Cynthya Corvello, condenada por homicídio, teve pontuação suficiente para cursar história na Federal do Ceará e agora aguarda decisão da Justiça
Cynthya foi condenada a 25 anos e quatro meses pela co-autoria de um duplo homicídio praticado em Fortaleza, no ano 1993. Hoje, ela está presa em regime fechado no Instituto Penal Feminino, em Itatinga (CE), e aguarda uma autorização da Justiça para frequentar as aulas.
A Defensoria Pública do Estado do Ceará entrou com um pedidona Justiça para que Cynthia seja autorizada a deixar a carceragem cinco vezes por semana e percorrer 30 quilômetros até Fortaleza para assistir às aulas do curso de História do Centro de Humanidades da UFC, no bairro Benfica, região central da capital.
Incentivo:
Detentos que estudarem poderão reduzir pena
“Eu tento trabalhar a minha mente para, caso haja uma negativa, eu não me sinta frustrada, e não desista desse sonho que é voltar a estudar, mesmo em cárcere”, conta.
Se conseguir o feito, a partir do dia 23, quando o semestre letivo começa, irá para as aulas com monitoramento eletrônico ou sob escolta policial.
nullCynthya diz que deve enfrentar o preconceito de seus futuros colegas.
“Se eu tiver vergonha da minha situação de apenada, e estar buscando crescimento mesmo em situação de cárcere, o preconceito vai me doer. Se eu tiver orgulho da minha situação de apenada, que mesmo em cárcere está buscando crescimento, eu acho que, pouco a pouco, as pessoas vão se aproximar, vão me conhecer, e, de repente, podem achar até positivo essa integração entre a sociedade reclusa e a sociedade liberta”, reflete.
Cynthya tirou 900 na Redação – a nota máxima é 1000. Nas provas objetivas, sua média foi 612. A boa pontuação, contudo, não foi suficiente para uma vaga no curso de Psicologia , sua primeira opção. Como as aulas do curso de Filosofia da UFC são à noite, a logística para comparecer às aulas seria ainda mais complicada. Restou História .
20 anos depois
Cynthya não estudava desde que concluiu o Ensino Médio, no final da década de 1980, no Colégio Anchieta, uma escola particular de São Bernardo do Campo, em São Paulo. Lá, ela se formou também técnica em administração e logo começou a trabalhar.
Após passar mais de 20 anos afastada das salas de aulas, foi no presídio que Cynthya decidiu tentar concretizar o sonho antigo de cursar uma universidade. “Antes era mais difícil entrar em uma universidade. Isso ficou no sonho e pronto”, relembra no início da conversa com a reportagem do iG
, na pequena biblioteca onde trabalha em troca da remissão da pena.
A rotina diária começa às 8h da manhã e só termina às 16h. Sua tarefa é passar por todas as alas da penitenciária com um carrinho carregado de livros para que as presas escolham o que querem ler. Quando não está ocupada com esse serviço, dedica seu tempo livre ao coral e lê. Lê muito. Em média, oito livros por mês, segundo ela.
"Foi essa leitura e a boa base que eu tive no Ensino Médio que me ajudaram na aprovação. Eu percebi que a prova do Enem é muito sobre a compreensão do que você está lendo. Você tem que entender a questão”, analisa.
Exemplo
nullO sucesso da colega de carceragem no vestibular inspirou outras detentas. Em 2011, 15 presas fizeram a prova do Enem . Cinco delas conseguiram uma pontuação considerável, mas não foram aprovadas. “Elas se sentiram mais motivadas a vir à escola, frequentar o Médio (Ensino) para neste ano, quando tiver o Enem de novo, tentarem e serem bem sucedidas”.
A direção do Instituto Penal incentiva os estudos. Além da biblioteca, há duas salas dedicadas a aulas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) nas instalações do presídio. Das 468 presas atualmente, 165 estão matriculadas tentando um diploma.
Heloisa da Guia Xavier, de 37 anos, acredita que possa ser a próxima a conseguir ingressar no Ensino Superior. Ela quer ser pedagoga . O resultado de Cynthya foi um estímulo.
Heloisa diz que fez o Enem 2011 sem se preparar. “Fiz mais para testar meus conhecimentos, mas agora, vendo o que a Cynthya conseguiu, com certeza vou me dedicar muito mais".
Condenada a 47 anos de prisão, depois de quatro anos, ainda precisa cumprir mais três antes de ganhar o benefício do regime semi-aberto. “Talvez eu tenha que tentar o direito de ir para a universidade na Justiça, como ela”.