Mariupol: situação 'vai além de um desastre humanitário', diz prefeito

Segundo autoridades, 120 mil pessoas ainda estão na área, mas operação de retirada segue lenta; equipe da Cruz Vermelha detida na segunda-feira é liberada

Diversos pontos de Mariupol já foram bombardeados pelo exército russo
Foto: Reprodução / Twitter - 30.03.2022
Diversos pontos de Mariupol já foram bombardeados pelo exército russo

O prefeito de Mariupol, uma das cidades mais devastadas pelo conflito na Ucrânia, afirmou que a situação na área "vai além de um desastre humanitário", e defendeu medidas urgentes para retirar os cerca de 120 mil civis que ainda não conseguiram seguir para locais mais seguras. Neste cenário, venceu nesta terça-feira um ultimato dado pelo Exército russo às forças ucranianas que ainda estão na cidade, o que pode significar uma intensificação nos combates.

Durante entrevista por videoconferência, Vadim Boichenko, que está em Zaporíjia, disse que ser essencial retirar todos de Mariupol, e que "a situação não é perigosa, é insuportável".

— Estimamos em cerca de 120.000 o número de habitantes ainda presentes em Mariupol. A situação vai além do desastre humanitário, porque há mais de 30 dias as pessoas não têm aquecimento, água, nada — disse Boichenko. Segundo relatos de autoridades locais, as forças russas declararam seu apoio a um novo prefeito, que ainda não foi identificado.

A retirada de civis de Mariupol é uma demanda não apenas de políticos locais, mas de líderes como Emmanuel Macron, da França, e Olaf Scholz, da Alemanha, que pressionaram o presidente Vladimir Putin para permitir a abertura de corredores humanitários seguros. Na segunda-feira, o comando militar russo disse ter concordado com um cessar-fogo temporário para permitir a passagem de civis rumo a Zaporíjia e a Berdyansk, onde eles poderiam ser retirados por via marítima, com o apoio da Turquia.

— Estamos nos coordenando com vários interlocutores para retirar toda a população de Mariupol — disse Boichenko.

Segundo a vice-premier, Iryna Vereshchuk, a operação não está ocorrendo da forma esperada: em publicação em redes sociais, acusou os russos de impedirem a passagem de sete ônibus que levariam as pessoas na primeira parte de uma das rotas, de Mariupol até Melitopol, de onde seguiriam, finalmente, para Zaporíjia. Ela ainda afirmou que a população só conseguia deixar a cidade a pé ou em veículos privados, atrasando todo o processo. Em resposta, o Ministério da Defesa russo acusou as forças ucranianas de "atrapalhar de forma cínica" os esforços de retirada, como apontou a agência Tass.

A operação também deveria ser acompanhada pela Cruz Vermelha, mas, segundo Vereshchuk, a equipe da organização ainda não conseguiu chegar a Mariupol. Na véspera, o grupo foi detido por algumas horas em Manhush, a cerca de 20 km de distância. Em comunicado, a Cruz Vermelha não menciona se eles conseguiram entrar na cidade, mas afirma estar "aliviada" pela liberação de seus funcionários, que agora "se concentram em continuar com a operação de retirada humanitária".

"O incidente de ontem [segunda-feira] mostra o quão volátil e complexa foi a operação para facilitar a passagem segura para Mariupol para nossa equipe, que tenta chegar à cidade desde sexta-feira", diz o texto.

Ofensiva

Com exceção de poucas áreas na região central, Mariupol está sob controle do Exército da Rússia, que vê a cidade como essencial para estabelecer uma rota entre o Leste ucraniano, onde estão as repúblicas separatistas pró-Moscou, e a Península da Crimeia, anexada em 2014. Na prática, isso dá ao país o controle do Mar de Azov, onde estão localizados importantes portos da Ucrânia, como o de Mariupol.

Na segunda-feira, ao mesmo tempo em que anunciava os corredores humanitários, o chefe do Centro de Controle de Defesa Nacional da Federação Russa, coronel-general Mikhail Mizintsev, dava um ultimato à resistência dentro da cidade: segundo ele, todos, sem exceção, deveriam deixar Mariupol até as 13 horas, pelo horário local. Dessa forma, disse, "teriam garantida a preservação de suas vidas".

Com o fim do prazo, o Ministério da Defesa russo disse que a demanda não foi atendida, e acusou Kiev de "ignorar" suas propostas de rendição, sugerindo que uma ofensiva de grande porte é iminente.

— Dado o desinteresse de Kiev em salvar a vida de seus militares, Mariupol será libertada dos nacionalistas por unidades das Forças Armadas russas e da [autoproclamada] República Popular de Donetsk — disse o porta-voz do Ministério da Defesa, Igor Konashenkov, citado pela Interfax.

Segundo o porta-voz, foram derrubados dois helicópteros ucranianos que tentavam retirar de Mariupol chefes do Batalhão Azov, uma milícia de extrema direita incorporada às forças regulares do país em 2014.

— Dois helicópteros Mi-8, que tentavam chegar à cidade vindos do mar, foram atingidos por sistemas de defesa aérea portáteis — afirmou Konashenkov. Não houve confirmação pelo lado ucraniano.

No começo do dia, o vice-diretor da Administração Marítima da Ucrânia revelou que um cargueiro de bandeira da Dominica foi atingido por um míssil lançado pela Marinha russa, deixando uma pessoa ferida. A tripulação precisou ser retirada da embarcação e levada para outro navio. De acordo com uma empresa de seguros britânica, o Azburg estava no porto de Mariupol desde o dia 23 de fevereiro, e não conseguiu deixar a cidade por conta do bloqueio naval. A Rússia não comentou o incidente.

A Organização Marítima Internacional, ligada à ONU, afirma que 86 navios mercantes estão presos em portos ucranianos, com mais de mil tripulantes impedidos de seguir viagem.

"Assim como os riscos de ataqyes, as tripulações estão preocupadas com a falta de comida, combustível, água e outros suprimentos essenciais", afirmou a organização, citada pela Reuters. "A situação dos tripulantes, vindos de muitos países, está cada vez mais insustentável, representando um grande risco à sua saúde e bem estar."

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