Rússia impõe três condições para parar guerra e nova reunião é marcada
Cai "desnazificação", mas desmilitarização e desistência de Kiev de entrar na Otan é inegociável, assim como reconhecimento de que a Crimeia é território russo
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, e o seu homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba, aceitaram se reunir em um fórum no Sul da Turquia nesta quinta-feira, naquelas que devem ser as primeiras conversas entre os principais diplomatas de cada país desde a invasão lançada pelo governo de Vladimir Putin ao país vizinho, em 24 de fevereiro.
O anúncio da reunião foi feito enquanto acontece a terceira reunião entre delegações da Rússia e da Ucrânia para negociações rumo a um cessar-fogo. O encontro desta segunda, em um local não revelado na Bielorrússia, começou às 9h de Brasília.
Também hoje, a Rússia indicou aceitar amenizar levemente suas exigências à Ucrânia. O Kremlin admite agora a continuidade do governo Zelensky, tirou da pauta o que chama de 'desnazificação' do país, mas exige uma Ucrânia totalment desmilitarizada, fora da Otan e da UE, e o reconhecimento da Crimeia e regiões separatistas já ocupadas pela Rússia.
O governo Putin quer uma mudança da Constituição da Ucrânia para consagrar um status militar neutro, o reconhecimento da Crimeia (ocupada pelos russos em 2014) como território russo; e o reconhecimento das repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk, no Leste ucraniano, como territórios independentes.
A reunião entre chanceleres na quinta-feira foi marcada para exatas duas semanas depois do início da invasão da Ucrânia. O anúncio foi feito pelo ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlut Cavusoglu, em conversa com jornalistas. Ele acrescentou que deve participar da reunião na cidade turística de Antália.
A porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, confirmou o encontro na rede de mensagens Telegram, indicando que "foi planejado um encontro à margem do fórum diplomático de Antália".
A Turquia, membro da Otan que compartilha uma fronteira marítima com a Rússia e a Ucrânia no Mar Negro, tem se oferecido para sediar negociações entre as partes. O governo de Ancara tem boas relações com Moscou e com Kiev, e classificou a invasão da Rússia como inaceitável, embora se oponha a sanções contra Moscou. Kuleba disse no sábado que estava aberto a conversas com Lavrov, mas apenas se fossem "significativas".
Esta será a primeira viagem de Lavrov desde que a Rússia iniciou sua ofensiva na Ucrânia, o que motivou a imposição de pesadas sanções ocidentais contra a economia do país.
Também nesta segunda-feira, o Kremlin indicou pela primeira vez estar disposto a reduzir as exigências para interromper o seu ataque. A imposição da “desnazificação” da Ucrânia, demanda pouco clara citada desde o início da invasão, não apareceu em uma lista de condições citada pelo porta-voz de Vladimir Putin, Dmitry Peskov.
Peskov disse à Reuters que a Rússia havia comunicado à Ucrânia que estava pronta para interromper sua ação militar "sem qualquer demora" se Kiev cumprisse as condições.
A “desnazificação” não apareceu na lista de exigências fixada agora pelo Kremlin. É incerto ao que o governo russo se referia quando citava estava exigência, uma vez que, embora haja paramilitares e grupos neonazistas em atividade na Ucrânia, eles não integram o governo — cujo presidente, Volodymyr Zelensky, é judeu. Em geral, entendiase que por esta exigência o Kremlin buscava uma mudança de regime, com a imposição de um governo fantoche.
A possível redução da lista de exigências aponta para a aceitação por parte da Rússia de que não obterá tudo o que esperava inicialmente com seu ataque. Isto se dá após a sua campanha militar esbarrar em mais obstáculos do que o previsto, incluindo uma resistência inesperada e problemas logísticos.
Por outro lado, a insistência na neutralidade sinaliza que a não integração da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) segue como condição indispensável para Moscou. Um país neutro é um Estado que se mantém neutro em relação a conflitos e evita entrar em alianças militares como a Otan.
O termo, no entanto, é ambíguo, e os países interpretam a neutralidade de forma distinta. Alguns países são desmilitarizados, como a Costa Rica, enquanto outros, como a Suíça, seguem a "neutralidade armada" e têm Forças Armadas para autodefesa. Como já o fizera, Peskov voltou a apontar a desmilitarização como parte da neutralidade desejada por Moscou:
— Nós realmente estamos concluindo a desmilitarização da Ucrânia. Nós vamos concluíla. Mas o principal é que a Ucrânia cesse sua ação militar. Eles deveriam parar sua ação militar e então ninguém atirará — disse o porta-voz do Kremlin.
Peskov disse que a Ucrânia estava ciente das condições, tendo sido “informados de que tudo isso pode ser interrompido subitamente". Sobre a Otan, Peskov disse:
— Eles deveriam fazer emendas à Constituição, segundo as quais a Ucrânia rejeitaria qualquer objetivo de entrar em qualquer bloco. Isso só é possível fazendo mudanças na Constituição — afirmou — Eles deveriam fazer emendas à sua Constituição segundo as quais a Ucrânia rejeitaria qualquer objetivo de entrar em qualquer bloco. Também falamos sobre como eles deveriam reconhecer que a Crimeia é território russo e que eles precisam reconhecer que Donetsk e Lugansk são estados independentes. E é isso. Então [a invasão] vai parar subitamente.
A Crimeia, cedida à Ucrânia no período soviético, foi anexada unilateralmente pela Rússia em 2014. Quanto à mudança na Constituição, a atual Carta ucraniana consagra a entrada na Otan como um de seus objetivos.
Esta lista foi a declaração russa mais explícita até agora dos termos que quer impor à Ucrânia para interromper o que chama de "operação militar especial".
A Rússia anunciou novos "corredores humanitários" na segunda-feira para transportar ucranianos presos sob seu bombardeio — para a própria Rússia e sua aliada Bielorrússia. O fato de os corredores levarem a territórios dominados pela Rússia foi denunciado por Kiev como imoral.
O anúncio veio após dois dias de cessar-fogo fracassado para permitir que civis fujam da cidade sitiada de Mariupol, onde centenas de milhares de pessoas estão presas sem comida e água, sob bombardeio implacável e incapazes de remover seus feridos.
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