Os líderes da Rússia, Vladimir Putin , e da Turquia, Recep Tayyip Erdogan , se encontraram nesta sexta-feira em Sochi com uma extensa pauta, mas sem anunciarem acordos oficiais. O líder turco chegou ao balneário no Mar Negro com a expectativa de obter compromissos por parte de Moscou sobre a Síria , onde planeja uma grande operação militar, e sobre a Ucrânia, onde Ancara deseja ter um maior papel na mediação entre russos e ucranianos.
Na visão de Erdogan, o papel de Ancara no acordo para liberar alguns portos ucranianos para as exportações de alimentos, algo que não acontecia desde o começo da guerra, deu aos turcos legitimidade para negociarem novos acertos no futuro.
Pelo acordo, firmado no dia 22 de julho, russos e ucranianos se comprometeram com a criação de corredores seguros no Mar Negro para a passagem de embarcações carregadas com grãos e outros alimentos, permitindo que sejam enviados para dezenas de países.
O bloqueio naval era apontado pela ONU como uma séria ameaça à segurança alimentar de milhões de pessoas, e é um dos fatores ligados à alta global da inflação. Além disso, o texto garante que não haverá obstáculos às exportações de alimentos russos — Moscou afirma que as sanções impostas ao setor financeiro inviabilizam o pagamento pelos produtos.
No comunicado conjunto, Erdogan e Putin enfatizaram a necessidade de garantir que o plano seja implementado sem sobressaltos, mas sem mencionar um papel maior de Ancara no ainda inexistente processo de paz.
“Os líderes reconheceram o importante papel das relações construtivas entre os dois países na conclusão de uma iniciativa sobre a exportação segura de grãos dos portos ucranianos”, diz o texto, apontando ainda para a necessidade da “exportação desimpedida de grãos russos, fertilizantes e matérias-primas”.
Horas antes da reunião, três embarcações zarparam de portos ucranianos, rumo a Irlanda, Inglaterra e Turquia.
"Nosso principal objetivo é aumentar o volume de embarques em nossos portos. Temos que processar 100 embarques por mês para exportar a quantidade necessária de produtos alimentícios", declarou o ministro da Infraestrutura da Ucrânia, Oleksandr Kubrakov.
Relação complexa
Integrante da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA que é o pilar central de apoio à Ucrânia na guerra, a Turquia adota uma postura dúbia no conflito. Alguns dos drones usados por Kiev para conter a invasão, os Bayraktar TB-2, são fabricados por uma empresa turca, e provocaram estragos nas tropas russas.
Ao mesmo tempo, Ancara não adotou sanções contra a Rússia, como fizeram seus aliados ocidentais, e manteve laços econômicos com Moscou, especialmente no setor de energia, importando grandes quantidades de petróleo e gás natural — em um dos poucos anúncios práticos, a Turquia confirmou que pagará parte dos envios de gás em rublos, como quer Moscou. Os dois lados ainda trabalham na construção da usina nuclear de Akkuyu, na costa do Mediterrâneo, que gerou alguns bilhões de dólares aos cofres russos, através de uma subsidiária da estatal Rosatom.
No momento em que a economia turca enfrenta sérios problemas econômicos, com a inflação beirando os 80% ao ano, Erdogan vê o fim da guerra como uma oportunidade para impulsionar a atividade local, em especial no setor de exportações e do turismo, que depende muito do dinheiro dos quase cinco milhões de russos que visitam anualmente o país. Segundo especialistas, esse é um fator que impulsiona seu governo a tomar um papel mais ativo nas discussões.
Erdogan também foi a Sochi em busca de um acerto sobre a Síria, talvez o principal ponto de atrito entre Moscou e Ancara. O líder turco quer o aval de Putin a uma nova operação militar em áreas controladas por milícias curdas no Norte do país árabe, alegando que essas forças são “organizações terroristas”.
Pelos planos, ele vai estabelecer uma “zona de segurança”, avançando por 30 km em território sírio, mas que vai deixar os turcos a uma distância considerada perigosa das forças russas e iranianas, que apoiam o presidente Bashar al-Assad, rival da Turquia e que é contra a incursão.
Nesta sexta, assim como em um encontro trilateral entre Rússia, Irã e Turquia, em Teerã, no mês passado, Erdogan não obteve um aval explícito à “operação especial”: no documentos final, os dois líderes ressaltaram a necessidade de atuar de forma coordenada no combate ao terrorismo, mas respeitando a soberania da Síria.
Mesmo assim, especialistas apontam que as circunstâncias hoje parecem favoráveis ao líder turco. Em entrevista à Bloomberg, Alexey Malashenko, especialista do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais, em Moscou, afirma que a Turquia hoje é um dos principais caminhos para a Rússia amenizar os impactos das sanções internacionais, e que Putin teria muito a perder se ficar no caminho de Ancara.
— Com informações de agências internacionais.
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