O dia 27 de janeiro é escolhido como o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto , em memória das vítimas do genocídio cometido pelo nazismo e seus adeptos durante o período da Segunda Guerra Mundial. Também um dia para relembrar os horrores cometidos contra os mais de seis milhões de judeus mortos, além de outras milhares de vítimas fatais como homossexuais, ciganos e pessoas com deficiência. Para Manfred Goldberg, sobrevivente judeu de 87 anos, o presente e o futuro não trazem perspectivas positivas.
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Em entrevista para a rede norte-americana “CNN”, Goldberg analisa com pessimismo os movimentos de direita que crescem em todos os cantos do mundo, especialmente com o poder de redes sociais. Um dos sobreviventes do Holocausto
, ele acredita que a História tem sido não só esquecida, mas, pior ainda, negada. “Todos os alertas vindos do passado estão chegando a ouvidos surdos”, lamenta.
Segundo o ponto de vista de alguém que sofreu anos com a guerra e o regime nazista de Adolf Hitler, “o mundo tem falhado no aprendizado com a história, com um passado que viu seis milhões de judeus morrerem nas mãos dos nazistas”. Nas mídias sociais, o alemão enxerga “uma máquina poderosa na divulgação de ódio” e, por isso, acha difícil acreditar em “um final feliz”, ou seja, para ele, os sobreviventes enfrentam uma “batalha perdida”.
“A comunicação instantânea agora significa que qualquer pessoa que quiser propagar suas visões infectadas com o ódio racial pode fazer muito, muito mais efetivamente do que os nazistas, naquela época, poderiam fazer", elucida.
“Muitos anos antes de ganharem o poder político, os nazistas iniciaram e mantiveram uma campanha viciosa de propaganda antissemita, principalmente em jornais, mas também com discursos contra os judeus em meio a multidões”, lembra. “Fizeram isso na crença de que qualquer mentira, não importa quão vil ou abominável, seria eventualmente aceita como verdade se fosse repetida com bastante frequência e firmeza o suficiente”.
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“Infelizmente, eles provaram estar corretos. O resultado, como sabemos, foi o Holocausto. E o que me preocupa, tremendamente, é que em nome da liberdade de expressão, parecemos ignorar essa lição de história", defende.
História de sobrevivência
Goldberg já recontou muitas vezes sua história de sobrevivência. Sentado em sua casa na cidade de Londres, rodeado de fotografias de seus quatro filhos e 12 netos, o idoso relembra os duros anos em que ele e a família estiveram em campos de concentração. Atualmente, ele trabalha na instituição “ Holocaust Educational Trust ”, que educa milhares de estudantes e professores britânicos sobre o período da guerra.
Nascido na Alemanha central, de família judia ortodoxa, Goldberg foi deportado de sua cidade natal, Kassel, para o gueto de Riga, na Letônia, antes de ser transferido para diferentes campos de trabalho na Polônia ocupada pelos alemães. Ele sobreviveu a oito meses de trabalho escravo no campo de concentração Stotthof, onde câmaras de gás eram usadas para matar prisioneiros, e onde os restos eram queimados em crematórios locais.
Quando Stutthof foi abandonado, ele teve de enfrentar uma marcha dificílima sobre condições degradantes, até ser libertado em Neustadt, na Alemanha , em 1945. Depois disso, reencontrou a mãe, também sobrevivente, no Reino Unido, assim como o pai – quem havia fugido do país pouco antes de a guerra ter início, em 1939. Mas, infelizmente, o irmão mais novo de Goldberg foi assassinado pelos nazistas.
Indústria de negação ao Holocausto
No ano passado, o sobrevivente voltou pela primeira vez ao campo de Stutthof, acompanhado pelo Duque e Duquesa de Cambridge, em um tour pelo campo, onde 65 mil pessoas perderam suas vidas. Conforme ele conta à “CNN”, ele sente cada vez mais a responsabilidade de compartilhar sua história “antes que deixe o mundo”.
“E minha responsabilidade também cresce a cada dia, especialmente quando vejo pessoas negando que o Holocausto tenha existido, esparramando essa mentira na internet”, aponta. “Décadas atrás, quando eu era jovem, não imaginava que, em toda a minha vida, fosse testemunhar uma indústria de negação ao Holocausto ”, diz. “Como as pessoas podem negar que ele tenha existido?”, questiona.
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“Todo mundo pode fazer uma visita ao Stutthof, é um museu aberto ao público, e pode ver com seus próprios olhos as câmaras de gás e os crematórios que permanecem por lá nos últimos 70 anos”, lembra. “O que aconteceu ultrapassa a compreensão, é um fato. Os números de pessoas infectadas com visões como essa estão crescendo. E quando as pessoas assumem esse tipo de atitude [de negar os fatos], os acontecimentos se tornam irrelevantes”, critica.
"Não podemos deixá-los chegar ao topo"
A cinco minutos da casa de Goldberg, vive Freda Wineman, uma mulher de origem francesa que também sobreviveu aos terríveis anos do nazismo. Ela foi enviada ao campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde milhões de judeus foram assassinados, incluindo a mãe e o irmão dela.
Com 94 anos, ela ainda se coloca disposta a conversar, pois deseja que as futuras gerações não se esqueçam do que aconteceu entre aqueles anos. “Nós temos de estar cientes de que alguns movimentos de extrema-direita precisam ser eliminados”, defende. “Nós não podemos deixa-los chegar ao topo porque eles são maléficos. Espero que lutem contra eles. Isso está ocorrendo em diversos países e é muito preocupante”.
Um pouco mais positiva que Goldberg, Freda – que o conhece através da Holocaust Educational Trust – afirma que “vê esperanças em muitos jovens com quem tem contato”. “Se não temos esperanças, estamos mortos”, profere a mulher, uma das sobreviventes do Holocausto.