UE alerta para impacto global com bloqueio dos portos ucranianos
Bombardeios na cidade de Odessa, localizada no MarNegro, ocorreram horas depois de visita do presidente do Conselho Europeu à região
Um dia depois de uma série de ataques russos atingirem Odessa, na costa ucraniana do Mar Negro , autoridades ainda avaliam os estragos e apontam para o risco global de desabastecimento por conta do bloqueio imposto pela Rússia aos seus portos. Para o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que esteve na cidade horas antes do ataque, isso poderá provocar "consequências dramáticas" a nações mais vulneráveis.
Segundo o governo regional de Odessa, um centro comercial, um armazém e "infraestrutura turística" foram atingidos pelos russos, que empregaram na ação três mísseis do modelo Kinzhal, um dos mísseis "hipersônicos" do arsenal de Moscou, deixando um morto e cinco feridos. O próprio Michel precisou se abrigar após um alerta das forças de segurança local sobre o lançamento, no começo da segunda-feira, de mísseis a partir da Crimeia, anexada por Moscou em 2014 e a uma curta distância de Odessa. Os russos afirmam que essa ação tinha como alvos helicópteros ucranianos em uma vila próxima a Odessa.
Embora esteja longe do "front" russo na Ucrânia, Odessa vem sendo atingida por ataques recorrentes, como os de segunda-feira e os da semana passada, que destruíram a pista do aeroporto da cidade outrora conhecida como um popular destino de veraneio, inclusive para russos.
Durante briefing à imprensa, um funcionário não identificado do Departamento de Defesa dos EUA disse não ver sinais de que haja planos russos para ocupar a cidade, mas aponta que os ataques podem fazer parte da estratégia russo para o Leste da Ucrânia.
"Achamos que parte do motivo para os ataques seja criar uma ameaça a Odessa, obrigando a uma mobilização de forças ucranianas na cidade ou em seus arredores, impedindo que estejam disponíveis para seguirem rumo a Donbass (Leste) no apoio aos militares ucranianos que ali estão" disse o representante do Departamento de Defesa. "Não temos certeza disso. Mas os ataques aéreos em Odessa não são, acreditamos, um sinal de uma ação iminente contra Odessa, por mar ou terra."
Além dos bombardeios, a costa ucraniana está sendo submetida a um duro bloqueio naval, impedindo as exportações de itens como alimentos para países que, antes da guerra, dependiam deles para manterem seus estoques. Em sua visita a Odessa, Charles Michel disse ser necessária uma "resposta global" para permitir que as toneladas de grãos, trigo e milho prontas para o embarque sejam liberadas o quanto antes — as autoridades ucranianas temem que, em breve, não tenham mais capacidade para armazenar os produtos.
"Esses alimentos tão necessários estão parados por causa da guerra russa e do bloqueio aos portos do Mar Negro. Isso causa consequências dramáticas para países vulneráveis", escreveu Michel no Twitter.
Em reunião por videoconferência com o representante europeu, o presidente Volodymyr Zelensky afirmou que seu país ajuda a alimentar "400 milhões de pessoas" em todo o mundo e apontou que o bloqueio provoca, além do aumento dos preços globais das commodities agrícolas, "fome crescente e instabilidade política".
"Pela primeira vez em décadas e décadas, em Odessa não há um movimento regular de navios mercantes, não há um trabalho de rotina no porto. Isso provavelmente jamais ocorreu em Odessa desde a Segunda Guerra Mundial" afirmou Zelensky, em mensagem por vídeo. "E isso não é só um golpe contra a Ucrânia. Sem as exportações agrícolas, dezenas de países em diversas partes do mundo já estão à beira da escassez de alimentos. E, com o tempo, a situação pode se tornar, francamente, assustadora."
Desde o início do ano, a colheita atual é até 30% menor do que a registrada em 2021, mas o país conseguiu, apesar do conflito e do bloqueio, exportar 1,099 milhão de toneladas de grãos em abril.
"Medidas imediatas precisam ser tomadas para desbloquear os portos ucranianos para exportações de trigo", escreveu Zelensky em seu canal no Telegram.
Em documento liberado no final de março, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) afirmou que um conflito prolongado poderia elvear o número de pessoas desnutridas pelo mundo em até 13 milhões até o final de 2023, com os maiores impactos sentidos na região da Ásia e Pacífico, África Subsaariana, Oriente Médio e Norte da África. O texto ainda recomenda que os dois lados — Rússia e Ucrânia — evitem que o conflito impacte a produção e exportação, pedindo que ambos evitem ataques contra a infraestrutura agrícola e contra sistemas de transporte e distribuição, incluindo os portos.
Recuo forçado
A cerca de 500 km a leste, em Mariupol, a vice-premier ucraniana afirma que mais de mil militares e integrantes de milícia de autodefesa seguem entrincheirados no complexo siderúrgico Azovstal, o único ponto da cidade que ainda não está sob controle das forças russas. Não há mais civis no local, retirados ao longo de operações coordenadas por russos e ucranianos e com o apoio da ONU e da Cruz Vermelha, mas a situação dos combatentes que ainda enfrentam os ataques da Rússia é cada vez mais crítica.
"Centenas estão feridos. Há pessoas com ferimentos sérios que precisam ser retiradas com urgência. A situação está se deteriorando a cada dia" disse à AFP Iryna Vereshchuk.
Nesta terça-feira, o ministério da Defesa russo anunciou a tomada de Popasna, cidade em uma área de divisa entre as regiões separatistas de Donetsk e Luhansk, no Leste — de acordo com Moscou, os ucranianos deixaram a região no domingo, mas isso não foi confirmado por Kiev.
Por sua vez, a porta-voz de um batalhão baseado nos arredores de Kharkiv afirmou que pelo menos quatro vilarejos na mesma região foram retomados pelos ucranianos nos últimos dias. Para analistas militares, esse avanço, se confirmado, pode ser um sinal de preocupação para Moscou.
"Ao fazer com que as forças russas que ocuparam as cercanias de Kharkiv desde os primeiros dias da guerra recuem, os ucranianos estão se aproximando das linhas de suprimentos da retaguarda, que sustentam a principal força de ataque russa mais ao sul" disse à Reuters Neil Melvin, do centro de estudos RUSI, de Londres. "Os ucranianos estão se aproximando da fronteira russa. Assim, todos os avanços que os russos obtiveram desde os primeiros dias no Nordeste da Ucrânia estão escapando cada vez mais."
Também nesta terça, a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock , e o chanceler holandês, Wopke Hoekstr, visitaram Bucha e Irpin, próximas a Kiev e onde teriam ocorrido massacres realizados pelas forças russas. Ali, Baerbock disse que os responsáveis pelas mortes de civis "prestarão contas".
"Devemos isto às vítimas [...] fazer com que os criminosos prestem contas. Isto é o que vamos fazer como comunidade internacional, é a promessa que podemos e devemos fazer, aqui em Bucha" afirmou à imprensa.
Na Lituânia, o Seimas, o Parlamento local, aprovou, por unanimidade, uma moção acusando a Rússia de "genocídio" e "terrorismo" durante a guerra na Ucrânia.
"O Seimas da Lituânia reconhece a agressão em larga escala das Forças Armadas da Federação Russa e sua liderança política e militar contra a Ucrânia como genocídio do povo ucraniano", diz o documento, citado pela Tass, que defende ainda uma investigação por crimes de guerra e contra a humanidade. "A Federação Russa, cujas forças armadas bombardeiam deliberadamente e sistematicamente alvos civis, é um Estado que apoia e pratica o terrorismo."
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