Um pedido das Forças Armadas brasileiras para comprar mais de 200 mísseis antitanque portáteis Javelin, um dos modelos mais avançados do planeta, está barrado há meses em Washington.
O motivo para a obstrução, segundo uma reportagem da agência Reuters, são preocupações de parlamentares americanos com o presidente Jair Bolsonaro e seus infundados ataques à lisura do sistema eleitoral brasileiro.
A compra, que pode chegar a até US$ 100 milhões, foi originalmente solicitada quando o ex-presidente Donald Trump, aliado de Bolsonaro, ainda estava na Casa Branca.
Já sob o comando de Biden, o Departamento de Estado americano deu seu aval para a venda no fim de 2021, afirmaram duas fontes à agência, apesar de objeções de alguns funcionários de escalões secundários da pasta responsável pela diplomacia dos Estados Unidos.
Contudo, o negócio sigiloso, que não havia sido noticiado até então, está no limbo. À Reuters, uma fonte disse que está sendo travado por parlamentares democratas no Congresso e “não vai a lugar nenhum a curto prazo” devido à desconfiança no presidente brasileiro — um sinal do isolamento que pode acontecer se Bolsonaro seguir a cartilha trumpista de tentar reverter uma derrota eleitoral e for bem-sucedido onde o republicano fracassou.
Também há preocupações, diz a Reuters, com o papel das Forças Armadas no pós-eleição após Bolsonaro dizer que os “militares estão do nosso lado” e que podem fazer o país "rumar para normalidade". O desmatamento da Amazônia, que vem batendo recorde nos últimos anos, é outro ponto de tensão.
O Gabinete presidencial brasileiro e o Ministério da Defesa não responderam aos pedidos de comentário da agência de notícias. O Departamento de Estado dos EUA também permanece em silêncio.
Mísseis Javelin
Capaz de destruir veículos de guerra a quilômetros de distância, o Javelin ganhou fama internacional na guerra da Ucrânia, mas é usado desde meados dos anos 1990. Fabricados pelas gigantes bélicas Lockheed Martin e Raytheon, ele pesa mais de 15 kg e permite ataques diretos (posição horizontal) ou superiores contra tanques.
Com alcance que varia de 65 metros a 4 km de distância, é considerado uma arma perigosa porque consegue atingir até helicópteros voando em baixa altitude. O treinamento para uso é mínimo e é uma arma difícil de ser detectada por radares, por conta do tamanho e mobilidade.
À Reuters, fontes no governo americano questionaram qual seria a utilidade do armamento para as Forças Armadas brasileiras, cujo trabalho principal é a segurança das fronteiras e missões de paz internacionais. Um dos entrevistados chegou a dizer que o país “não precisa” dos equipamentos.
O pedido de Brasília veio em um momento de aproximação: em 2019, Trump designou o Brasil como um aliado extra-Otan, dando mais acesso às armas americanas. De acordo com a reportagem da Reuters, o pedido recebeu aval preliminar no Departamento de Estado de Biden sem discussões mais profundas, e ignorando preocupações diplomáticas com Bolsonaro.
As hesitações, afirma a matéria, “não são compartilhadas por oficiais do Departamento de Defesa ou pelo comando do (Departamento) de Estado. Para estes grupos, a prioridade é nutrir as relações com o Brasil, um aliado militar-chave nas Américas.
Em uma visita à Brasília no mês passado, onde esteve para uma cúpula regional, o secretário da Defesa americano, Lloyd Austin, disse que os EUA esperam eleições brasileiras “limpas e justas” como são desde a redemocratização. Recado similar havia sido dado pelo conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, durante uma visita no ano passado.
Mais obstáculos
O Departamento de Estado, contudo, enviou a solicitação para uma análise “informal” nas Comissões de Relações Internacionais da Câmara e do Senado, controladas respectivamente pelos democratas Bob Menendez e Gregory Meeks. Ambos são críticos vocais de Bolsonaro.
Após a invasão do Capitólio americano por turbas pró-Trump em 6 de janeiro, Menendez pediu que Bolsonaro condenasse o ataque, sob pena de prejudicar o relacionamento bilateral. Meeks, por sua vez, disse pouco após sua posse na comissão que queria pressionar “os Bolsonaros do mundo”.
A dupla vem enchendo o Departamento de Estado de perguntas, segundo a Reuters, que vão do comprometimento do presidente brasileiro com os direitos humanos à necessidade das armas. O Departamento de Estado reconheceu que as armas não ajudariam Brasília com algum objetivo específico, mas afirma que o governo brasileiro tem o direito legítimo de modernizar seu arsenal e que o volume requisitado é adequado.
O objetivo parece ser bloquear a transação até ao menos o resultado das eleições presidenciais de outubro, e não há qualquer indício de que os republicanos mais importantes da comissão tenham objeções à postura.
Mesmo que a compra siga em frente, contudo, será necessária uma análise completa do Congresso, cujo resultado não deve ser garantido. O senador Tim Kaine, presidente da subcomissão para o Hemisfério Ocidental, disse à Reuters que gostaria de examinar de perto o caso, e que vender armas para o Brasil “não é algo que eu acharia imediatamente que é algo que devemos fazer”.
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