Por que mulheres estão entre grupos mais vulneráveis na guerra
Após caso Arthur do Val, especialista lista condições de vulnerabilidade vividas por mulheres durante a fuga dos conflitos
"[As mulheres] São fáceis porque elas são pobres", disse o deputado Arthur do Val , o Mamãe Falei, desfiliado do Podemos , enquanto estava na Ucrânia para o que dizia ser uma missão humanitária com os refugiados da guerra.
Desde que os áudios vieram à tona, na última sexta-feira (5), o parlamentar virou símbolo do machismo, como o próprio definiu, e misoginia pelas declarações dadas no degradante contexto do conflito que começou com a invasão russa no último dia 24.
Segundo Ana Paula Rodriguez, coordenadora de pesquisa do InterAgency Institute e consultora da Organização Internacional das Migrações (OIM América do Sul), especialista no assunto, as mulheres compõem uma das parcelas mais vulneráveis - se não, a mais vulnerável - em uma realidade de guerra.
"Essas vulnerabilidades são impostas pela sociedade e por questões biológicas, na convivência com o grupo. Quando há um conflito e elas precisam fugir, essas mulheres elas vão sobrepor vulnerabilidade já existentes, vão enfrentá-las desde a rota até o destino, a depender da sua origem", explica.
Ana Paula destaca que em algumas rotas migratórias, onde a cultura misógina e machista impera, os estupros coletivos figuram entre os principais desafios durante as fugas, além da violência, do tráfico de mulheres e o rapto para tráfico de crianças. São os filhos, também, que podem deixá-las ainda mais expostas, já que os homens, sozinhos, andam mais rápidos pelas estradas e rotas, muitas vezes deixando-as para trás.
A questão étnico e racial também é fator determinante para que o perigo da fuga da guerra seja maior ou menor, afirma.
"Toda mulher refugiada estará suscetível a qualquer coisa nessas rotas, mas por razões de diferenças de origens, é perceptível que algumas sofrem mais, como, por exemplo, as que partem do sul global. É muito mais vulnerável uma mulher com os seus filhos em uma embarcação insegura no mar mediterrâneo, que pode afundar, ficar à deriva, do que ucranianas que estão até conseguindo atravessar".
"Há uma operação logística para se resgatar essas pessoas. Hoje em dia se fala em corredores humanitários, mas quando a gente pensa em conflitos em outras partes do mundo em que se libera um fluxo de refugiados, a gente não vê operações de resgate para poder tentar salvar essas pessoas. Elas simplesmente elas vão com o que tem, contando com a sorte e com a fé. Refugiados do sul global estão muito mais sujeitos aos perigos", pontua.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a pobreza em todo o mundo torna a migração cada vez mais feminina. Atualmente, 48% das pessoas inseridas no fluxo migratório são mulheres. Na África Subsaariana - região ao sul do deserto do Saara -, esse número chega a 52%.
E por que as falas de Arthur do Val ferem tanto a dignidade das refugiadas?
"A fala dele denuncia que é muito presente, ainda que de forma velada, com estrutura patriarcal, de achar que os corpos das mulheres estão sempre disponíveis aos homens, e leva a reflexão também do quanto que mulheres em situação de vulnerabilidade podem sofrer vários tipos de violência", explica Ana Paula. "Nesse processo de fuga, essas mulheres perdem a identidade, é uma migração forçada. Elas não escolheram estar ali nem se submeter a uma situação tão degradante de frio, fome e falta de dinheiro", acrescenta.
"Um representante do povo precisa ter responsabilidade sobre todos. As colocações dele ferem qualquer princípio dos direitos humanos, em primeiro lugar, o respeito às pessoas. Hoje temos diversos documentos e artigos dentro das legislações internacionais que são voltados exclusivamente para mulheres justamente por esses casos, a violência que a mulher vive ali, naquele dia a dia, é extremamente banalizada".
Ana Paula diz que medidas de repúdio contra declarações como as dadas pelo deputado podem contribuir para o debate em sociedade.
"Quando o nosso país pune, e com celeridade, a fala de um deputado que pode se traduzir também em uma atitude - a gente não sabe até que ponto ele externaliza esse pensamento -, nos sentimos mais representadas. Isso soa como uma atitude pedagógica, para que outras ações não sejam cometidas, além de jogar o assunto para que a sociedade discuta, repense, e a partir dessa discussão, gere medidas de combate à violência contra mulher, machismo, a diferenciação do tratamento."
** Filha da periferia que nasceu para contar histórias. Denise Bonfim é jornalista e apaixonada por futebol. No iG, escreve sobre saúde, política e cotidiano.