16 anos: pesquisa observa ninhos na Mata Atlântica da Argentina

Análise revela a importância de proteger florestas maduras com árvores grandes e amplo substrato

Pica-pau-rei escavando uma cavidade de nidificação no Parque Provincial Cruce Caballero, em Misiones, Argentina
Foto: Reprodução/UFRGS
Pica-pau-rei escavando uma cavidade de nidificação no Parque Provincial Cruce Caballero, em Misiones, Argentina

Um trabalho de pesquisa liderada por Diego Jhoel Zavala, mestre pelo Programa de Pós-graduação em Ecologia do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), monitorou, com câmeras, de 2006 a 2021, ninhos em florestas e terras agrícolas.

A investigação ocorreu por 16 anos, durante a temporada de reprodução de pássaros (setembro a dezembro), cobrindo uma área de 65 km² entre as cidades de San Pedro e Tobuna, na província de Misiones, na Argentina .
A pesquisa está disponível no Journal of Animal Ecology, da The British Ecological Society.

A pesquisa observou 438 cavidades de ninhos em árvores na Mata Atlântica da Argentina ocupadas por pássaros classificados como escavadores ou não escavadores.

Essa análise quantificou as chances de transição entre os estados das cavidades (vazia, ocupada por escavador, ocupada por nidificador secundário em cavidades ou perdida) para informar políticas de conservação de recursos.

O estudo analisou tanto a disponibilidade quanto a adequação das cavidades para determinar o que condiciona a baixa taxa de reuso desses espaços.

Resultados

Os resultados indicaram que a baixa adequação das cavidades escavadas é o fator principal, com esses espaços se tornando vazios rapidamente e sendo reutilizados com menos frequência pelos nidificadores secundários em comparação com as cavidades de origem natural.

Gonçalo Ferraz, professor do departamento de Ecologia e pesquisador no Laboratório de Biologia de Populações da UFRGS, detalha que, ao mostrar como as cavidades (ou ocos) de árvores são ocupados, a pesquisa alerta para a importância da proteção de extensas coberturas florestais não plantadas e não suprimidas ciclicamente por corte industrial.

Ainda segundo ele, o estudo mostra o quão importante é proteger florestas maduras com árvores grandes e amplo substrato para a formação de ocos por decomposição gradual da madeira.

"Muitas espécies de aves dependem das cavidades de árvores para se reproduzir e, considerando que as florestas da Mata Atlântica do Rio Grande do Sul são muito semelhantes às florestas de Misiones, não existe um atalho rápido para produzir ocos da qualidade necessária para assegurar a reprodução”, afirma.

O resultado da pesquisa, segundo os especialistas, reforça a ideia de que silvicultura e floresta são formações vegetais muito diferentes, uma vez que uma floresta madura tem muitas oportunidades de criação de ocos de boa qualidade, o que não ocorre em um monocultivo de árvores para corte.

Nesse contexto, as cavidades não podem ser criadas rapidamente por outras aves nem ser substituídas por caixas-ninho.

A ocupação das cavidades

A nidificação de aves florestais pode depender da disponibilidade de uma cobertura florestal antiga com amplas oportunidades de formação lenta de cavidades (ou ocos) para reprodução.

Nesta pesquisa, entre as aves que nidificam nas cavidades das árvores, foram encontradas 14 espécies escavadoras (como os pica-paus, que são capazes de criar ativamente as cavidades que utilizam) e 58 nidificadoras de cavidades secundárias (espécies que dependem de cavidades existentes, sejam elas escavadas ou formadas por decomposição/não escavadas).

De acordo com Ferraz, em alguns lugares do mundo, muitas espécies que nidificam em ocos e não escavam os próprios ninhos acabam utilizando cavidades escavadas por outras. Esse estudo demonstrou que essa dependência não é universal.

“Existem lugares em que, apesar de existirem aves escavadoras, os ocos disponibilizados por elas são muito menos usados que os ocos ‘naturais’, isto é, formados por decomposição gradual da madeira. Isto evidencia que, quando se trata de encontrar uma cavidade de árvore para fazer o ninho, nem todas elas são iguais e a qualidade pode importar muito mais que a quantidade”, avaliao pesquisador.

Uso de câmeras

Para identificar cavidades que poderiam conter um ninho ativo, foram usadas pelos pesquisadores pistas do comportamento de pássaros adultos, sinais de escavação recente, vocalizações de filhotes e informações ocasionais de fazendeiros ou guardas florestais.

A nidificação foi confirmada visualmente usando uma câmera de vídeo de 1,8 cm de diâmetro que transmitia sem fio para uma tela portátil. As observações revelaram que os escavadores fornecem cerca de 20% das cavidades utilizadas por usuários secundários.


Nesse contexto, os dados da pesquisa foram ajustados a um modelo de dinâmica de ocupação multiestado que considera erros de observação e estima as probabilidades de transição entre os estados ‘vazia’, ‘ocupada por escavador’, ‘ocupada por não escavador’ e ‘perdida’.

“Complementamos os resultados do modelo com uma simulação numérica da dinâmica de uso das cavidades. As cavidades escavadas permaneceram disponíveis por vários anos após seu último uso, sugerindo que a adequação declina com a idade” , salienta o professor da UFRGS.

O estudo evidencia, segundo ele, que, mais do que a quantidade, a qualidade das cavidades das árvores é muito importante para a persistência de populações de aves que nidificam em ocos na Mata Atlântica.