Negociadores russos e ucranianos se reuniram nesta quarta-feira, em Istambul, em uma conversa mediada por diplomatas da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Turquia para destravar o bloqueio à exportação de milhões toneladas de grãos ucranianos pelo Mar Negro. O imbróglio faz o preço dos cereais disparar, deixando diversos países às margens de uma crise de fome.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, dará uma entrevista coletiva durante a tarde com maiores detalhes sobre o conteúdo das três horas e meia de conversas — as primeiras cara a cara entre russos e ucranianos desde 29 de março, quando ainda havia as negociações de cessar-fogo paralisadas desde abril. A Ucrânia afirma estar perto de um consenso, mas os obstáculos são grandes.
"Estamos a dois passos de firmar um acordo com a Rússia. Estamos na fase final e agora tudo depende deles", disse o chanceler ucraniano, Dmytro Kuleba, em uma entrevista publicada nesta quarta pelo jornal El País, antes das negociações a portas fechadas, em um lugar não informado da cidade turca.
"Se eles realmente quiserem, as exportações de cereal começarão de imediato".
Kuleba indicou suspeitar que o Kremlin mantém o bloqueio para que dinheiro não entre na Ucrânia, o que deixaria Kiev mais forte em sua resposta à invasão. Menos otimistas, os russos, que voltaram a atacar cidades na costa do Mar Negro nesta quarta, disseram pelo porta-voz Igor Konashenkov que "apresentaram um pacote para uma solução prática mais rápida".
Desde o início do conflito, em 24 de fevereiro, Moscou vem sendo acusada pela comunidade internacional de barrar a saída de navios com de grãos produzidos na Ucrânia através da imposição de um bloqueio naval à costa do país. Em alguns lugares, como em Odessa, navios russos estão fundiados a metros da costa e, perto dos portos, há minas postas pelos próprios ucranianos para sua autodefesa.
O país invadido é o quarto maior exportador mundial de grãos e, segundo analistas, cerca de 90% de todas as vendas internacionais de commodities agrícolas ucranianas saem por vias marítimas. Hoje há cerca de 22 milhões de toneladas de grãos paradas em silos ucraniano e, antes da guerra, 12% de todo o trigo do mundo partia de lá.
A Rússia, outra gigante exportadora de commodities e fertilizantes, nega as acusações de que usa o bloqueio como uma “arma de guerra” e culpa os próprios ucranianos pela impossibilidade de manter os níveis de exportações de alimentos, que são enviados para dezenas de países ao redor do mundo. Apontam também para a enxurrada de sanções ocidentais que, apesar de não afetarem diretamente os grãos russos, aumentaram os seguros e custos de exportação.
A escassez não apenas faz o preço disparar, batendo recordes históricos, mas também é considerada pela ONU um risco à segurança alimentar de milhões de pessoas. Antes da guerra, os portos ucranianos eram responsáveis pela exportação de cerca de 12% do trigo do planeta.
Em 24 de janeiro, um mês antes da guerra começar, um bushel de trigo (cerca de 27 kg) custava US$ 7,92, segundo dados do site Trading Economics — já alto devido aos impactos da pandemia. No início de março, se aproximava de US$ 13, chegando a um pico similar em maio. Desde junho, contudo, os preços vêm caindo devido às perspectivas de negociação e, também, a temores de que o esfriamento do mercado reduza a demanda. Na tarde desta quinta, o bushel era vendido a US$ 8,20.
Opções alternativas para a exportação do produto de Kiev, como transportá-lo por via terrestre ou fluvial, pelo rio Danúbio, são lentas, demasiadamente complicadas ou muito limitadas para a dimensão do problema. Há semanas, Rússia, Ucrânia, a ONU e a Turquia conversavam para destravar a crise, concordando com o encontro presencial em Istambul.
A pressa não é por nada, já que, se os grãos ficarem no silo por muito mais tempo, começarão a afetar a safra deste ano, já que fazendeiros não terão onde armazená-la. As negociações em Istambul, contudo, esbarram na necessidade de consenso e confiança entre lados opostos da guerra.
No encontro do Grupo dos Sete (G7) no fim do mês passado, Guterres indicou que uma solução para a crise deveria vir dentro de uma semana ou dez dias — já fazem, contudo, mais de duas semanas. Segundo fontes da agência Reuters, o plano em discussão incluiria uma ideia para que embarcações ucranianas guiassem os cargueiros na entrada e na saída dos portos minados. A Rússia, por sua vez, se comprometeria a não atacar os navios enquanto o movimento ocorresse.
Um dos pontos de maior discórdia diz respeito à escolta e à vistoria dos cargueiros. A Rússia demanda que apenas ela faça isso, para garantir que carreguem apenas grãos e que retornem vazias, sem armas. A Ucrânia, contudo, rejeitava a proposta de forma veemente, e pedia que navios de países-membros da Otan escoltassem os barcos. Pelo acordo negociado, a Turquia, uma integrante da aliança, se encarregaria da tarefa com o apoio da ONU.
Não está claro o que acontecerá com a exigência russa de que os ucranianos desminassem seus portos e removessem "obstáculos" logísticos, econômicos e de transportes. Também não se sabe o que acontecerá com a exigência ucraniana de que comandantes de sua Guarda Costeira ou da sua Marinha guiassem os navios estrangeiros até águas internacionais.
Ancara e a ONU, contudo, também teriam prometido ajudar Moscou com a exportação de seus grãos e fertilizantes, apesar dos detalhes não serem claros. Para que isso ocorra, contudo, a União Europeia provavelmente precisaria remover suas sanções aos fertilizantes russos.
A reunião desta quarta antecedeu uma cúpula tripartite, na semana que vem em Teerã, em que o presidente russo, Vladimir Putin, se encontrará com seu par turco, Recep Tayyip Erdogan, e o iraniano Ebrahim Raisi. A pauta central será a guerra civil síria, mas é também uma tentativa do Kremlin de diminuir seu isolamento internacional desde a eclosão do conflito.
Erdogan deseja sentar-se à mesa com Putin e Zelensky, mas isso parece improvável neste momento, com Kuleba rejeitando a possibilidade de negociar um cessar-fogo ou ceder territórios. Nas horas antes da reunião em Istambul, a Rússia atacou a região de Mykolaiv, na costa do Mar Negro, matando ao menos cinco civis, segundo os ucranianos.
Bombardeios russos aconteceram na região de Donestk, o epicentro do conflito, que Moscou busca capturar para consolidar seu controle da bacia do Donbass, parcialmente controlada por separatistas pró-Rússia desde 2014, quando eclodiu a guerra civil ucraniana.
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