Simpatizantes da extrema-direita cometeram quase o dobro de ataques em solo norte-americano do que extremistas islâmicos entre os anos de 2008 e 2016. A informação é de um relatório feito pela Nation Institute e pelo Center for Investigative Reporting , que foi publicado no dia 22 de junho. Os dados confrontam o discurso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que repetidamente alega que o terrorismo islâmico é a maior ameaça à segurança doméstica.
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O relatório contabilizou um total de 201 incidentes terroristas domésticos, no período, nos Estados Unidos , sendo que 115 deles foram cometidos por seguidores de diversas ideologias de direita, tanto os chamados defensores da "supremacia branca" quanto militantes patrióticos e neonazistas.
Outros 63 foram motivados por ideologia política teocrática, aventada por grupos como o Estado Islâmico (EI). Dezenove casos registrados no período foram cometidos por organizações de extrema esquerda, incluindo ativistas do meio ambiente, de direitos humanos e anarquistas.
Em sua maioria, os atos da extrema-direita são episódios de violência e agressão, que geram mortos ou feridos, e vandalismo de propriedades públicas ou privadas. Dos 63 episódios de terrorismo islâmico identificados pela pesquisa, 75% deles foram frustados pela polícia, ou seja, não ocorreram, e apenas 13% provocaram mortes.
Entre os casos de ataques da extrema-direita, apenas 35% conseguiram ser prevenidos, o que totaliza 79 mortes no período (índice de fatalidade em 30%) e comprova uma falta de atenção do sistema de segurança para este problema.
Nos atentados islâmicos, o balanço é de 90 vítimas – número maior devido ao tiroteio em Fort Hood, no Texas, que deixou 13 mortos e 32 feridos, em 2009.
Pátria do fundamentalismo
"Os EUA são a pátria do fundamentalismo, que nasceu no território americano no século 20 e se espalhou pelo mundo, inclusive para o Oriente Médio. E esse fundamentalismo, no país, criou uma ponte ideológica-política", disse o historiador e especialista em Relações Internacionais Sidney Ferreira Leite, da Faculdades Belas Artes.
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"Usualmente, vemos homens brancos que começam a atirar contra as pessoas na rua, ou grandes atentados como o de Oklahoma", afirmou, referindo-se ao ataque de 1995, cometido pelo ex-soldado neonazista Timothy McVeigh, que deixou 168 mortos e 850 feridos.
A ONG Southern Poverty Law Center ( SPLC), que monitora grupos de ódio nos EUA, contabiliza 917 organizações extremistas, seja de direita ou de esquerda, em atividade hoje no país.
Elas se dividem em vários níveis e segmentos, como os supremacistas brancos (que acreditam na superioridade da raça branca, e são xenófobos), a Ku Klux Klan (que ficou famosa no século 19 e é extremamente racista) e os neonazistas (que tentam resgatar a ideologia nazista da raça ariana, do antissemitismo, da xenofobia e da homofobia).
Do outro lado, há os separatistas negros. Dos 917 grupos de ódio em atividade nos EUA, 130 seguem a KKK, 99 são neonazistas, 100 são nacionalistas e 43, neoconfederados.
O grupo SITE , liderado pela especialista em contraterrorismo Rita Katz, criou há dois anos uma página dedicada somente à investigação de ideologias extremistas de direita ou esquerda.
Desde março, Katz vem chamando a atenção para o fenômeno nos EUA. De acordo com ela, os movimentos extremistas de nacionalistas brancos são tão perigosos atualmente quanto o grupo Estado Islâmico.
"Nacionalistas brancos não são indivíduos isolados. Eles compõem comunidades organizadas que recrutam, incitam e propagam mensagens de ódio como qualquer movimento extremista", disse a especialista em um artigo.
Reação tardia
Trump demorou dois dias para condenar os organizadores da marcha em Charlottesville, que terminou com três mortos e vários feridos e, mesmo assim, criticou "os dois lados" – a extrema direita e os civis que saíram às ruas para conter a manifestação.
Além de ser acusado de incentivar os episódios de violência, promovendo a ideologia de "Americans First", Trump perdeu mais apoio ainda dentro do Partido Republicano.
O presidente da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, disse que a "supremacia branca é repulsiva" e que "não pode haver ambiguidade moral" na mensagem passada por Trump. "Nós devemos ser claros", afirmou.
" Trump tem um novo problema dentro do conjunto de problemas que ele mesmo ajudou a criar. Ele instiga essas ações de violência, que já existiam nos Estados Unidos, mas que agora são como uma bolha que estoura", disse o analista de Relações Internacionais.
* Com informação e reportagem da Ansa