Opinião: Propaganda política impulsionada e a remorização dos anúncios
Alexandre Basílio é professor de Direito Eleitoral, de Direito Digital, bacharel em Direito, em Ciência Política e consultor de Cibersegurança
Você já deve ter assistido um daqueles documentários sobre tubarões caçando suas presas e deve ter notado que há sempre alguns pequenos peixes presos a eles, de carona sendo transportados pelos oceanos. Aquele peixe se chama rêmora e é um conhecido caso de comensalismo na natureza.
Mas, qual é a relação disso com as propagandas eleitorais impulsionadas? Para melhor compreensão, precisamos entender como funciona o sistema de impulsionamento de alguns buscadores e plataformas de compartilhamento de vídeos, onde o fenômeno ocorre com maior frequência.
Embora transparente para os usuários, há um frenético movimento nos bastidores dos navegadores de internet, bem como nos aparelhos móveis enquanto se usa a internet. Antes mesmo de o visitante abrir o conteúdo que busca, há um leilão de sua atenção, que, a partir de dados pré-armazenados sobre cada um de nós, vende aos anunciantes a nossa atenção pelo maior preço de lance, disparando à nossa vista a propaganda adequada para aparecer nos primeiros resultados das nossas buscas ou antes, durante ou depois do vídeo que escolhemos assistir.
A exibição de anúncios adequados ao gosto de cada um dos usuários foi a forma que as plataformas digitais encontraram para auferir grandes lucros vendendo a atenção de quem usa seus serviços, ditos gratuitos. Não é por acaso que se diz: “se o serviço é gratuito, o produto é você”.
A ideia de entregar anúncios aos usuários não ficou estanque, presa ao mundo dos negócios. Atualmente ela é considerada a menina dos olhos dos candidatos brasileiros. Só no ano de 2020 houve um total de 102 milhões de reais gastos em propaganda eleitoral impulsionada nas mídias sociais, dados divulgados pelo sistema de contas eleitorais do TSE.
Em que pese todo o investimento, é muito difícil para um candidato desconhecido ou ansioso por levar uma informação qualquer aos eleitores convencê-los de procurar por seu nome nos buscadores ou nas plataformas de vídeos. Aí é que entra a remorização dos anúncios.
A técnica é simples e para exemplificar vamos imaginar que o candidato a prefeito, João das Couves, quer muito levar sua propaganda a todos os eleitores do município. Comprando anúncios nas mídias sociais, ele tem a pretensão de que, todas as vezes que alguém procurar por determinados termos no buscador, surgirá seu nome entre as primeiras opções. O objetivo é que aconteça o mesmo nas plataformas de vídeo.
Em pouco tempo, João das Couves descobre que essa não é uma tarefa fácil. Por mais que ele tente, os relatórios demonstram que sua campanha não deslancha e os acessos ao seu conteúdo continuam estagnados, sem obter o alcance esperado. Contudo, ao mesmo tempo, João das Couves percebe que o candidato à reeleição, Zé do Bar, está com toda pompa. Tudo que ele publica gera excelentes resultados.
João das Couves tem então uma ideia ousada. Que tal pegar carona no sucesso do Zé do Bar e mostrar a minha propaganda sempre que os eleitores realizarem uma busca pelo nome dele?
Tal qual a rêmora, João das Couves, é incapaz de alcançar suas presas, por isso pega carona no sucesso do Zé do Bar e, por meio desse comensalismo, passa a alimentar-se dos seus eleitores.
A técnica é simples. Quando João das Couves contrata o impulsionamento de suas propagandas, ele precisa informar quais palavras, acaso buscadas, levarão os usuários às suas propagandas. É nesse momento que, em vez de colocar palavras relacionadas ao seu trabalho, usa o trabalho do Zé do Bar para se beneficiar.
Saindo da explicação lúdica utilizada para garantia da compreensão, podemos citar o caso real dos autos, julgados pelo TSE, de números 0601500-19.2018.6.00.0000 e 0601531-39.2018.6.00.0000. Em ambas as situações, determinado candidato usou como palavra-chave o nome do adversário. Sempre que algum eleitor buscasse por A, surgiriam as propagandas de B, tentando induzir o eleitor a seguir por outro caminho e se beneficiando, de forma parasitária, do prestígio do adversário.
Ao ser levado ao TSE, os Ministros analisaram o caso e consideraram tão somente os aspectos formais da contratação do impulsionamento: “desde que o conteúdo não seja negativo e que preencha os requisitos formais, está tudo bem”, disseram os membros da corte.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, tem posição diametralmente oposta, desde 2016. Nos autos do Recurso Especial nº 1.606.781- RJ, o Ministro Moura Ribeiro, assim ementou sua decisão:
RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. USO INDEVIDO. CLIENTELA. DESVIO. CONCORRÊNCIA DESLEAL CARACTERIZADA. DEVER DE REPARAÇÃO. TUTELA INIBITÓRIA. ATOS CONTRÁRIOS À LEI. SUSTAÇÃO.
Apesar de o TSE não lidar com propriedade industrial e direito de marca, como faz o STJ, é importante lembrar que o art. 18 do Código Civil é taxativo em vedar o uso de nome alheio em propaganda comercial. Sim, eu sei que o nome, nesses casos, é apenas o meio para se alcançar o objetivo e não a apresentação da propaganda em si.
Contudo, ainda assim, esse uso parasitário, por comensalismo, do nome ou de projetos de adversários como palavra-chave para direcionar os eleitores a um conteúdo político não deve ser considerado lícito. Isso porque, a cada contato indesejado que se faz com um conteúdo qualquer na internet gera várias relações algorítmicas que são criadas entre usuário e perfil/página responsável pelo conteúdo, fazendo com que aquele usuário continue, posteriormente ao acesso indesejado, recebendo os informes sobre o candidato rêmora.
Aliás, fazer provas de que isso está acontecendo é um desafio a parte, pois, essas informações sobre o ilícito só podem ser encontradas por profissionais do Direito que estejam digitalmente qualificados a atuar neste maravilhoso mundo novo.
Parece que teremos grandes desafios pela frente.