Rússia quer ocupar o Sul da Ucrânia e bloquear acesso do país ao mar
Moscou, no entanto, não teria capacidade para fazer isso sem decretar mobilização geral, e pode recorrer a meios mais drásticos; guerra não tem fim à vista
A inteligência dos Estados Unidos informou a uma comissão do Senado nesta terça-feira ter indicações de que Vladimir Putin pretende ocupar toda a região do Sul da Ucrânia, estabelecendo uma ponte terrestre até o enclave da Transnístria, na Moldávia, e bloqueando o acesso ucraniano ao mar.
A informação foi transmitida pela diretora de Inteligência Nacional americana, Avril Haines, à Comissão de Forças Armadas do Senado.
"Avaliamos que o presidente Putin está se preparando para um conflito prolongado na Ucrânia, durante o qual ele ainda pretende alcançar objetivos além do Donbass" , afirmou Haines. "Também vemos indicações de que os militares da Rússia querem estender a ponte terrestre para a Transnístria."
A área citada inclui uma enorme faixa de terra e um extenso litoral nos mares Negro e de Azov, indo da área de Rostov-on-Don, no Oeste da Rússia, passando pelo Donbass, no Leste ucraniano, atravessando Odessa, no Oeste da Ucrânia, e alcançando o enclave da Transnístria, em território moldavo.
Haines acrescentou que, apesar disso, a Rússia não é capaz de alcançar todos esses objetivos sem declarar guerra oficialmente e decretar mobilização geral.
"Embora as forças da Rússia possam ser capazes de alcançar a maioria desses objetivos de curto prazo [no Donbass] nos próximos meses, acreditamos que não serão capazes de estender o controle sobre uma ponte terrestre que se estende até a Transnístria, incluindo Odessa, sem lançar alguma forma de mobilização", afirmou.
As declarações sobre a Transnístria, uma região separatista da Moldávia que divide 250 quilômetros de fronteira com a Ucrânia e, desde o fim da União Soviética, abriga soldados russos, reforçam indicações de ambições russas sobre o enclave.
Em abril, autoridades ucranianas acusaram Moscou de forjar falsos ataques contra alvos pró-Rússia na região, possivelmente com o objetivo de obter um pretexto para abrir uma nova frente de ataque no Sul da Ucrânia. Na ocasião, a liderança moldava foi mais reticente e limitou-se a acusar grupos internos interessados em provocar desestabilização.
Além disso, no primeiro dia de março, o presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko — um aliado próximo de Putin —, concedeu uma apresentação na qual mostrou um mapa que destacava alvos russos na Transnístria. Lukashenko também citou uma incursão na Moldávia a partir da cidade portuária ucraniana de Odessa.
Haines afirmou que a Rússia conta com o cansaço das potências ocidentais, que apoiam a Ucrânia, no conflito:
"Putin provavelmente também julga que a Rússia tem maior capacidade e vontade de enfrentar desafios do que seus adversários", afirmou. "Ele provavelmente conta que a determinação dos EUA e da União Europeia enfraqueça à medida que a escassez de alimentos, a inflação e os preços da energia piorem."
Segundo Haines, o presidente russo entende a batalha do Donbass como uma maneira de recuperar a iniciativa, antes de buscar metas maiores. Para Haines, contudo, é improvável que a Rússia vá dominar a região nas próximas semanas:
"Putin enfrenta um descompasso entre suas ambições e as atuais capacidades militares convencionais da Rússia" , afirmou, acrescentando que isso torna o conflito mais incerto. "Os próximos meses podem nos ver seguindo uma trajetória mais imprevisível e uma potencial escalada."
Segundo ela, a tendência atual aumenta a probabilidade de Putin de "recorrer a meios mais drásticos". Apesar disso, ela disse que a inteligência americana continua a considerar o uso de armas nucleares como remoto:
"Continuamos a acreditar que o presidente Putin provavelmente só autorizaria o uso de armas nucleares se percebesse uma ameaça existencial ao Estado russo ou seu regime."
Segundo Haines, a inteligência dos EUA vê pouca esperança para as negociações entre Rússia e Ucrânia darem resultado no futuro próximo.
"Como a Rússia e a Ucrânia acreditam que podem continuar a progredir militarmente, não vemos um caminho viável de negociação, pelo menos no curto prazo", afirmou.
A tendência de escalada e maiores ambições também pode ser verificada do lado ucraniano. Em entrevistada ao Financial Times publicada nesta terça-feira, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, afirmou pela primeira vez que a Ucrânia tem a ambição de reconquistar áreas ocupadas pela Rússia em 2014, incluindo a Península da Crimeia.
A meta ucraniana é considerada totalmente inadmissível por Moscou. Em conjunto, o aumento de objetivos indica um confronto prolongado, sem fim à vista.
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