IstoÉ

Ernesto Araujo
Marcos Corrêa/PR
Ernesto Araujo

O atual conflito no Oriente Médio é um daqueles momentos delicados em que a diplomacia dos países é colocada à prova e precisa direcionar as ações governamentais com uma visão estratégica, serena e inteligente. Infelizmente, o episódio mostrou mais uma vez que o Itamaraty bolsonarista é refém de uma agenda ideológica prejudicial aos interesses nacionais e cega para as transformações globais. O governo vem praticando um alinhamento automático aos Estados Unidos que não traz ganhos concretos ao país, diminui o seu protagonismo e compromete a expansão comercial.

Um dia após o assassinato em Bagdá do general Qassim Suleimani, o segundo nome mais poderoso do Irã, o ministério das Relações Exteriores, comandado por Ernesto Araújo , divulgou uma nota defendendo implicitamente a ação americana ordenada pelo presidente Donald Trump na quinta-feira 2.

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“Ao tomar conhecimento das ações conduzidas pelos EUA nos últimos dias no Iraque, o governo brasileiro manifesta seu apoio à luta contra o flagelo do terrorismo e reitera que essa luta requer a cooperação de toda a comunidade internacional sem que se busque qualquer justificativa ou relativização para o terrorismo”, afirmou o Itamaraty.

Relação comercial

Apesar de seu alto status no governo do Irã, Suleimani era visto pelos EUA e seus aliados como um dos cérebros da expansão do apoio iraniano a movimentos terroristas. É natural que o governo tenha ressalvas sobre o seu papel. Mas é igualmente importante o distanciamento sobre a iniciativa americana, que foi recebida com reserva na Europa e criticada inclusive dentro dos EUA.

Também é necessário que o Itamaraty leve em conta as relações comerciais com o Irã — país responsável por US$ 2,3 bilhões das exportações brasileiras. Os principais produtos comercializados são milho (44%), soja e seus derivados (39%) e carne (10%). Com importações de apenas US$ 40 milhões, o saldo favorável ao Brasil chega a US$ 2,2 bilhões.

Nada disso foi levado em conta no despacho, contrariando as vozes mais experientes do Itamaraty, e a ala militar do governo, que defendia uma manifestação mais equilibrada. No Congresso, a resposta recebeu várias críticas.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), condenou reservadamente a posição do governo a favor do ataque americano. Também foi desconsiderado pelo chanceler Ernesto o papel estratégico iraniano, que desempenha um importante poder regional no Oriente Médio. A ação compromete décadas de atuação do Itamaraty pela defesa da soberania e pela não ingerência internacional. Uma atuação independente do Brasil, ao contrário, pode fortalecer o papel do país em conflitos e ampliar sua influência no futuro.

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Previsivelmente, o Irã reagiu. Cinco dias depois da manifestação do Itamaraty, Teerã convocou os representantes diplomáticos do Brasil para comparecerem à chancelaria iraniana e explicarem a nota. Na ausência do embaixador Rodrigo Azeredo, em férias, a convocação foi atendida pela encarregada de Negócios em Teerã, Maria Cristina Lopes.

O Itamaraty disse que não comentaria o conteúdo do encontro, que teria ocorrido “com cordialidade”. Ela teria sido orientada a dizer que a declaração não significava uma manifestação contra o Irã, e que a relação entre os dois países não poderia ser reduzido ao tema abordado no comunicado. Em linguagem diplomática, a convocação equivale a um protesto e advertência.

Reação do presidente

Com a repercussão, o Planalto decidiu abafar o assunto e evitar polêmicas. A ordem foi defender a relação comercial com os iranianos. Mas as manifestações do presidente Jair Bolsonaro dão conta da improvisação com que o governo tem lidado com a área. Ele chegou a dizer que precisava “tomar cuidado com as palavras” e não podia dar uma “opinião tranquilamente sem sofrer retaliações”, porque o Brasil “não tem armas nucleares”. Pior: o presidente posou para uma transmissão nas redes sociais assistindo ao discurso de Trump na terça-feira 8, quando havia a expectativa da reação dos EUA aos ataques com mísseis iranianos contra bases do país no Iraque, em resposta ao assassinato de Suleimani.

Bolsonaro aproveitou para criticar o alinhamento do ex-presidente Lula ao Irã, mostrando que age mais com o olho no antecessor do que mirando o futuro. Além da live simbolizar uma submissão passiva às orientações e manifestações americanas, não poderia haver maior prova de que o alinhamento automático não criou nem um canal direto entre os dois países para antecipar os movimentos conjuntos em uma hora tão grave e solene. O Brasil se colocou na plateia, e declinou de integrar o palco no jogo do poder internacional.

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