Kremlin quer derrubar governo da Ucrânia, diz chanceler russo

Declaração foi feita por Sergei Lavrov durante participação na cúpula da Liga Árabe, exatos cinco meses após início da invasão

Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia
Foto: Ministério do Exterior da Rússia
Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia

A Rússia admitiu explicitamente, pela primeira vez, que um de seus objetivos com a invasão na Ucrânia é tirar o presidente Volodymyr Zelensky do poder em Kiev. A afirmação foi feita no domingo pelo chanceler do Kremlin, Sergei Lavrov, durante uma cúpula da Liga Árabe, em Cairo, exatos cinco meses após a guerra eclodir, em 24 de fevereiro.

"Russos e ucranianos vão continuar a viver juntos, e nós com certeza vamos ajudar o povo ucraniano a se livrar deste regime que é absolutamente antipopular e anti-histórico", disse Lavrov, no Egito, dizendo ainda que Moscou irá ajudar o país vizinho a se "livrar do fardo deste regime absolutamente inaceitável".

Desde o início da guerra, a Rússia é propositalmente ambígua sobre quais são os objetivos de sua campanha militar, alegando, inicialmente, buscar a “desmilitarização” e “desnazificação” da Ucrânia — este último item era em geral entendido como uma troca de poder em Kiev. O próprio presidente Vladimir Putin, por exemplo, chegou a se referir à alta cúpula de Kiev como uma "gangue de viciados em drogas e neonazistas".

Moscou, no entanto, ainda não havia defendido abertamente a remoção de Zelensky, mesmo que suas ações também indicassem que este era o objetivo. O plano inicial de Putin, no início da guerra, foi cercar grandes cidades como Kharkiv e a própria capital, Kiev — tentando assim derrubar o governo ucraniano. A resistência, contudo, foi grande, e Moscou foi forçada a recalcular sua estratégia.

De março até o início deste mês, os combates se concentraram no Leste da Ucrânia, onde forças separatistas pró-Moscou já ocupavam parte do território desde 2014, esforços que permitiram ao Kremlin tomar todo o território de Luhansk. Se conseguirem tomar também o vizinho Donestk, terão o controle de toda a bacia do Donbass.

As declarações de Lavrov desta terça coincidem com um momento em que os combates têm três frentes: a Rússia tenta consolidar e expandir seus avanços enquanto busca conter a crescente resistência ucraniana, reforçada por armas ocidentais. Segundo o chanceler, Moscou estava pronta para negociar um cessar-fogo em março, culpando Kiev pelo fracasso nas negociações, suspensas em abril, e culpando o Ocidente por incitar os ucranianos:

"O Ocidente insiste que a Ucrânia não deve começar negociações até que a Rússia seja derrotada no campo de batalha", disse Lavrov, que acusou os "aliados ocidentais" de promoverem propaganda para garantir que a "Ucrânia seja a inimiga eterna da Rússia".

A visita de Lavrov ao Cairo, por sua vez, foi mais uma demonstração de Moscou de que o país não está isolado diplomaticamente, como querem nações como os EUA e a União Europeia. Na semana passada, o presidente Vladimir Putin esteve em Teerã, onde se encontrou com lideranças locais, como o presidente Ebrahim Raisi e o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, e com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.

A viagem do chanceler, que também inclui Uganda, Etiópia e Congo, tem essencialmente o objetivo de atrair as nações africanas do lado russo. Em um artigo publicado em quatro jornais africanos, ele elogiou o que descreveu como um "caminho independente" adotado pelos países africanos em rejeitar aderir às sanções ocidentais contra a Rússia e as "indisfarçadas tentativas dos EUA e de seus satélites europeus de ganhar vantagem e impor uma ordem mundial unipolar”.

No Cairo, Lavrov encontrou uma plateia afável: ali, nenhum governo condenou publicamente a guerra na Ucrânia, e eles evitam fazer críticas abertas a Moscou, apontando para os longevos laços políticos e, especialmente, econômicos: no caso dos grãos, a Rússia é o principal fornecedor para boa parte das nações árabes.

Embasamento para alegações

A insistência do Kremlin de que Kiev é liderada por neonazistas — apesar do próprio Zelensky ser judeu — tem origens históricas, datando da invasão da Ucrânia por forças alemãs durante a Segunda Guerra Mundial. À época, alguns nacionalistas apoiaram as forças de Adolf Hitler, fosse por simpatia aos ideias ou para fazer oposição à União Soviética, após a política stalinista de coletivização agrícola que matou 3 milhões de pessoas ter duros impactos para os ucranianos na década anterior.

Esse alinhamento às forças de ocupação alemãs é citado por aliados de Putin como uma prova de que o nazismo "reside" na alma ucraniana. Com o desmantelamento da União Soviética, em 1991, e o aumento do sentimento nacionalista, alguns grupos neonazistas ressurgiram, inclusive em Kiev, onde ganharam algum destaque após a revolta popular iniciada em 2013 e que derrubou o governo pró-Moscou de Viktor Yanukovich, no ano seguinte. Desde então, atuam na luta contra separatistas russos.

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