Sanções contra a Rússia têm impacto mínimo no país

Ocidente dá demonstração de unidade política e Alemanha surpreende com suspensão de gasoduto, mas primeira rodada de punições não castigará Putin

Vladimir Putin
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Vladimir Putin

Do ponto de vista político, a rodada inicial de sanções ocidentais contra a Rússia, anunciada ontem e nesta quarta-feira, ofereceu uma demonstração significativa de unidade entre Washington e seus parceiros europeus.

Segundo especialistas nesse tipo de mecanismo de pressão, estas primeiras sanções, no entanto, devem ter um impacto quase insignificante sobre a economia russa.

Nos últimos anos, Moscou — que está sob sanções desde 2014, quando anexou a Península da Crimeia da Ucrânia — guardou reservas para proteger seu sistema econômico exatamente contra o tipo de medida adotada pelos Estados Unidos, enquanto seus aliados, à exceção da Alemanha, foram ainda mais comedidos.

De acordo com Thomas Biersteker, especialista em sanções econômicas do Instituto de Pós-Graduação de Genebra, para serem eficazes, penalidades econômicas devem ser introduzidas de modo gradual.

Uma sanção precisa demonstrar seriedade, como, por exemplo, disposição para arcar com custos da medida. Por outro lado, deve apontar para impactos ainda maiores no horizonte.

— Temos que pensar nas sanções como interligadas às negociações. Manda-se um sinal forte de que se está muito chateado, mas, para mandar este sinal, é necessário mostrar que se está disposto a pagar o custo — afirmou Biersteker ao Business Daily, da BBC, nesta quinta-feira. — E, obviamente, não se joga tudo de uma vez. É necessário guardar suas cartas.

Embargo surpresa

Das medidas iniciais, para ele, a mais importante veio da Alemanha. Na manhã de terça-feira, o chanceler alemão, Olaf Scholz, anunciou ter pedido ao Ministério de Economia e Tecnologia para tomar as medidas administrativas necessárias para paralisar o licenciamento do gasoduto Nord Stream 2.

Concluída em setembro, a obra, de US$ 11 bilhões de dólares, permitirá o aumento do fornecimento de gás russo para a Europa, e atualmente aguarda autorização para operar.

No passado, Scholz já mostrou não estar disposto a abrir mão do gasoduto, enfrentando tensões em sua coalizão, pois Os Verdes, seus aliados no governo, mostraram-se favoráveis a renunciar à iniciativa para punir Putin.

O processo de licenciamento, por ora, foi apenas pausado, e não cancelado. Ao tomar a medida burocrática, todavia, o chanceler sinalizou estar disposto a ir longe para conter uma agressão russa na Ucrânia.

— Eu esperava que essa medida fosse ser guardada para uma segunda rodada de sanções — afirmou Biersteker. — Mas ainda há muito mais que pode ser posto na mesa.

A sanção ao Nord Stream 2 também pode ser considerada uma vitória provisória dos EUA, antigos opositores da iniciativa. Quando Scholz visitou a Casa Branca no começo de fevereiro, Joe Biden "prometeu ser capaz de pôr fim ao Nord Stream 2", sem explicar como persuadiria a Alemanha. Nesta quarta-feira, o governo americano anunciou sanções contra a empresa que construiu o gasoduto.

Impactos mínimos

Já do ponto de vista econômico, as sanções não devem provocar grandes impactos imediatos. Elas vieram sobretudo dos EUA, e o presidente americano, Joe Biden, as anunciou com pompa na terça-feira:

— Vou começar a impor sanções em resposta, muito além das medidas que nós e nossos aliados e parceiros implementamos em 2014 — disse Biden.

As sanções de terça-feira incluem um bloqueio total ao banco de desenvolvimento VEB, a quinta maior instituição financeira da Rússia, e ao Promsvyazbank, o banco militar russo. Há ainda penalidades contra três filhos de altos funcionários próximos a Putin e restrições à capacidade da Rússia de aumentar sua receita através da emissão de dívida soberana, isto é, de pegar empréstimos no exterior.

Segundo a consultora em geopolítica Rachel Ziemba, as sanções tentaram equilibrar uma coordenação entre aliados, a proporcionalidade e a dissuasão”, e “focam a atenção nos interesses governamentais e militares, e não nos indivíduos”.”Essas sanções são menos dolorosas do que as mais altas que poderiam ter sido impostas, mas tornarão o investimento russo em projetos de crescimento muito mais difícil”, escreveu numa análise.

Outros, no entanto, são mais céticos. Segundo Max Seddon, chefe do escritório do Financial Times em Moscou, “é preciso deixar claro que as sanções bancárias não prejudicam de fato a Rússia”. “O VEB nem é realmente um banco – é, basicamente, um caixa dois financiado pelo Estado”, escreveu Seddon. “Já o Promsvyazbank foi nacionalizado com o objetivo específico de ser sancionado para proteger outros bancos dos EUA”.

Quanto aos filhos de autoridades, outros oficiais do alto escalão russo também recebem o mesmo tipo de sanção, mas continuam a operar companhias públicas sem grandes entraves.

Em relação ao impedimento de obter empréstimos, o governo russo passou anos tentando reconfigurar seu orçamento e finanças para poder aguentar novas sanções, esforços que foram auxiliados pelos altos preços de mercado de petróleo e gás.

O governo russo tem uma dívida baixa, de 18% de seu PIB em 2020 segundo o Tesouro Federal da Rússia, e depende menos de empréstimos de entidades estrangeiras do que antes de 2014.

Mais importante ainda, o Banco Central acumulou reservas em moeda estrangeira (com reservas em ouro e euro superiores às reservas em dólar) de US$ 631 bilhões, a quarta maior economia desse tipo no mundo.

Segundo Elina Ribakova, economista chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), “o governo da Rússia está em superávit fiscal. Além da rolagem da dívida, a Rússia está ‘sobrefinanciando’ empréstimos, quando estritamente falando não precisa”.

De acordo com Ribakova, o excedente de liquidez dos bancos russos, de US$ 11 bilhões, “é menor após a Covid em relação ao total de US$ 64 bilhões devidos a credores estrangeiros, mas ainda pode percorrer um longo caminho para acomodar a saída de investidores.”

O Reino Unido sancionou 3 oligarcas e cinco bancos, todos penalizados anteriormente pelos EUA. Esses bancos estatais não tem uma importância sistêmica no sistema bancário da Rússia. A União Europeia pôs políticos russos sob embargo e proibiu o comércio com as duas regiões separatistas.

Os ministros das Relações Exteriores da UE concordaram em princípio com um pacote de sanções, que incluem restrições sobre a emissão de dívida soberana russa na UE e miram bancos menores, e pode entrar em vigor na quinta-feira. Canadá e Japão também anunciaram medidas, sem maiores impactos.

Retaliações mais duras podem estar a caminho caso as ações ofensivas russas se intensifiquem. Elas incluem a proibição de exportação de certas tecnologias para a Rússia, a suspensão da Rússia do sistema bancário internacional SWIFT e punições contra oligarcas russos no exterior.

No entanto, penalidades severas podem também prejudicar os fluxos comerciais globais.

Isto significa que, se no lugar de uma invasão total, a incursão russa em solo ucraniano for restrita, as punições a Moscou também podem ser limitadas, para evitar estragos nas próprias potências ocidentais.

— A questão aqui não é apenas o impacto imediato nos mercados financeiros, mas o fato de que é quase impossível no curto prazo separar a Rússia do comércio global — disse Ribakova ao New York Times — Há espaço para contágio.

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