Neste domingo (22) a população da Argentina irá às urnas para definir quem comandará o país em uma eleição presidencial envolta em muitas expectativas e tão polarizada quanto incerta, em meio a um cenário de grande insatisfação popular com a economia.
No primeiro turno, concorrem à sucessão de Alberto Fernández na Casa Rosada o atual ministro da Economia, Sergio Massa; a ex-ministra da Segurança da Argentina e líder da coalizão política Juntos por el Cambio, Patricia Bullrich; e o músico, ex-jogador de futebol e deputado “anarcocapitalista”, Javier Milei.
Em meio a um cenário político tão conturbado e repleto de incertezas sobre o futuro de um dos principais países da América do Sul, o resultado deste primeiro turno é aguardado com ansiedade tanto pela população da Argentina quanto pela comunidade internacional, que tenta entender qual será o rumo político e econômico do país nos próximos anos.
Para Leandro Consentino, professor do Insper, PhD e Md em Ciência Política (USP), uma eventual vitória de Javier Milei, candidato de extrema-direita identificado com figuras como os ex-presidentes Donald Trump (EUA) e Jair Bolsonaro (Brasil), representaria “um momento importante de ruptura da política Argentina observada até então”.
“A gente tem uma crise política grave na Argentina, mas economicamente ela é ainda pior. Isso está gerando uma insatisfação popular muito grande, que é o caldo de cultura perfeito para emergência desse tipo de liderança populista, mais demagógica como Milei”, explicou o professor.
Para Leandro, o cenário político da Argentina lembra muito a época em que o PT e o PSDB eram os atores políticos de maior destaque no Brasil, até que surgiu uma vertente política de direita mais radicalizada, representada por Bolsonaro.
“Do ponto de vista político, [Milei] me parece alguém que está a fim de contestar as instituições postas. Se a gente espelhar o que aconteceu aqui no Brasil em 2018 com a vitória de Bolsonaro, a gente percebe que muito do que era uma narrativa política combativa, acabou se adaptando às características políticas do nosso sistema”, disse o professor.
Economicamente falando, Leandro enxerga numa possível eleição de Milei um indício de agravamento iminente da grave crise que a Argentina está atravessando.
“Por um lado, haveria uma expectativa importante do mercado com uma mudança de rumos, mas se continuar insistindo em teses muito ‘fora da casinha’, do padrão normal de enfrentamento de crises econômicas, acho que a gente corre o risco de ter um estremecimento maior no mercado e uma piora antes de melhorar o cenário econômico argentino.”
Além disso, Leandro salienta que uma eventual vitória eleitoral de Javier Milei confirmaria uma tendência de radicalização política extemporânea, que vem se enfraquecendo mas ainda pode - ou não - se fortalecer nos próximos anos.
Já Sergio Massa, na visão de Leandro Consentino, representa “a continuidade de um campo desgastado.
“Ele não é um peronista clássico, é mais ‘light’, mais parecido com o nosso atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no sentido de ser adepto à esquerda, mas não espelhar todas as suas teses - sobretudo as mais tradicionais. Massa é uma tentativa de continuar seguindo nos marcos atuais, mas fazendo uma correção de rumos importante para não ter um aprofundamento da crise atual. Acho que se o Massa ganhar, ele talvez tente um itinerário parecido com Haddad e o que foi o Joaquim Levy no governo Dilma”, disse o professor.
Leandro salienta que um grande desafio de Massa, caso eleito, será a falta de apoio popular massivo.
“Uma vitória, sem dúvida, traria uma legitimidade importante. Agora, acho que o Massa tem uma dificuldade inerente por ser o representante da economia num momento em que a economia vai muito mal. Esse é o grande calcanhar de aquiles dele: ele representa exatamente o problema que a gente verifica. O suspeito mais óbvio é quem comanda a economia, então esse cansaço seria automaticamente transferido a ele e a legitimidade que a vitória eventualmente lhe dê pode se esgotar muito rápido por conta disso”.
No que diz respeito a Patricia Bullrich, a candidata tem um perfil liberal “clássico” e tem dificuldades na corrida eleitoral por ter ficado “no meio” da polarização entre o extremismo de Milei e a esquerda peronista.
“É remota a possibilidade dela se eleger, não só pelas pesquisas, mas porque ela está ‘sanduichada’ numa polarização como a que a gente verificou aqui no Brasil. Ela é de um perfil liberal mais clássico, que está colocado entre os peronistas mais à esquerda, e o campo da direita que foi dominado pelo Milei”, disse Leandro Consentino.
Leandro também aponta que na hipótese da formação de um novo governo, Bullrich enfrentará “o mesmo problema que o PSDB enfrentou aqui no Brasil: se posicionar mais à esquerda contra os excessos do Milei, ou se alinhar ao Milei contra o peronismo, que é o adversário clássico dos liberais, o que teria o custo de se aliar a alguém mais radical”.