Muita especulação, poucos fatos: como Nova York virou epicentro do coronavírus?
Segundo especialistas, densidade populacional e fluxo de turistas ajudam a explicar facilidade de disseminação do vírus na cidade norte-americana
Por Agência O Globo |
Era inevitável que a cidade de Nova York e seus subúrbios se tornassem o epicentro do surto de coronavírus nos Estados Unidos. A densidade populacional, a grande utilização do transporte público e o fluxo constante de turistas - tudo contribuía para que a metrópole fosse um ótimo alvo.
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Mas para frear a disseminação do vírus em Nova York , os cientistas precisam saber qual desses fatores foi preponderante. "Temos mais especulações do que fatos", afirmou o Dr. Arnold Monto, professor de epidemiologia e saúde global da Universidade de Michigan.
Até agora, mais de 20 mil moradores da cidade testaram positivo para o coronavírus — aproximadamente 1/3 do total de casos confirmados no país. A prevalência de casos na cidade e arredores é muito maior que em qualquer outra região dos Estados Unidos.
O problema é que como pouco se sabe sobre a propagação desse novo vírus é difícil concluir se a situação de Nova York é única ou apenas um indicador do que pode acontecer em qualquer outro lugar.
Segundo Benjamin Cowling, professor de doenças infecciosas da Universidade de Hong Kong, certamente houve um primeiro momento em que, ainda não detectado, o vírus entrou na cidade, provavelmente na segunda quinzena de janeiro: "muitos dos casos descobertos na última semana são resultado desse processo lento iniciado há dois meses".
Com tantos tipos de viroses, os cientistas só conseguiriam precisar o momento exato de início da propagação do vírus após fazer um comparativo das mutações sofridas por ele, em amostras colhidas em diferentes ocasiões. Mas, de acordo com o Dr. Paul Offit, especialista em doenças infecciosas da Universidade da Pensilvânia e do Hospital Pediátrico da Filadélfia, o coronavírus humano é surpreendentemente estável.
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Para os epidemiologistas, a densidade populacional da cidade influenciou na rápida disseminação do vírus, mas não foi o fator primordial. Muitos novaiorquinos moram em arranha-céus. As calçadas vivem lotadas. O metrô está sempre entupido. A cidade tem 27 mil residentes por milha quadrada, ultrapasando de longe a segunda maior densidade, em São Francisco, de 18 mil.
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O epidemiologista Jon Zelner, da Universidade de Michigan, advertiu, porém, que cidades como Tóquio, Seul e Taipei também são muito populosas e não enfrentaram tão rápida propagação da doença.
"O extraordinário número de casos pode ser reflexo da realização de vários testes para o coronavírus. Nova York parece estar fazendo muito mais testes que outros lugares", disse o D. Zelner.
Para outros, a estrutura etária da cidade, com pessoas mais velhas morando próximas umas das outras, pode ser outro fator.
"Suponhamos que um executivo de Wall Street infectado tenha contagiado outras pessoas por meio de um aperto de mãos. Aquele foi o início de um foco que foi ganhando força conforme cada pessoa infectada trasmitia o vírus para outras. Agora, suponhamos que ao mesmo tempo, um ator da Broadway contraiu o vírus e iniciando ali outro novo foco. E um idoso de uma casa de repouso também tenha iniciado um treceiro foco. Uma hora o número de casos explode. Não se pode analisar caso a caso. É uma quesão relativa a diferentes focos", concluiu o Dr. Donald Berry, um estatístico do do Centro Oncológico MD Anderson.
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"Ao vermos um infectado vemos também uma porção de possíveis casos. Em Nova York, tudo acontece ao mesmo tempo, o que gera um cenário péssimo. Esses focos contribuem para uma rápida e desordenada propagação do vírus. Suponhamos que 100 novaiorquinos contaminados viajem para outras cidades. Eles iniciarão novos focos nas cidades em que desembarcarem. Outras regiões sairão ilesas pois não receberam visitantes infectados", complementou.
O Dr. Monto apontou ainda para outros aspectos intrigantes sobre a propagação do vírus: "tudo começou em uma parte da Itália formada por cidadezinhas, não nas grandes regiões, cheias de gente. E quando aquelas regiões foram isoladas, muita gente foi para o Sul. Mesmo que o coronavírus tenha chegado ao Sul da Itália, provocando várias mortes, não foi nada comparado ao que se viu no Norte".
Segundo o médico, o que aconteceu no oeste dos Estados Unidos também é um mistério. Los Angeles e São Francisco deveriam ter registrado muitos casos de coronavírus. Mas os casos na Califórnia concentraram-se na região do Vale do Silício e aproximam-se do número de casos registrados em Seattle: "não existem respostas. E é isso o que assusta a todos".
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