 anos no país.

Entenda, a seguir, o contexto da guerra civil na Síria e o desenrolar dos fatos até a tomada de Damasco por rebeldes e a fuga do presidente.

Guerra civil

A Síria vive em guerra civil desde 2011, como resultado de protestos populares contra o governo de Bashar al-Assad. Ele é filho do homem que instaurou a ditadura no país há mais de 50 anos, Hafez al-Assad.

Inspiradas pela Primavera Árabe, as manifestações pacíficas pediam por reformas democráticas, liberdade civil e direitos humanos básicos. O governo respondeu aos protestos com violência, com a repressão de manifestantes e a prisão de opositores.

Com isso, o cenário no país se tornou cada vez mais tenso e violento, impulsionando a formação dos grupos de rebeldes e da oposição ao governo - entre eles o Hayat Tahrir al-Sham (HTS), liderado por Abu Mohammed al-Golani, que desempenha papel central nos últimos acontecimentos.

O conflito se intensificou com a entrada de outros atores regionais extremistas, como o Estado Islâmico e o Hezbollah, e a intervenção de potências mundiais, como os Estados Unidos, a Rússia, o Irã e a Arábia Saudita.

A Rússia se aliou ao governo de Bashar al-Assad para combater o Estado Islâmico e os rebeldes, enquanto os Estados Unidos lideraram uma coalizão internacional para combater o grupo terrorista.

Síria arruinada

Em 50 anos de regime Assad, com os últimos dez tomados pelo conflito armado, a Síria viu sua infraestrutura ruir: hospitais, escolas, e centros comunitários foram destruídos, bem como a segurança, o lazer e a qualidade de vida da maior parte da população. Estima-se que mais de 500 mil pessoas foram mortas nesse meio século.

Em 2021, a Missão de Investigação das Nações Unidas (ONU) para a Síria publicou o relatório "sobre dez anos de crimes de guerra" no país, praticados por todos os envolvidos no conflito, com a ajuda da "negligência internacional". 

Segundo o documento, desde março de 2011, a população civil sofreu abusos que em alguns casos constituem "crimes de guerra, contra a humanidade e outros delitos internacionais, incluindo o genocídio". A guerra catalisou a extrema pobreza no país, que na época atingia seis em cada dez cidadãos sírios.

"As crianças, mulheres e homens da Síria pagaram o preço imposto por um regime autoritário que atuou violentamente para neutralizar a dissidência, enquanto o oportunismo de alguns atores estrangeiros, por meio do financiamento, de armas e outras `influências` avivou um fogo que o mundo se limitou a ver", afirmou o presidente da missão, o brasileiro Paulo Pinheiro.

Fortalecimento da oposição

À medida que as forças de Assad rechaçavam o movimento pró-democracia, uma oposição armada se estabeleceu de forma descentralizada, composta por pequenas milícias orgânicas e alguns desertores do exército sírio movidos por diferentes ideologias, mas com o objetivo comum: derrubar o seu regime.

A Síria viveu anos de embates entre o exército e os rebeldes, que tentavam tomar o controle de diferentes locais do país. Foi só no ano de 2020 que a situação se controlou, quando a Rússia e a Turquia concordaram com um cessar-fogo em Idlib, a última província controlada pela oposição.

Desde então, o conflito na Síria não teve grandes novidades, e foi ofuscado com o avanço da guerra na Ucrânia e com o conflito entre Israel e Hamas, na Faixa de Gaza, que concentraram as atenções das principais forças envolvidas na guerra síria, a Rússia e Estados Unidos.

Entretanto, o movimento deste fim de semana mostra que a oposição usou esse tempo para se fortalecer, como foi observado nas cidades de Aleppo e Homs, as primeiras tomadas por rebeldes anti-governo.

Conflito volta a ativa na Síria

O conflito na Síria voltou a chamar a atenção das autoridades na semana passada, quando os rebeldes criaram uma nova coalizão chamada “Comando de Operações Militares”, compostas por grupos como Exército Nacional Sírio (SNA) e Hayat Tahrir al Sham (HTS).

Liderados pelos islamistas do HTS, uma facção derivada do antigo braço sírio da Al Qaeda, os rebeldes lutaram contra as forças de Assad em duas frentes: o norte e o sul. Além de tomarem Aleppo no norte, Hama no centro e Deir al-Zor no leste, os rebeldes capturaram o sul de Quneitra, Daraa e Suweida.

A coalizão rebelde chegou às imediações de Homs, localizada a 150 quilômetros da Damasco. O objetivo era chegar a capital, o que seria a “fase final” do plano.

Tomada da capital

No domingo (8), a aliança rebelde síria liderada por grupos islamistas anunciou o controle de Damasco em uma ofensiva relâmpago e a queda do regime de Bashar al-Assad, que fugiu para Moscou com a família.

A decisão da Rússia de conceder asilo político ao ex-ditador da Síria Bashar al-Assad e à família dele foi tomada pessoalmente pelo presidente Vladimir Putin, conforme informado pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

Os rebeldes anunciaram a queda do regime Assad pela televisão estatal, quando interromperam a programação regular e circularam imagens do Palácio Presidencial saqueado, simbolizando o fim de uma era na política síria.

Dezenas de pessoas saíram às ruas de Damasco para celebrar a queda do regime. Várias pessoas pisotearam uma estátua de Hafez al-Assad , pai de Bashar.

Celebrações em Damasco após anúncio da fuga do presidente Bashar al-Assad, em 8 de dezembro de 2024
Foto: LOUAI BESHARA
Celebrações em Damasco após anúncio da fuga do presidente Bashar al-Assad, em 8 de dezembro de 2024

Além disso, os rebeldes libertaram presos políticos que estavam em celas superlotadas e escondidas. Um relatório de 2023 do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) apontou “padrões generalizados e sistemáticos de tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante” em centros de detenção do regime sírio.

Repercussão internacional

O Brasil ainda não se manifestou oficialmente sobre o conflito na Síria. Entretanto, os servidores da embaixada do país em Damasco foram evacuados na manhã desta segunda (9),  em uma operação conjunta com corpos diplomáticos de outros países da Europa.

O governo dos Estados Unidos acompanha de perto a situação na Síria. Segundo fontes da Casa Branca, a intenção é observar se as declarações feitas pelos líderes rebeldes “serão traduzidas em ações”, uma vez que acreditam que grupo rebelde HTS mantém fortes laços com Estado Islâmico, antigo inimigo dos norte-americanos.

A HTS foi designada como Organização Terrorista Estrangeira pelos Estados Unidos, pela Turquia, pelas Nações Unidas e por várias outras nações ocidentais.

No domingo, o governo de Israel anunciou a chegada de forças militares na zona tampão monitorada pela ONU na fronteira com a Síria, nas Colinas de Golã. É a primeira vez, desde 1974, que Israel envia tropas para essa área desmilitarizada.

A Rússia, por sua vez, solicitou ao Conselho de Segurança da ONU uma reunião privada para discutir a queda do regime de Assad na Síria.

Após o anúncio da derrubada do governo no domingo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que a Europa ajudará a reconstruir uma Síria que seja segura para todos.

O Irã disse que respeitará a “unidade, soberania nacional e integridade territorial” da Síria.