Míssil russo ataca praça central de Kharkiv
Reprodução/ Ansa
Míssil russo ataca praça central de Kharkiv

Há 10 dias, as tropas russas começavam uma série de bombardeios na Ucrânia, que já provocaram a morte de milhares de cidadãos e transformaram mais de 1,2 milhão de pessoas em refugiadas , segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).


Como consequência, a Rússia passou a ser alvo de uma série de sanções econômicas, sociais e culturais, mas até o momento não deu sinais de que vai recuar. Na quarta-feira (2), por exemplo, as tropas do presidente russo, Vladimir Putin, tomaram a cidade de Kherson, uma das maiores da Ucrânia.


Em meio a isso, o iG buscou dois especialistas — o professor de História Contemporânea e doutor pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Bernardo Kocher, e o cientista político e professor do Insper, Leandro Consentino — para explicar o atual cenário da guerra. Confira abaixo, em quatro pontos, como o confronto avançou até aqui.

Tempo da guerra

Especialista em Relações Internacionais, Leandro Consentino destaca que um dos fatores mais importantes no conflito entre a Rússia e a Ucrânia é o tempo. Assim como outros analistas da crise, ele estima que Putin esperava "liquidar a fatura rapidamente", mas se surpreendeu com a resistência apresentada pelo exército ucraniano. "Acho que a guerra se arrastar agora é um primeiro ponto de perda para o Putin", diz o professor.


Já o professor de História Contemporânea, Bernardo Kocher, fez uma avaliação diferente. "O exército ucraniano é constituído com princípios muito próximos dos que formam as forças militares russas, malgrado os 30 anos de independência deste país. Por outro lado, não podemos avaliar com precisão a luta em terra, pois as informações são escassas e, certamente, influenciadas pela batalha de narrativas que qualquer guerra propicia", pondera.


Com isso, ele ressalta "a inequívoca superioridade militar russa" e "a ausência de informações confiáveis sobre os planos do exército russo". "Os russos podem estar cumprindo o que foi planejado, malgrado a aparência de estarem enfrentando mais dificuldades do que o esperado. Sendo assim, a força do exército ucraniano é um fator a ser considerado, o que certamente o foi pelo seu adversário. Só saberemos o que está ocorrendo neste momento nas semanas e meses que virão", acrescenta Kocher.


Sanções do Ocidente

Desde o início da invasão, a Rússia passou a ser alvo de uma série de sanções econômicas. Por exemplo, bancos russos foram removidos do sistema financeiro Swift , que conecta bancos entre países, medida considerada uma das mais agressivas. Oligarcas aliados do Kremlin também foram diretamente punidos com a  suspensão de vistos e a proibição de viagens para os Estados Unidos e o Reino Unido.


Para Consentino, o modo como essas sanções têm afetado personalidades no entorno de Putin pode ter agravado as estimativas que o presidente russo teria para a guerra. "Quer dizer, prejudicou mais do que ele imaginava. Ele fez um pronunciamento à nação, que parecia muito mais buscar justificar a guerra pro próprio público interno do que qualquer outra coisa", aponta o cientista político.


Ele se refere à declaração que Putin fez na quinta-feira (3), de que a invasão ao território ucraniano ocorre "de acordo com o plano" .

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Na avaliação do professor Kocher, estrategistas militares e civis da Rússia já haviam considerado as possíveis retaliações que o país sofreria, portanto, elas não devem fazer o governo baixar as armas.

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"O importante a ressaltar aqui é que, dando certo ou não, a ação russa resultará em mudanças consideráveis nas relações econômicas regionais (europeias) e globais.  Uma das possibilidades mais fortes a ser elencada como manifestação é uma aliança econômica sólida da Rússia com a China.  Esta já vem sendo implementada há vários anos e poderá criar um mega mercado alheio ao sistema econômico financeiro formatado em Bretton Woods e dominado politicamente por Estados Unidos, Europa ocidental e Japão", analisa. Para ele, o mundo pode estar assistindo ao surgimento de uma nova ordem econômica internacional de longa duração.


Ascensão da figura de Volodymyr Zelensky

Com a guerra, ascendeu a figura de Volodymyr Zelensky como líder político. O presidente da Ucrânia, que é também ator e humorista, tem sido elogiado por sua postura diante da guerra. No início da semana, em discurso no Parlamento Europeu, ele foi aplaudido ao pedir que a União Europeia "prove" estar do seu lado , permitindo a integração do país ao bloco.


Quanto a isso, Consentino afirma que o ucraniano é bem-sucedido no papel de mobilizar o sentimento nacional e de chamar a atenção da mídia internacional. "Tem um pouco, acho, do homem de televisão ali, né?", sugere o professor. "Vigorando aí a questão de ele chamar atenção da mídia internacional para os problemas da Ucrânia. Enfim, utilizar as mídias sociais a seu favor e capitalizar esse problema. Talvez parte desse engajamento do Ocidente com relação à causa ucraniana tenha vindo um pouco dessa mobilização do Zelensky", reflete, acrescentando que, em linha gerais, ele e o país saíram maiores que a Rússia da primeira semana de confronto.


Guerra de narrativas

Ao iniciar a guerra contra a Ucrânia, o presidente Vladimir Putin disse que pretendia iniciar um processo de "desnazificação" da Ucrânia. Sua motivação declarada é o interesse do governo ucraniano em fazer parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar do Ocidente criada em 1949 para se opor à extinta União Soviética —  bloco socialista do qual faziam parte Rússia e Ucrânia .


Com isso, o russo diz prezar pela segurança do seu território, uma vez que ele faz fronteira com a Ucrânia. Mas não é essa a interpretação de seus opositores.


O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que a intenção do governo russo é "restabelecer a antiga União Soviética". Zelensky também já alertou que  Letônia, Lituânia e Estônia podem ser os próximos alvos de invasões.

Em meio a isso, o professor Bernardo Kocher afirma que "é muito difícil que a Rússia obtenha compreensão de suas preocupações de segurança", ao mesmo tempo em que invasões de países periféricos têm sido comuns por parte de europeus e norte-americanos, "que possuem uma longa lista de intervenções e colonização de vastas áreas da África e da Ásia desde o século XIX".


"A invasão da Ucrânia (país fronteiriço e com largas tradições históricas e culturais em comum) não alcançou os países ocidentais como um ato de defesa, e sim de invasão despropositada e com fins egoísticos. (...) A provável instalação de mísseis contendo armas de destruição poderosas que poderiam alcançar Moscou em pouquíssimos minutos, caso a Ucrânia viesse a fazer parte da Otan, tornou a situação inaceitável para o Estado russo que, em nossa opinião, fez um cálculo de perdas/custos", conta Kocher.

Para ele, entre a hostilidade dos países ocidentais, cada vez mais próxima das fronteiras russas, e a estabilidade da segurança militar que preservaria a integridade do seu território, Putin ficou com a segunda opção.

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** Ailma Teixeira é repórter nas editorias Último Segundo e Saúde, com foco na cobertura de política e cidades. Trabalha de Salvador, na Bahia, cidade onde nasceu e se formou em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), em 2016. Em outras redações, já foi repórter de cultura e entretenimento. Atualmente, também participa do “Podmiga”, podcast sobre reality show, e pesquisa sobre podcasts jornalísticos no PósCom/Ufba.

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