A ativista sueca Greta Thunberg não deveria estar discursando sobre mudanças climáticas em uma Assembleia Geral das Organizações das Nações Unidas (ONU). Ela não deveria estar a mais de seis mil quilômetros longe de casa e da escola. Não deveria, toda sexta-feira, faltar à aula para fazer greve pelo meio ambiente. Ela, que tem dezesseis anos, não deveria ter medo da possibilidade de seus filhos e netos não terem um planeta saudável para viver. Ela está certa. Não deveria estar ali firme em sua seriedade que não se abala com os aplausos pouco garantidores de soluções para o aquecimento global.
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“Vocês roubaram meus sonhos e infância com as suas palavras vazias”, afirmou em Nova Iorque. Dois dias após o seu discurso, na quarta-feira 25, o relatório dos especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) da ONU sobre a saúde das zonas glaciais e dos oceanos mostrou que o grito de Greta precisa – no mínimo – ser ouvido com mais atenção.
O documento aponta que mesmo que a humanidade consiga limitar o aquecimento global em 1,5ºC nos próximos anos, uma atividade árdua, muitos impactos prejudiciais ainda estarão por vir. Um exemplo é a perda de recifes de corais. Com 1,5ºC, a quantidade diminuiria entre 70 e 90%, ao passo que com um aumento de 2ºC, praticamente todos seriam perdidos. É justamente este estudo que a ativista Greta Thumberg decidiu lançar luz na Cúpula do Clima.
“A ideia popular de cortar as nossas emissões de poluentes pela metade, nos próximos dez anos, só nos dá uma probabilidade de 50% de ficar abaixo dos 1,5ºC”, disse. Tanto o relatório quanto a fala de Greta são certeiros e diretos: para chegar perto do cenário menos pior, medidas rápidas e de longo alcance deveriam ser adotadas desde já. Mas nada tem sido feito. Foi o que o semblante de insatisfação e medo de Greta estampou na ONU, ante da inércia de todos. “Por mais de 30 anos a ciência foi clara. Como ousam seguir ignorando os alertas e vir aqui para dizer que estão fazendo o bastante?”, questionou.
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Fazer ouvidos moucos ao estampido alarmante ecoado ao mundo por Greta não é o único expediente adotado pelos interessados em ridicularizá-la. No Brasil, o aspirante a embaixador Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, foi ao twitter na noite de quarta-feira para compartilhar uma imagem falsa e acusações contra a ativista de 16 anos. O político de 35 anos postou uma imagem que mostra a jovem tomando café em uma cabine de trem, enquanto crianças supostamente pobres a observam da janela.
A foto, claramente uma montagem feita sobre uma fotografia postada pela própria Greta e cuja vista da janela são árvores no inverno na versão original, veio acompanhada de um texto que “acusava” a ativista de ser financiada pelo húngaro-americano George Soros. Parafraseando a menina sueca, como ousa?
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A inconsequência de Eduardo provavelmente encontra razões no ressentimento. Ao lado de outros quinze jovens ativistas de diversos países, Greta, que já foi indicada ao Nobel da Paz, representou uma queixa formal no Comitê dos Direitos da Criança da ONU contra diversos países. O Brasil, presidido pelo pai de Eduardo, estava incluído. A acusação é de que nada foi ou tem sido feito para barrar o avanço descontrolado do aquecimento global. De acordo com o grupo, o imobilismo representa uma violação dos direitos infantis, já que os países não cumpriram obrigações determinadas pela Convenção dos Direitos da Criança, assinada há 30 anos – documento este que o mandatário do País jamais deve ter lido, por óbvio. Grite mesmo, Greta .