Ao atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e convocar apoiadores para protestos no dia 7 de setembro, no discurso da convenção nacional do PL, neste domingo (24) no Maracanãzinho, no Rio , o presidente Jair Bolsonaro seguiu o script dos últimos meses e jogou para a base de seu eleitorado. Segundo o cientista político Carlos Melo, do Insper, em São Paulo, embora Bolsonaro tenha deixado mais implícita desta vez a polêmica das urnas eletrônica, o presidente escalou o grau de radicalidade ao associar povo a Exército e convocar população às ruas "pela última vez".
"Mais uma vez, o presidente falou só com seus eleitores. Foi um discurso para a base, que gosta de ouvir termos como "o Exército é o povo", ou formulações que inferiorizam o Supremo. Mesmo havendo ali uma intenção de acenar para os jovens ou para as mulheres, com (a primeira-dama) Michelle, ele jogou para o próprio público. Bolsonaro foi Bolsonaro", opina o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, em São Paulo.
Para Melo, Bolsonaro seguiu "o script". Criticou adversários, como o ex-presidente Lula, e o STF, cujos ministros chamou de "surdos de capa preta".
"Ele diminui o STF e diz que quem faz as leis são o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Mas o Executivo não faz as leis. É mais uma provocação, pelo histórico de problemas com o Supremo. E no discurso ele aguça esse conflito", diz o cientista político.
Porém, os maiores pontos de alerta do discurso de Bolsonaro são os que ganharam tom de ambiguidade, segundo Melo:
"Quando ele chama o (general Walter) Braga Netto (que deve ser vice na chapa com Bolsonaro) e diz: "Esse é nosso Exército" ele até tem certo cuidado de não repetir uma formulação que usa com frequência, de se referir às "minhas Forças Armadas". Ele desloca a menção ao Exército para "o povo". Mas é importante lembrar que esse povo a quem ele se refere se armou fortemente nos últimos quatro anos. Literalmente. Fica uma interpretação dúbia e perigosa. "O povo é nosso Exército" quer dizer "deixamos as Forças Armadas onde devem ficar", como uma instituição do Estado, ou a referência é a um povo tão armado quanto um Exército?"
Outro momento de radicalização foi, segundo Melo, quando Bolsonaro convocou seus apoiadores a protestarem no 7 de setembro, dia da Independência.
"Mais uma vez foi ambíguo. Dizer aos eleitores "vamos às ruas pela última vez" quer dizer o quê? Que é o último 7 de setembro do mandato? É reconhecer que outro pode ganhar? Ou é ir às ruas de uma vez por todas? Mais uma vez pode ser uma convocação a algum tipo de ação extrema, o que seria muito grave", afirma Melo. "É parecido a quando (o ex-presidente americano Donald) Trump chamou os apoiadores a marcharem até o Capitólio. Depois ele disse que não incentivou."
O cientista político lembra ainda que o fato de jogar apenas para o próprio eleitorado pode gerar um problema para Bolsonaro em outubro:
"Para ganhar essas eleições, Bolsonaro vai ter que ampliar seu público, falar com a nação, e não só com quem já é seu eleitor. Mas, no discurso dessa convenção, não há nada que permita concluir que ele está nesse caminho. O que ele faz é consolidar o próprio eleitorado, e isso será insuficiente no pleito deste ano", diz o cientista político.