“Sociedade quer outra coisa”: protestos e pandemia minam Trump em ano eleitoral
Para especialistas, postura de combater “guerra com guerra” adotada pelo presidente faz crescer apoio a Biden e deixa reeleição mais distante
Por Matheus Collaço |
Nos últimos dias, os EUA têm vivenciado uma verdadeira revolução social com o início dos protestos motivados pela morte de George Floyd, homem negro de 46 anos que foi morto por um policial branco na cidade de Minneapolis no dia 25 de maio. Em meio à pandemia do Covid-19, o episódio se tornou mais um tema delicado da já conturbada relação do presidente Donald Trump com a população norte-americana, e exatamente em ano de eleição.
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Para quem pensava que o atual mandatário do país teria vida facilitada pela oportunidade de “mídia gratuita” durante as diversas aparições para tratar sobre o novo coronavírus nos EUA , mesmo com todas as críticas pela forma como vinha participando de tal batalha, não é bem assim.
A morte de Floyd pode acabar sendo o ponto de mudança no pleito, favorecendo o ex-vice-presidente Joe Biden , confirmado como candidato do partido Democrata para rivalizar com Trump nas urnas.
“A decisão do Trump de enviar as forças militares torna ainda mais caótico o quadro e pode ampliar os movimentos. A sua tentativa é mostrar que tem o controle do país. As críticas têm sido de vários grupos e isso pode distanciá-lo de parte dos eleitores. Por outro lado, reforça sua posição com os mais conservadores. As próximas pesquisas em alguns estados irão demonstrar o quanto a sociedade apoia os protestos e como veem a condução do Trump, que já vem se desgastando com os problemas da pandemia e econômicos”, afirma Denilde Oliveira Holzhacker, doutora em ciência política e professora de relações internacionais na ESPM.
Segundo ela, o discurso de unidade e de ações concretas para a saída da crise pode ser vital para uma vitória de Biden, que segue tendo problemas para demonstrar sua posição de apoio às manifestações de um lado e de condenação aos excessos e violência contra o patrimônio e os indivíduos de outro.
Tal análise, que é corroborada pela queda de Trump nas últimas projeções sobre a eleição e mostram o provável candidato democrata com dez pontos percentuais de vantagem, é acompanhada por outro especialista, que vê a morte de Floyd como um “ponto de ruptura ”, em que o governo pode ter perdido o controle sobre o povo.
“O Trump tinha a situação, a máquina e o dinheiro nas mãos, mas não tem mais a população. O caso acendeu uma coisa que estava latente na sociedade americana. Agora, não são apenas os negros que querem ter voz, mas hispânicos e latino-americanos. O presidente tem esse estilo ‘durão’, de quem media conflitos através de uma metodologia destrutiva, do ‘guerra se combate com guerra’
, mas esse não é o momento disso, e ele não entendeu isso até hoje. A sociedade quer outra coisa”, afirma o professor Leandro Cezar Diniz da Silva, cientista político e coordenador no Centro Universitário Newton Paiva.
Donald Trump has turned our country into a battlefield riven by old resentments and fresh fears. He thinks division helps him.
— Joe Biden (@JoeBiden) June 3, 2020
I ask every American to look at where we are now, and think anew: Is this who we are? Is this who we want to be? pic.twitter.com/taSpWIFT1b
“Você tem uma quantidade gigante de pessoas desempregadas, sem o mínimo para viver. Por isso, em menos de uma semana, houve uma virada nos números. Tínhamos um empate técnico e agora o Biden aparece à frente. De uma forma grosseira, é mais ou menos o que deu a eleição ao Bolsonaro . Aquela facada doeu muito mais nos adversário do que nele. Esses protestos, a morte do Floyd, vão doer mais no Trump e fazer extremamente bem para os Democratas ”, conclui Leandro.
