Rússia e China fazem exercício militar durante visita de Biden à Ásia
Manobras envolveram aeronaves com capacidade de realizar ataques com armas nucleares, e foram realizadas perto dos espaços aéreos da Coreia do Sul e Japão
No dia em que líderes do chamado Quarteto, formado por EUA, Japão, Austrália e Índia, se reuniam em Tóquio para passar uma mensagem de união frente à China, aeronaves russas e chinesas realizaram um exercício militar em áreas do Nordeste da Ásia, nas primeiras manobras do tipo desde o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro.
De acordo com o Ministério da Defesa da Rússia, as forças dos dois países sobrevoaram, ao longo de 13 horas, áreas do Mar do Japão e do Mar da China Oriental usando bombardeiros estratégicos Tupolev Tu-95MS e Xian H-6, ambos com capacidade de realizar ataques com armas nucleares.
Em comunicado, o Ministério da Defesa chinês, em tom semelhante, apontou que essas eram manobras “de natureza estratégica”, e que se tratam de uma “patrulha regular”, acertada por Moscou e Pequim nos termos de sua cooperação militar. Segundo os dois países, a operação não foi um recado ou uma forma de pressão sobre outros países.
O momento escolhido para a alegada patrulha, justamente quando o presidente dos EUA, Joe Biden, faz sua primeira viagem à região em busca de reforçar suas posições contra a China e também contra a Rússia, coloca em xeque a tese de “coincidência”. Além disso, algumas das ações realizadas pelos dois países foram vistas como provocações.
Nas primeiras horas desta terça-feira, o governo da Coreia do Sul afirmou que quatro aeronaves russas e duas chinesas entraram, sem aviso prévio, na chamada Zona de Identificação de Defesa Aérea (Kadiz) — apesar de não ser considerada uma violação do espaço aéreo sul-coreano, caças da Força Aérea local foram acionados para acompanhar as aeronaves para evitar “potenciais situações de acidentes”, como afirmou o Estado-Maior Conjunto, em mensagem à imprensa.
Em outro incidente, o governo japonês protestou contra a presença dos bombardeiros em áreas próximas ao seu espaço aéreo. Em entrevista coletiva, o ministro da Defesa japonês, Nobuo Kishi, chamou as manobras de “provocação”, mencionando a presença dos líderes de EUA, Índia e Austrália, além do próprio Japão, no país neste momento.
Segundo ele, as aeronaves foram localizadas perto da ilha de Hokkaido (Norte) e em uma área central da ilha de Honshu, a maior do país — também foram mandados caças para monitorar a situação.
"Sobre os exercícios militares conduzidos no meio da cúpula entre Japão, EUA, Austrália e Índia, nós os vemos como uma tentativa de mostrar força contra o Japão, que organiza o encontro. E o fato de ter ocorrido no meio do encontro do “Quarteto” nos pareceu mais provocativo do que manobras anteriores", afirmou o ministro.
Kishi apontou ainda que o atual contexto geopolítico, com a China aliada (à sua forma) à Rússia em meio à invasão da Ucrânia não permite que Tóquio deixe de lado as preocupações, e trate o incidente como algo corriqueiro.
Postura agressiva
A viagem de Biden à Ásia é a primeira a uma região apontada por ele como a grande prioridade da nova diplomacia dos EUA. Mas desafios como a pandemia da Covid-19, a desastrosa retirada do Afeganistão e, mais recentemente, a invasão russa da Ucrânia, impuseram alguns atrasos à agenda externa do democrata.
A primeira escala ocorreu na sexta-feira na Coreia do Sul, país que vive suas próprias mudanças políticas após a eleição de Yoon Seok-yeol em março, um conservador que busca laços mais intensos com Washington e uma linha mais dura em relação à Coreia do Norte. Na etapa seguinte, no Japão, Biden anunciou o Quadro Econômico Indo-Pacífico para a Prosperidade (Ipef, na sigla em inglês), uma iniciativa que não é um acordo comercial de fato, mas busca trazer para a esfera de influência dos EUA outras nações da região, como as do Sudeste Asiático.
Nesta terça, ocorreu a reunião de cúpula do Quarteto, uma iniciativa liderada pela Casa Branca que conta com Japão, Índia e Austrália e que tem como objetivo indireto (ou não oficial) servir como ferramenta de contenção à China, tema que Biden vê como um dos pilares da diplomacia americana no século XXI.
Além de defender uma região Indo-Pacífica “livre e aberta”, de criticar mudanças políticas por meio da força, e do anúncio de um plano de investimentos de US$ 50 bilhões até 2027, o encontro foi marcado pela situação Taiwan, considerada uma província rebelde por Pequim e cuja segurança Washington vê como central nas discussões entre aliados na Ásia.
Defensor de uma postura mais agressiva em relação à China, Biden chegou a cometer uma perigosa gafe na segunda-feira, quando disse que os EUA poderiam se envolver militarmente no caso de uma invasão chinesa a Taiwan.
Por lei, Washington deve fornecer os meios para que a ilha se proteja de um ataque, mas por décadas o país manteve uma política de “ambiguidade estratégica”, não deixando claro se apoiaria uma intervenção para conter uma eventual agressão da China. Como esperado, os comentários foram criticados por Pequim.
"Se os Estados Unidos prosseguirem no caminho equivocado, não apenas terá consequências irreparáveis para as relações sino-americanas, mas também provocará eventualmente em um custo impagável para os Estados Unidos", declarou o porta-voz do ministério chinês das Relações Exteriores, Wang Wenbin, acusou Biden de fazer "jogos de palavras" com Taiwan.
Nesta terça, o presidente afirmou que não houve mudanças na política sobre Taiwan, mas analistas veem nas repetidas “gafes” uma mensagem aos chineses para que não tentem repetir na ilha — ou em qualquer lugar da Ásia — o que a Rússia fez na Ucrânia.
Sobre o conflito no Leste europeu, o bloco segue rachado: EUA, Japão e Austrália estão na linha de frente da política de sanções contra Moscou, inclusive revertendo posições anteriores, como no caso japonês. Já a Índia evitou condenar a invasão russa, alegando seus profundos laços comerciais e no setor de Defesa. Um sinal desse impasse foi visto no documento final do encontro, que não mencionou a Rússia e citou a Ucrânia apenas duas vezes.
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