'Não tenho certeza se estou são': em entrevista, Zelensky critica Otan

Presidente ucraniano disse ao Fantástico que seu país deveria ter recebido o mesmo tratamento de Finlândia e Suécia, que estão em processo de adesão à aliança

Zelensky em Bucha, na Ucrânia
Foto: Reprodução: Twitter - 04.04.2022
Zelensky em Bucha, na Ucrânia

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky revelou, em entrevista, detalhes sobre a sua vida em família em meio a quase cinco meses de guerra com a Rússia, e atacou a Otan, afirmando que seu país merecia ter tido a candidatura à aliança levada mais a sério. As declarações foram dadas à correspondente da TV Globo em Washington, Raquel Krähenbühl, e exibidas na noite deste domingo no Fantástico. Essa foi a primeira entrevista do presidente a um veículo da América Latina desde o começo do conflito.

Logo na abertura da conversa, Zelensky foi sincero ao falar sobre como estava sendo seu dia — ele dispensou a tradução simultânea e respondeu em inglês.

"Estamos em uma guerra e temos de ser fortes: para mim, os últimos 5 meses têm sido assim, como um dia só", declarou o presidente. "Não tenho certeza se estou são. Verdadeiramente são."

Zelensky permaneceu na capital ucraniana desde o início do conflito, no dia 24 de fevereiro, embora reconheça ser necessário mudar de local de trabalho com alguma frequência. Logo nos primeiros dias da guerra, quando a Rússia atacou ferozmente a capital ucraniana, chegou a gravar vídeos nos arredores do palácio presidencial, em uma espécie de desafio às forças invasoras.

Com a mudança de estratégia russa, em meados de março, a capital passou a ser alvo de ataques esporádicos, e apesar da situação ainda ser tensa, muitos de seus moradores voltaram para suas casas (ou o que restou delas), e líderes estrangeiros visitaram a cidade em demonstrações de apoio.

Além dele, sua família permanece no país, embora não esteja mais no palácio presidencial — assim como o presidente, eles são obrigados a mudar de residência com alguma frequência.

"Minha família está como todas na Ucrânia. Eles estão próximos e há alguns momentos doces com meus filhos. Eles são fortes, muito fortes. Eles vivem na Ucrânia, amam a Ucrânia e, é claro que sentem medo, como todas as crianças. Mas eu acho que eles sabem que o que estamos fazendo é muito importante para mim", afirmou.

Na semana passada, a primeira-dama, Olena Zelenska, visitou os EUA, onde se reuniu com o presidente americano Joe Biden e discursou no Congresso. Para Zelensky, foi uma viagem importante para garantir que o país siga sendo ouvido no exterior.

"As pessoas estão cansadas, e isso é compreensível, cada país tem suas questões, eu entendo. Mas é essencial saber que existe um país chamado Ucrânia que está brigando pela sua liberdade e seus princípios", declarou.

Zelensky não escondeu uma certa decepção com a Otan, a principal aliança militar do Ocidente. Para ele, a organização liderada pelos EUA deveria ter feito mais por seu país, e levado mais a sério os planos para sua adesão.

"Eu lamento que a Otan não tenha nos ouvido. A Otan deveria ter nos defendido, deveria ter nos tratado do mesmo jeito que trata a Suécia e a Finlândia", declarou, se referindo aos dois países que estão em processo de adesão.

Ele revelou ainda sua frustração com o comportamento dos líderes europeus antes do começo da guerra — na entrevista, sugeriu que a Rússia enganou a todos ao afirmar que não invadiria seu país.

"Eu venho tentando há 3 anos, através da diplomacia, encontrar uma maneira de negociar e chegar a um entendimento com a Federação Russa. Com ajuda de dezenas de líderes da Europa e do mundo, eu propus diversos encontros com o presidente [Vladimir] Putin, para encontrar soluções para essa questão", afirmou. "Um dia, depois de convencerem todos os líderes europeus que eles [Rússia] nunca iriam invadir a Ucrânia, simplesmente fizeram isso. Eu acho que a Rússia vai se arrepender depois, historicamente, sobre tudo o que eles fizeram conosco. E ninguém vai perdoá-los."

Zelensky reconheceu que, mesmo diante da ameaça iminente de invasão, quando a Rússia posicionou mais de 100 mil militares na fronteira, buscou acalmar a população e minimizar o risco de uma guerra

"Não tem como se preparar para este tipo de coisa. Entendem? Não tem como ficar pronto para as ameaças de um país que tem armas nucleares. Todo mundo fala: "sim, ela [Rússia] só ameaça". Será que vocês imaginariam que algum Estado nuclear poderia começar a atirar em civis na Ucrânia?", declarou.

Ao ser questionado sobre uma reunião com o líder russo, Vladimir Putin, disse que não aceitará ultimatos ou ideias que, em sua visão, limitem a liberdade dos ucranianos e a autonomia do país.

"Para mim tanto faz quem estiver do outro lado, tanto faz quem é o líder lá, o importante é que exista a vontade de parar com a guerra, e de matar as pessoas por parte deles", declarou.

Ele também não quis estimar quanto tempo vai durar a guerra.

"Se dependesse somente de nós, eu poderia te dizer que nós terminaríamos amanhã. Mas isso depende de muitas coisas e parcialmente de vocês também. Isso depende da Europa, do mundo, da América Latina, com quem nós estamos contando também em que ela não vai ficar de lado", afirmou Zelensky.

Na semana passada, em um outro trecho da entrevista, exibido pelo Jornal Nacional, Zelensky criticou a postura de neutralidade do governo brasileiro, e afirmou que Jair Bolsonaro age como os líderes ocidentais que ficaram em cima do muro no início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e acabaram, na opinião dele, por facilitar o avanço dos nazistas sobre o continente.

" Eu não apoio a posição de neutralidade dele ", afirmou, em referência a Bolsonaro. "Não acredito que alguém possa se manter neutro quando há uma guerra no mundo."

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