Juiz dos EUA ironiza críticas à decisão que derrubou direito ao aborto

Para o conservador Samuel Alito, comentários de líderes estrangeiros sinalizam uma 'crescente hostilidade à religião'

Juiz dos EUA ironiza críticas à decisão que derrubou direito ao aborto
Foto: Reprodução
Juiz dos EUA ironiza críticas à decisão que derrubou direito ao aborto

O juiz da Suprema Corte dos EUA Samuel Alito, de vi´és conservador, ironizou críticas feitas por lideranças internacionais à decisão do tribunal de derrubar o  direito constitucional ao aborto, anunciada no final de junho.

As declarações foram feitas em Roma, no dia 21 de julho, em um evento sobre liberdade religiosa, promovido pela Universidade Notre Dame — o vídeo só foi revelado na quinta-feira, no site da instituição. Alito, que foi autor de um rascunho que antecedeu a derrubada do direito ao aborto, defendeu sua decisão, e partiu para o ataque contra as críticas vindas do exterior.

"Tive a honra de escrever, acho, a única decisão da Suprema Corte na História da instituição que foi atacada por uma série de líderes estrangeiros que se sentiram perfeitamente confortáveis para criticar as leis americanas", disse Alito. "Um desses foi o ex-primeiro-ministro [britânico] Boris Johnson, mas ele pagou o preço".

Boris anunciou sua renúncia no dia 7 de julho, depois de perder o apoio de seu partido em meio a uma série de polêmicas. Ao mencionar a decisão da Suprema Corte americana, afirmou que se tratava de um “grande passo para trás”.

Declarações do tipo são relativamente raras entre os juízes da Suprema Corte, que normalmente evitam se envolver em debates políticos, e chamou a atenção a forma como se referiu a líderes de países aliados dos EUA, como Emmanuel Macron, da França, Justin Trudeau, do Canadá, e até ao príncipe Harry — em discurso na ONU, no dia 18 de julho, Harry afirmou que esse estava sendo um “ano doloroso”, e mencionou um “retrocesso nos direitos constitucionais” nos EUA.

"O que realmente me doeu foi quando o Duque de Sussex [título real de Harry] falou na ONU e pareceu comparar a decisão cujo nome não pode ser dito ao ataque russo na Ucrânia", disse Alito, se referindo à decisão sobre o aborto.

Indicado por George W. Bush em 2006, Samuel Alito é uma das vozes mais duras da chamada ala conservadora da Suprema Corte dos EUA. Em maio, ele foi o autor de um rascunho vazado pelo tribunal apontando que havia maioria para derrubar a jurisprudência estabelecida pelo caso conhecido como Roe vs. Wade, que abriu caminho para o reconhecimento do direito constitucional ao aborto.

Na ocasião, o magistrado foi criticado não apenas por desconsiderar um direito consolidado desde os anos 1970, mas também por adotar visões que, segundo analistas, poderiam levar à derrubada de outros direitos, como sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o acesso a métodos contraceptivos.

Recentemente, apoiou decisões igualmente controversas na Corte, como sobre o direito de professores em escolas públicas realizarem orações em público, e sobre o direito dos pais a usarem verbas públicas em ações de educação ligadas a atividades religiosas.

Durante a exposição de cerca de meia hora em Roma, Alito, um fervoroso católico, disse que o declínio da fé no Ocidente levou a uma maior discriminação de pessoas religiosas.

"O problema aqui não é só a indiferença à religião, não é só ignorância em relação à religião", disse Alito. "Há uma crescente hostilidade em relação à religião, ou ao menos às crenças religiosas tradicionais, contrárias ao novo código moral que está em alta em determinados setores".

Ele repetiu uma alegação comum entre conservadores, afirmando que existe uma perseguição contra os cristãos, e declarou que a liberdade religiosa “promove a tranquilidade doméstica”.

As palavras de Alito vêm em um dos piores momentos da Suprema Corte junto ao público americano em décadas: segundo pesquisa Gallup, divulgada há cerca de um mês, apenas 25% dos entrevistados dizem confiar na Corte, contra 36% em 2021. Sondagens semelhantes apontam que a população deseja reformas no tribunal, incluindo limites aos mandatos dos juízes, hoje vitalícios.

Uma outra pesquisa, do Centro de Pesquisas Pew, também de junho, mostra que 61% dos americanos são favoráveis ao direito ao aborto em todos ou em determinados casos.

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