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Apesar de ter perdido espaço na mídia, principalmente na cobertura internacional, para as manifestações, a pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2) segue assolando o país, que já soma quase dois milhões de casos confirmados e ultrapassou a barreira de cem mil mortes, e piorando a imagem do presidente.
“As críticas aumentaram em alguns setores, especialmente naqueles que não receberam recursos emergenciais. O desemprego é outro ponto que fará diferença no pleito, pois atinge regiões que votaram no Trump em 2016 exatamente pela crítica a falta de apoio às empresas norte-americanas, que estavam transferindo suas produções para outros países. Não é somente o índice, mas também com será o combate ao desemprego que será explorado na campanha”, aponta Denilde.
Segundo ela, o presidente pode usar a postura de defender os empregos da população, que já viu os pedidos de seguro-desemprego atingirem mais de 42 milhões desde o início da pandemia, como uma arma contra Biden, ressaltando que com ele será mais fácil implementar ações contra outros países, como a China
, do que com o ex-vice-presidente.
“O que pesa em desfavor do Trump é o fato de ele ter brincado com o coronavírus, dizendo que não era algo que afetaria os EUA. Agora, há uma forte tendência de recessão e perda de dinheiro por parte dos eleitores norte-americanos, o que é um fato que pesa mais do que o próprio vírus: o americano vota muito quando tem coisas de ordem econômica afetando o dia a dia”, complementa Leandro.
LAW & ORDER!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) June 4, 2020
Caso tal situação se consolide, e a queda do prestígio de Trump se mantenha, algo pouco comum na história norte-americana pode ocorrer: um presidente não conseguir garantir a reeleição . A professora Holzhacker lembra que foram cinco os que não venceram o pleito quando tentavam um segundo mandato, entre eles Gerald Ford, Jimmy Carter e George Bush.
“Nesses três casos, efeitos de baixo crescimento econômico foram decisivos para a baixa popularidade. Já em situações de guerra, conta muito a capacidade do presidente em mostrar liderança. O número de vidas americanas é algo importante, mas também as ações do governo em preservar essas vidas. Assim, Trump tem um grande desafio, pois a pandemia expôs as dificuldades do governo federal em responder a crise e também os efeitos econômicos para o país”, afirma.
Apoio dos Obamas e foco nos jovens: as apostas de Biden
E é apostando exatamente neste cenário, de ruptura da continuidade, que o nome de Joe Biden vem ganhando força. Nesta semana, o ex-vice-presidente venceu as primárias realizadas pelos Democratas em oito estados e garantiu a nomeação ao posto de rival de Trump nas eleições. Aliado ao crescimento recente está o fato de que conta com o apoio de figuras importantes do partido e não contava com nenhum adversário.
The nation is crying out for leadership — but this president has nothing to offer.
— Joe Biden (@JoeBiden) June 4, 2020
Entretanto, os especialistas apontam que dois fatores podem atrapalhar a caminhada nestes meses anteriores ao pleito: as dificuldades impostas pela pandemia, que impossibilitam os comícios e o contato próximo com o povo, e o fato de ser uma campanha muito tradicional e pouco voltada para as ferramentas onlines.
“Ele tem dificuldade de atrair o público jovem e dependerá muito da imagem dos Obamas
e de que for o vice na chapa. Outro questionamento é em relação a sua saúde. Ele precisa demonstrar que tem condições físicas e mentais para manter a campanha. De maneira geral, teremos uma eleição bastante competitiva em algumas regiões e ainda temos muitas indefinições. É preciso aguardar as convenções do partido e, atualmente, não sabemos nem se elas serão mantidas nas datas previstas”, aponta Denilde.
“Neste momento, não temos uma eleição tradicional. Na verdade, o que o Biden precisa fazer é mostrar todas as fraquezas da gestão Trump , principalmente nos últimos 60 dias. Se ele conseguir usar isso a seu favor, principalmente se houver uma repercussão econômica, ele entrará mais forte e o Trump fragilizado e sem apoio”, conclui Leandro.