Moderado e menos ideológico, Luís Arce deve "estreitar laços" Bolívia x Brasil

Visto como "pupilo" de Evo Morales, candidato do MAS tem perfil mais pragmático e poderá se utilizar disso para melhorar relações com seu principal parceiro comercial na América Latina

Candidato do ex-presidente Evo Morales, Luis Arce teve 52,4% dos votos no primeiro turno
Foto: Reprodução/Twitter
Candidato do ex-presidente Evo Morales, Luis Arce teve 52,4% dos votos no primeiro turno

Acadêmico, economista, ex-ministro da Economia e um dos principais atores do chamado " milagre econômico boliviano ", modelo comunitário produtivo que nacionalizou os hidrocarbonetos em 2006 e possibilitou que o governo realizasse políticas públicas e tivesse recursos para distribuir renda,  Luís Arce Catacora foi apontado como o virtual vencedor das eleições presidencias da Bolívia na última segunda-feira (19), uma vez que o resultado oficial ainda não foi divulgado.

Considerado o "pupilo" do ex-presidente Evo Morales , Arce era o candidato do partido Movimento pelo Socialismo (MAS) nas eleições e somou, segundo pesquisa de boca de urna, quase 52% dos votos válidos, o que lhe garantiu a vitória ainda no primeiro turno. Na Bolívia , o candidato que soma 40% dos votos e tem pelo menos 10% a mais do que o segundo colocado já pode ser considerado vencedor, sem a necessidade de um segundo turno.

"O resultado impressiona porque era esperado que ele vencesse com 40% dos votos. Existia, inclusive, uma preocupação muito forte que, havendo segundo turno, a direita se unisse, e o Carlos Mesa o vencesse. Mas, ao que tudo indica, ele conseguiu maioria absoluta. E isso é muito importante para questão de legitimidade: por mais que haja divisão, eles têm maioria. Acredito que agora a Bolívia deve retomar uma estabilidade democrática ", afirma João Paulo Viana, professor de Ciência Política na Universidade Federal de Rondônia.

Questões internas

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Arce terá o desafio de recolocar o país no caminho do desenvolvimento

Tal estabilidade será importante para que o país volte aos trilhos depois de ter sido a nação que mais cresceu na última década na América do Sul  - exatamente por conta do "milagre" arquitetado por Arce no governo Morales. Porém, em meio à pandemia, o novo presidente precisará conciliar tal tentative de retomada com questões de saúde e emprego, além das tratativas com adversários, uma vez que os partidos de oposição cresceram no Parlamento.

"Esse perfil político e técnico pode ajudar a criar um ambiente mais pragmático para discussões na Bolívia . Ele terá que conciliar com outros grupos, formar coalizões dentro do governo com os grupos mais moderados e enfrentará a questão de como construir em um país mais polarizado e acomodar interesses de diferentes grupos. Além disso, ainda terá que dar resposta rápida para pontos da saúde e da economia, porque grande parte do apoio que ele recebeu foi pela perspectiva de trazer de volta o desempenho vivido em outras situações", afirma Denilde Holzhacker, professora de Ciência Política na ESPM.

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"A perspectiva agora é que ele impulsione o mercado interno , o consumo interno, e a industrialização do lítio está em primeiro plano porque é uma proposta de campanha. Há também a questão do imposto das grandes fortunas que ele pretende aprovar. Para isso, vai precisar de muito diálogo com o Parlamento", completa Viana, ressaltando ainda que Arce é visto como "moderado", o que pode levar maior pragmatismo à questões como negócios e política internacional, especialmente na América do Sul.

Relação com o Brasil

Foto: Reprodução: iG Minas Gerais
Perfil moderado do novo presidente pode facilitar conversações com governo brasileiro

Maior parceiro comercial da Bolívia , o Brasil é o maior comprador de gás boliviano e também a principal "válvula de escape" das exportações do país, uma vez que a rota terrestre mais utilizada para chegar ao oceano passa em solo brasileiro. Por conta disso, a postura moderada de Arce pode fazer diferença, mesmo que haja distanciamento político e ideológico entre os dois governos.

"Houve um distanciamento em relação ao Brasil em termos de uma situação muito semelhante a vista na Argentina, que também tem um governo com pouca ligação direta, mas que ainda mantém negociações, conversações de comércio. Tudo vai depender de qual vai ser a reação do governo brasileiro. Só aí poderemos entender qual será a posição do Arce", afirma Holzhacker.

"Morales está aliviado"

Foto: Reprodução/Twitter
Quase uma 'divindade' política na Bolívia, Morales deverá ser conselheiro de Arce

E se a maioria dos votos válidos demonstrou que o povo boliviano acredita que Arce poderá recuperar os anos de crescimento do país, há outra figura que também comemorou muito a vitória do MAS nas eleições: Evo Morales. Responsável por boa parte do apoio recebido, o ex-presidente deve seguir sendo figura importante no cenário político da Bolívia pelos próximos anos.

"Agora ele respira mais aliviado", afirma o professor Viana. "A situação dele melhora muito, porque grupos significativos da extrema-direita boliviana pretendiam prendê-lo e condená-lo caso ele voltasse ao país. Certamente ele será um conselheiro, segue sendo uma liderança importantíssima, quase como se fosse uma divindade. Ele foi o grande responsável pela construção dessa estabilidade inédita, mas também foi o grande responsável por colocar a Bolívia nesta crise. A ideia, agora, será recuperar a economia, impulsionar o consumo interno e gerar empregos para poder alavancar o crescimento de novo".

Sobre a situação do ex-presidente, Holzhacker ressalta também que o retorno do MAS ao poder amplia a possibilidade de uma aliança com outros governos de esquerda e de uma integração regional pautada por temas sociais: "a volta do Morales reforça esse processo de fortalecimento de uma agenda que difere da buscada pelo Brasil, que era puramente de comércio".