Massacre em escola gera revolta nos EUA, mas leis não devem mudar

Pior ataque em mais de 10 anos, com 21 mortos, não é suficiente para republicanos tirarem bloqueio a projetos de verificações de antecedentes

Ataque na escola primária Robb na cidade de Uvalde, no Texas, deixou 21 pessoas mortas, sendo 19 alunos e duas professoras.
Foto: Reprodução/Rede Globo - 25.05.2022
Ataque na escola primária Robb na cidade de Uvalde, no Texas, deixou 21 pessoas mortas, sendo 19 alunos e duas professoras.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, emocionou-se na noite desta terça-feira ao discursar sobre a morte de pelo menos 19 crianças e dois professores em um massacre a tiros no Texas , no pior evento do tipo em uma escola em mais de dez anos.

"Eu esperava que, quando me tornasse presidente, não tivesse que fazer isso novamente", disse Biden na Casa Branca, contendo lágrimas "Outro massacre, em Uvalde, Texas. Uma escola primária. Crianças lindas, inocentes, de segunda, terceira e quarta séries."

Biden se perguntou “por que estamos dispostos a viver com essa carnificina”, e pediu por mais controle de armas nos EUA.

"Os fabricantes de armas passaram duas décadas vendendo agressivamente armas de assalto, o que os deu um enorme lucro", disse Biden. "Temos que nos perguntar: quando vamos enfrentar o lobby das armas? Quando vamos fazer o que sabemos, dentro de nós, que precisa ser feito? Pelo amor de Deus, temos que ter a coragem de enfrentar a indústria."

O horror e a indignação do presidente com mais um ataque a tiros nos EUA, pouco mais de uma semana depois de um incidente do tipo em Buffalo, no estado de Nova York, somou-ao de sobreviventes de ataques anteriores, parentes de vítimas, políticos e lideranças da sociedade civil.

Todos mostraram-se furiosos pelo novo ataque, e também pela perspectiva de que outros massacres aconteceram, sem mudanças no horizonte.

Foto: Reprodução - 25.05.2022
Vítimas do ataque na escola primária Robb na cidade de Uvalde, no Texas

Embora democratas se vejam pressionados a tentar passar leis de controle de armas no Congresso, o fato de não terem maioria absoluta no Senado impede alterações na legislação. Já os republicanos continuam a se mostrar defensores irredutíveis dos direitos dos americanos de portar fuzis e outras armas semi-automáticas, bloqueando qualquer iniciativa de reforma, mesmo pequena.

O massacre de terça-feira na Robb Elementary School em Uvalde, a 130 quilômetros a oeste de San Antonio, é o mais recente de uma série de tiroteios em massa que abalaram o país. Em Buffalo, há apenas 10 dias, 10 pessoas morreram em um ataque racista em um supermercado.

O atirador do Texas, um jovem de 18 anos, morreu por policiais que compareceram à cena do crime. O senador estadual do Texas Roland Gutierrez, um democrata da região, informou que o homem comprou suas armas legalmente em seu aniversário de 18 anos.

Só o ataque à escola primária de Sandy Hook, em Connecticut em 2012, deixou mais vítimas fatais do que o ataque do Texas, com 26 assassinatos. Na época, Biden era vice-presidente, e passou mais de um mês desenvolvendo uma lista de propostas para o controle de armas. A maioria delas travou no Senado três meses depois, desaparecendo.

Em seu discurso, Biden não mencionou propostas específicas de controle de armas. Ele apenas citou que, quando os EUA proibiram fuzis de assalto, de 1994 a 2004, os tiroteios em massa diminuíram, e que “triplicaram” depois que a lei expirou.

Sem o Senado, o presidente, no entanto, tem pouco a oferecer em termos de mudanças legislativas.

Em março do ano passado, a Câmara, liderada pelos democratas, aprovou um projeto que expande as verificações de antecedentes de armas para vendas em exposições e na internet. A Câmara também aprovou um segundo projeto que impediria as vendas de armas de serem concluídas se uma verificação de antecedentes não fosse feita em até três dias, conforme permitido pela lei atual

Mas no Senado, onde os democratas têm maioria mínima e onde são necessários ao menos 10 votos republicanos para evitar uma obstrução, ambas as medidas pararam, nem chegando a ser votadas. Parlamentares democratas evitam levar a votação uma medida que sabem que não irá passar, pois isso os faz parecer fracos e incompetentes.

Na noite de terça-feira, o líder democrata no Senado, Chuck Schumer, indicou que irá pôr os dois projetos de verificação de antecedentes no calendário do Senado, de modo a ao menos demonstrar alguma iniciativa.

"É simplesmente doentio", disse Schumer sobre os tipos de armas facilmente disponíveis nos Estados Unidos.

Chris Murphy, senador de Connecticut eleito um mês antes do ataque em Sandy Hook e que abraçou a bandeira do controle de armas, fez um discurso furioso no Plenário do Senado, acusando seus pares:

"Nossos filhos vivem com medo toda vez que pisam em uma sala de aula porque temem serem os próximos. O que estamos fazendo? Por que você gasta todo esse tempo concorrendo ao Senado dos Estados Unidos?", perguntou. "Por que você passa por todo o incômodo de conseguir esse emprego e se colocar em uma posição de autoridade, se a sua resposta, à medida que os massacres aumentam e nossos filhos fogem para salvar suas vidas, é não fazermos nada?"

Murphy chegou a se envolver em negociações com alguns senadores republicanos sobre um acordo bipartidário que exigia a verificação de antecedentes para a venda de armas comerciais. Mas as conversas fracassaram depois que o senador republicano John Cornyn saiu das negociações. Murphy disse que elas não estavam dando nenhum resultado.

Mesmo manifestando horror com o ataque no Texas, os republicanos não deram nenhum sinal de que abandonarão sua habitual oposição ao controle de armas. Sua linha de defesa é dizer que não há nada que possa ser feito.

O senador republicano Jim Inhofe, de Oklahoma, disse que não pode conceber nenhuma lei que impeça ataques como o de Uvalde.

"Seria muito difícil", disse ele. "Isto diz respeito a milhões de pessoas, e deve haver alguns malucos que são totalmente imprevisíveis. E não há como identificar quem são. Então, não há nada em que eu possa pensar."

Mike Rounds, senado republicano de Dakota do Sul, foi na mesma linha:

"Uma coisa é dizer que deve fazer alguma coisa. A questão é se este algo que você fizer realmente fará alguma diferença."

Falando a repórteres no Capitólio, o senador Ted Cruz, republicano do Texas, culpou os democratas “e muita gente da mídia” por se apressarem em “tentar restringir os direitos constitucionais dos cidadãos que cumprem a lei”.

Em meio ao debate e à estagnação política, um técnico de basquete da NBA, Steve Kerr, do Golden State Warriors, acabou por traduzir o sentimento de muitos americanos, em comentários que se espalharam em redes sociais, horas antes de um dos jogos das finais da Costa Oeste contra o Dallas Maverick.

"Quaisquer perguntas sobre basquete não importam", disse Kerr, cujo pai foi assassinado em Beirute em 1994. "Quando vamos fazer alguma coisa? Estou cansado. Estou tão cansado de chegar aqui e oferecer lamentos às famílias devastadas."

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