Pressão por saída de Boris Johnson aumenta, mas ele diz que não sairá
Primeiro-ministro do Reino Unido enfrenta cada vez mais oposição entre as fileiras de seu próprio Partido Conservador
O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, enfrenta cada vez mais oposição entre as fileiras de seu próprio Partido Conservador. Nesta quarta-feira, um membro do partido anunciou que trocou de lado e vai se unir ao rival Partido Trabalhista. No Parlamento, um respeitado deputado conservador exigiu a saída do premier usando termos veementes. E, nos bastidores, conservadores insatisfeitos continuam articulações para obter cartas desautorizando Boris, de modo a promover um voto de confiança que o remova da liderança do governo britânico.
Enquanto isso, Boris afirmou no Parlamento nesta quarta-feira que não renunciará. O governo tenta ganhar tempo, e pede aos deputados do partido que cogitam retirar o primeiro-ministro do cargo para aguardarem a publicação do relatório sobre a realização de festas durante períodos de confinamento, prevista para a semana que vem. Em paralelo, o governo adota medidas em busca de aprovação da população, e apresentou novas diretrizes relacionadas à pandemia que relaxam todas as restrições.
O deputado que abandonou os conservadores em favor dos trabalhistas foi Christian Wakeford, de Bury South, um distrito eleitoral ao norte de Manchester que, até as eleições de 2019, desde 1997 só elegia deputados trabalhistas e integrava o chamado “Muro Vermelho”. Segundo membros do partido trabalhista, Wakeford negociava há meses a troca de partido, e ela não se deveu à crise recente de Boris.
Ainda assim, na sua carta de despedida, ele atacou o premier: “[O Reino Unido] precisa de um governo que mantenha os mais altos padrões de integridade e probidade na vida pública e, infelizmente, você e o Partido Conservador como um todo se mostraram incapazes de oferecer a liderança e o governo que este país merece”, escreveu.
No Parlamento, onde Boris participou da sessão semanal de perguntas e respostas com os deputados, um dos momentos mais dramáticos foi protagonizado por um parlamentar conservador que pediu a renúncia do premier. David Davis, ex-ministro de Estado, ex-secretário para o Brexit e membro do Parlamento desde 1987, disse que passou semanas defendendo o premier de “eleitores raivosos”, lembrando-os “de seus sucessos, como o Brexit”.
Davis acrescentou que, no entanto, esperava de seus líderes que “assumissem a responsabilidade por seus atos”, e Boris ”fez o oposto disso”. O deputado então citou uma das frases mais famosas da história do Parlamento britânico, dita pela primeira vez em 1940 pelo deputado conservador Leo Amery para o então primeiro-ministro Neville Chamberlain, na última sessão antes deste deixar o cargo e ser substituído por Winston Churchill:
"Você sentou-se aí por tempo demais, a despeito de qualquer coisa boa que tenha feito. Em nome de Deus, vá embora", disse Davis.
A declaração foi a mais marcante da caótica sessão, repleta de bate-bocas, de caos nas tribunas enquanto os oradores discursavam e de numerosos ataques contra Boris. Um dos mais ácidos críticos do primeiro-ministro foi o líder trabalhista, Keir Starmer, que classificou as alegações de Boris sobre as festas na residência oficial como “absurdas e francamente inacreditáveis”. Esta foi a primeira vez que Boris e Starmer se confrontaram cara-a-cara desde o início da crise:
"Primeiro ele disse que não havia festas, então veio à tona o vídeo, e aquela defesa ficou arruinada. Em seguida, ele disse que ficou enojado e furioso quando soube das festas, até que se descobriu que ele estava na festa no jardim de Downing Street. Então, na semana passada, ele disse não saber que estava em uma festa e, surpresinha, ninguém acreditou nele", disse Starmer. "Então esta semana ele tem uma nova defesa; ninguém lhe avisou que [a festa] era contra as regras. Já que o primeiro-ministro escreveu as regras, por que diabos ele acha que essa nova defesa vai funcionar?".
Além de assegurar que não renunciará, Boris, que enfrenta a pior crise de seu governo desde que se descobriu a realização de uma festa no jardim da residência oficial em maio de 2020, quando o Reino Unido enfrentava seu primeiro confinamento contra o coronavírus, evitou a maior das perguntas, dizendo que serão respondidas pela investigação em andamento.
O primeiro-ministro defendeu o histórico do governo durante a pandemia, e acusou a oposição de “desperdiçar o tempo desta Casa, desperdiçar o tempo das pessoas e ser completamente irrelevante”:
"[Starmer] continua a fazer uma série de perguntas que ele sabe que serão totalmente abordadas pelo inquérito", disse Boris. "Quando a história dessa pandemia vier a ser escrita, e a história do Partido Trabalhista vier a ser escrita… E, acreditem, ambas fazem parte da história… Então será mostrada que atuamos enquanto eles hesitavam, e vacinamos enquanto eles vacilavam".
Houve muita especulação durante o dia se os deputados conservadores rebeldes a Boris conseguiriam já nesta quarta-feira cartas desautorizando-o, para assim poder realizar no Parlamento uma votação de desconfiança sobre seu o mandato.
É necessária a entrega secreta de 54 cartas para ao Comitê Executivo do Partido Conservador, entre 300 deputados. O momento da entrega das cartas é crucial, porque, se houver uma votação de desconfiança e Boris vencer, não pode haver outro voto para removê-lo do cargo durante 12 meses. Caso não obtenham as cartas nesta quarta-feira, elas dificilmente serão entregues nesta semana, em função do calendário do Parlamento. Com isso, Boris ganha sobrevida no mínimo até semana que vem, quando o relatório da investigação sobre as festas estará pronto.
Enquanto se equilibra no poder, Boris toma medidas atrás de popularidade. Conforme caem os casos de Covid-19 no Reino Unido, o governo anunciou para a partir desta quinta-feira — uma semana antes do prazo previsto — o fim de todas as restrições contra o vírus, inclusive o uso de máscaras. No Parlamento, Boris disse que o Reino Unido “tomou um caminho diferente” do resto da Europa, mas os dados provaram que “repetidamente este governo acertou ao tomar as decisões mais difíceis”.