O ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, viajou nesta segunda-feira à linha de frente da guerra na Ucrânia, onde ordenou como objetivo principal a destruição dos mísseis de longo alcance e sistemas de artilharia de Kiev.
A ordem veio após os equipamentos, fornecidos por aliados ocidentais, serem usados para atacar tropas e arsenais russos, com o potencial de alterar a equação do conflito, no qual Moscou vem fazendo avanços territoriais nas semanas recentes.
Com a guerra prestes a completar cinco meses, no dia 24, as forças russas concentram seus esforços no Leste do país. Após consolidarem o controle na província de Luhansk com a queda das cidades de Severodonestk e Lysychansk, o epicentro das disputas é agora na vizinha Donestk — juntas, as duas formam a cobiçada bacia do Donbass, região parcialmente ocupada por separatistas pró-Moscou desde 2014, quando eclodiu a guerra civil ucraniana.
Outra frente russa é no Sul, na região do litoral próxima à Península da Crimeia, onde Moscou busca limitar o acesso de Kiev ao Mar Negro.
Durante uma reunião com o comandante do batalhão Vostok, que atua em Donbass, Shoigu afirmou que instruiu os militares a “priorizarem a destruição dos foguetes de longo alcance e armas de artilharia do inimigo com armamentos de alta precisão”, disse em nota o ministério nesta segunda.
Não está claro se isso significará grandes mudanças, já que há meses os russos tentam destruir armas ucranianas em uma campanha de “desmilitarização”, que tem sucesso relativo. Por mais que o Kremlin consiga atacar os arsenais adversários, aliados ocidentais da Ucrânia enviam suprimentos para ajudar o governo do presidente Volodymyr Zelensky — mesmo que em ritmo aquém do desejado por Kiev.
A Ucrânia já recebeu oito Sistemas Americanos de Foguetes de Artilharia de Alta Mobilidade (Himars, na sigla em inglês), uma poderosa arma móvel que dispara até seis foguetes guiados por satélite de uma vez só, capazes de atingir alvos a até 80 km de distância. Podem alcançar até o território russo, uma preocupação americana, que busca evitar uma cobeligerância e provocar o Kremlin a ampliar sua ofensiva.
Kiev prometeu que não usaria o sistema para mirar o território russo, e o vem disparando para atacar centros logísticos, linhas de suprimento e mais de 20 armazéns inimigos, como um perto da cidade de Kherson, atrás das linhas de frente — todos alvos que, antes, estavam fora de sua mira. Washington disse que enviará mais quatro Himars para a Ucrânia, enquanto o Reino Unido também se comprometeu com a doação de mais armamentos de longo alcance.
Os mísseis de longo alcance são uma nova variável da guerra, que já atravessou algumas fases. A concentração dos esforços russos em Donbass, por exemplo, foi uma correção de curso do governo de Vladimir Putin, após acumular fracassos em seus planos iniciais de tomar grandes cidades, como Kharkiv e Kiev.
Foi a mudança que deu aos russos, no início do mês, o controle de Luhansk. Os avanços, no entanto, foram “limitados”, disse a El País Jesús Núñez Villaverde, codiretor do Instituto de Estudos sobre Conflitos e Ação Humanitária, em Madri:
"Custaram perdas enormes e não mudaram a fundo o equilíbrio da balança, porque nenhuma das partes, neste momento, tem condições de ganhar categoricamente a guerra", disse ele.
As forças do Kremlin não conseguiram consolidar sua supremacia aérea, seus avanços terrestres enfrentam limitações, e barreiras logísticas também complicam seus avanços. Ainda têm, contudo, uma grande vantagem bélica, com um arsenal que supera o ucraniano em proporções de oito para um, segundo Kiev, e não hesitam em usá-lo.
Os ataques ucranianos recentes, especialmente com os Himars — como o em Nova Kakhovka, perto de Kherson — têm potencial de alterar os lentos, porém constantes, avanços russos das últimas semanas. Com a chegada dos sistemas e a ajuda que a Ucrânia recebe de aliados ocidentais para detectar alvos, a necessidade russa de redistribuir suas armas também ajuda a equilibrar mais o panorama.
"Os Himars podem alterar o equilíbrio bélico desde que haja sistemas suficientes e munições para eles", disse a El País Jack Watling, analista do Instituto Real de Serviços Unidos, em Londres.
"O efeito sobre os russos é debilitar substancialmente sua artilharia, deixando-os necessitados de munição (...). Os russos tentarão dispersar seu arsenal para protegê-lo, mas isso reduzirá sua eficiência."
Segundo Vadym Skibitskyi, “o inimigo avaliou a ameaça e começou a realocar seus estoques para lugares mais distantes da linha de frente”. Em outro endosso para os ucranianos, a União Europeia está perto de chegar a um consenso nesta semana para a criação de uma plataforma de compras comunitárias de armas de 500 milhões de euros em dois anos para garantir um fluxo constante e coordenado de armas e munições para Kiev.
"Dar a Ucrânia mais e melhores capacidades antiaéreas deve ser tão prioritário quanto prover armas de maior alcance", ponderou no Twitter Phillips O'Brien, professor de estudos estratégicos da Universidade Saint Andrews, na Escócia, afirmando que os Himars podem não ser suficientes.
O Ministério de Defesa russo disse no domingo que destruiu um sistema Himars e um veículo que o transportava em Donetsk, além de atacar um armazém em Odessa, no litoral do Mar Negro, com armas antinavios. O governo ucraniano não comentou as alegações russas, que também não puderam ser confirmadas independentemente.
Antes da reunião com o batalhão Vostok, Shoigu já havia ordenado uma intensificação das ações “em todas as áreas operacionais”. Nesta segunda, seis pessoas morreram e um prédio ficou destruído durante um bombardeio russo em Torestk, em Donbass, segundo o governo ucraniano.
Além de Donbass, houve também bombardeios em Mykolaiv, no Sul, em Dnipropetrivsk, na região central, e em Kharkiv, no Nordeste. Este último deixou ao menos duas pessoas mortas, segundo o governador da região, Oleg Sinegoubov.
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