Myanmar: militares dão golpe de estado e prendem presidente e líder do governo
Win Myint e Aung San Suu Kyi foram presos nesta segunda; Exército declarou um ano de estado de emergência por "fraude eleitoral"
Os militares de Myanmar deram um golpe de estado em Myanmar nesta segunda-feira (1º) e prenderam a líder "de facto" do país, a Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, por considerarem que houve "fraude eleitoral" no pleito disputado em 8 de novembro.
Além de Suu Kyi , que não pode assumir a presidência do país porque tem filhos com um homem estrangeiro, foram presos também outras autoridades de alto nível, como o mandatário Win Myint .
Myanmar's military has seized power and declared a state of emergency, after claiming fraud in its elections.
— AJ+ (@ajplus) February 1, 2021
Elected leader Aung San Suu Kyi is detained.
The military ruled Myanmar for 50 years before civilian rule returned in 2011. It still holds vast constitutional powers. pic.twitter.com/Emol86ljb8
Após o anúncio do golpe, os militares informaram ainda que declararam um ano de estado de emergência e que o novo presidente interino será o general Min Aung Hlaing, chefe das Forças Armadas .
Em uma nota veiculada pelas emissoras estatais, já que as demais tiveram seus sinais bloqueados, os militares ainda informaram que convocarão "novas eleições " após esse período.
Também através de comunicado, Suu Kyi pediu que a população "não aceite o golpe de Estado" e que "proteste" contra a interferência.
Por conta do golpe, porém, a comunicação nas principais cidades de Myanmar está prejudicada, com cortes na internet e nas linhas de telefone. Além disso, bancos e caixas eletrônicos não estão funcionando. Soldados estão monitorando as principais ruas da capital Nay Pyi Taw e da maior cidade do país, Yangon .
Com isso, o país que teve seu primeiro governo civil a partir de 2015, após 25 anos de ditadura militar, voltará a viver sob um regime não democrático. Suu Kyi, que ficou presa entre os anos de 1989 e 2010, liderou seu partido - o Liga Nacional para a Democracia (NLD) - para duas vitórias eleitorais consecutivas, sendo a última com mais de 70% dos votos.
O golpe
O golpe de estado em Myanmar veio na semana em que o Parlamento eleito em novembro se reuniria pela primeira vez para tomar posse oficialmente. No entanto, há semanas os militares começaram uma campanha afirmando haver "milhares" de denúncias de fraudes no pleito.
A Comissão Eleitoral da União informa que não detectou nenhum problema na disputa. O NLD conquistou 346 dos 476 assentos do Parlamento para não militares. Isso porque, em 2008, ficou decidido que os membros das Forças Armadas teriam um quarto das vagas. Os militares também tinham direito ao controle dos Ministérios de Assuntos Internos, Defesa e Relações Exteriores.
Porém, a oposição política a Suu Kyi também é apoiada formalmente pelos militares através a sigla União, Solidariedade e Desenvolvimento (USDP) que se negou a reconhecer o resultado formal. Além disso, diversos partidos de minorias étnicas, especialmente rohingyas, não puderam concorrer na disputa eleitoral e cerca de dois milhões de moradores não conseguiram votar.
O Exército e o governo de Myanmar, em 2017, provocaram a expulsão e a perseguição de milhares de pessoas dessa minoria étnica para Bangladesh. O caso abalou a imagem internacional de Suu Kyi, com um duro relatório inclusive das Organização Nações Unidas (ONU) contra ela. Porém, internamente, a expulsão dos rohingyas foi vista com bons olhos pela maior parte da população, mantendo sua popularidade em alto nível.
Segundo analistas, os militares não aceitaram que Suu Kyi obtivesse tanto apoio popular e, por isso, denunciaram fraudes para as quais nunca apresentaram provas - afinal, também não apoiam a causa rohingya.
Reações internacionais
Líderes e órgãos do mundo condenaram tanto o golpe como a prisão dos líderes políticos e pediram a retomada do processo democrático.
O secretário-geral da ONU , António Guterres, condenou "firmemente" a ação que classificou como "um duro golpe para as reformas democráticas em Myanmar".
A mesma linha foi adotada pela União Europeia através de seus principais expoentes. O alto representante para Política Externa, Josep Borrell, condenou "firmemente o golpe de estado dos militares" e pediu "a soltura imediata dos presos" porque "os resultados eleitorais e a Constituição devem ser respeitados".
Os presidentes do Conselho Europeu, Charles Michel, e da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen , adotaram o mesmo tom de discurso.
"A Itália condena firmemente a onda de prisões em Myanmar e pede a imediata soltura de Aung San Suu Kyi e de todos os líderes políticos presos. A vontade da população ficou claramente expressa nas últimas eleições e deve ser respeitada. Estamos preocupados por essa brusca interrupção do processo de transição democrática e pedimos que seja garantido o respeito aos direitos humanos e das liberdades individuais", publicou em nota o Ministério das Relações Exteriores da Itália.
Em comunicado, a Casa Branca informou que o governo Joe Biden "continua a afirmar seu apoio para as instituições democráticas" e, "em coordenação com os nossos parceiros na área, pedimos que as Forças Armadas e que todas as demais partes adiram às normas democráticas e libertem os presos".
A nota ainda informa que os EUA estão "alarmados" com as notícias do golpe e que "se opõem a toda tentativa de alterar o resultado das recentes eleições ou impeçam a transição democrática".
"Os EUA agirão contra os responsáveis se essas medidas não forem revogadas", acrescentou ainda a porta-voz da Presidência, Jen Psaki.
A China também falou sobre o ataque e disse que o país "é um vizinho amigável de Myanmar".
"Esperamos que todas as partes no país possam gerir adequadamente as diferenças no âmbito do quadro constitucional e legal. É importante proteger a estabilidade política e social", afirmou um dos porta-vozes do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, condenou o "golpe e a prisão ilegal de civis, incluindo Aung San Suu Kyi , em Myanmar ". "O voto do povo deve ser respeitado e os líderes civis libertados", acrescentou.