Ucrânia aprova lei que oficializa a língua ucraniana e irrita presidente eleito

Poroshenko deve assinar a lei antes de deixar o cargo nas próximas semanas, depois de perder a reeleição no domingo para Zelenski, que fala principalmente russo em público

Vladimir Zelenski foi eleito presidente da Ucrânia e já deve assumir contrariado
Foto: Reprodução/BNews
Vladimir Zelenski foi eleito presidente da Ucrânia e já deve assumir contrariado


O Parlamento da Ucrânia aprovou uma lei controversa nesta quinta-feira (25) que concede status especial ao idioma ucraniano, tornando-o obrigatório para os trabalhadores do setor público. A lei, que obriga todos os cidadãos a conhecer a língua ucraniana e a torna obrigatória para funcionários públicos, soldados, médicos e professores, foi defendida pelo atual presidente Petro Poroshenko, mas criou uma saia justa para o seu sucessor: o ex-comediante e presidente eleito Volodimir Zelenski. A Rússia considerou a medida como divisiva e discriminatória com os russos. 

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A lei foi descrita como "escandalosa" por Moscou e deve acirrar os ânimos em zonas da Ucrânia onde o russo é a língua mais falada. O próprio Zelenski, ator e humorista que desempenhou o papel de um presidente em uma série de TV em russo, criticou que a lei fosse adotada "sem um grande debate público".

Poroshenko deve assinar a lei antes de deixar o cargo nas próximas semanas, depois de perder a reeleição no domingo para Zelenski, que fala principalmente russo em público.

O ucraniano é a língua predominante no Oeste da Ucrânia, enquanto o russo prevalece em grande parte do Leste. As duas línguas são faladas amplamente na capital, Kiev, e uma grande parte da população fala ambas fluentemente.

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A televisão é frequentemente bilíngue, com apresentadores de talks shows e seus convidados escorregando entre os dois idiomas, às vezes fazendo perguntas em um e respondendo em outro.

A língua tornou-se uma questão muito mais sensível desde 2014, quando a revolta pró-ocidente da Praça Maidan, que depôs o presidente pró-Moscou Viktor Yanukovych, culminou em conflitos armados com a Rússia .

O presidente russo, Vladmir Putin, apoiou a rebelião separatista pró-russa no Leste. Em 18 de março daquele ano, a região da Crimeia passou a fazer parte da Rússia, após um referendo que os países ocidentais consideraram ilegal.

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A essa anexação se seguiu um conflito armado entre o Exército ucraniano e os separatistas pró-russos no Leste da Ucrânia, que deixou, desde então, mais de dez mil mortos.

Os separatistas argumentam que os moradores do Leste da Ucrânia são vítimas da crescente discriminação contra quem fala russo. Já a população de língua ucraniana alega que a proeminência do russo é um legado da era soviética que mina a identidade do país.

Na quarta-feira, o presidente da Rússia assinou uma ordem simplificando o procedimento para moradores das regiões rebeldes do Leste da Ucrânia obterem passaporte russo, provocando pedidos de Kiev por mais sanções internacionais.

Poroshenko colocou o fortalecimento da língua ucraniana como política central para sua campanha de reeleição, sem sucesso.

Zelenskiy, por sua vez, garantiu nesta quinta-feira que sua equipe examinará a nova lei para ver se os direitos de todos os cidadãos serão respeitados. "Precisamos tomar iniciativas e adotar leis que consolidem a sociedade, e não o contrário", escreveu ele no Facebook.

O presidente eleito disse que o projeto de lei durante o período eleitoral "o tornou refém da retórica política", acrescentando que é difícil prever as consequências da aprovação da medida.

Maria Zakharova, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, disse que a nova lei aprofunda as divisões na sociedade ucraniana e impõe severas limitações, inclusive em alguns casos proibições, ao uso do russo na vida pública ucraniana.

Pelo menos 50% dos livros
A nova legislação exige que as empresas de distribuição de filmes e TV assegurem que 90% de seu conteúdo esteja em ucraniano e que a proporção de mídia e livros impressos em língua ucraniana seja de pelo menos 50%.

Os softwares de computadores devem ter uma interface em idioma ucraniano, embora a lei também permita o uso do inglês ou de qualquer outra língua oficial da União Europeia.

Os legisladores aplaudiram de pé depois que a lei foi aprovada e cantaram o hino nacional. Centenas de cidadãos com bandeiras ucranianas se reuniram em frente ao Parlamento para apoiar a lei.

"Este é um momento histórico, que os ucranianos têm aguardado há séculos o direito à nossa própria língua", disse um dos autores do projeto, Mykola Knyazhytsky, antes da votação.

A composição do Parlamentoda Ucrânia não mudou desde a eleição de Zelenskiy e continua dominada por uma coalizão que apoia Poroshenko.