
Entre as dezenas de rankings que costumam aparecer nesta época de fim de ano, um do jornal estadunidense New York Times buscou sintetizar os 10 melhores filmes lançados em 2024 . E, uma excelente notícia, a publicação não se limitou ao cinema de Hollywood ou da Europa! O primeiro lugar, inclusive, é de uma produção indiana, “Tudo que Imaginamos Como Luz”. Achou surpreendente? Tem mais: há um brasileiro presente na lista – e não é “ Ainda Estou Aqui “. O único longa brasileiro citado é “ Retratos Fantasmas “, do cineasta Kleber Mendonça Filho .
Os filmes do diretor já são internacionalmente reconhecidos por serem obras que exploram, com um olhar sensível, as dinâmicas sociais e urbanas do Brasil. É dele “ Bacurau ” (2019) , “ Aquarius ” (2016) e o clássico “ O Som ao Redor ” (2012).
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Em “Retratos Fantasmas”, Mendonça faz um mergulho profundo na sua cidade natal, Recife, mas mais especificamente nas suas transformações ao longo das últimas quatro décadas. O documentário, narrado, escrito e dirigido por ele, mistura memória, urbanismo e política, trazendo as mudanças na capital pernambucana a partir da decadência dos cinemas de rua, antes presentes no centro da cidade.
Disponível na Netflix , o filme é uma boa oportunidade para refletir o acesso à cultura , a história do cinema e a gentrificação urbana .
O cinema como lugar público – não comercial

O filme parte da relação da população recifense com os cinemas de rua, espaços que, num passado recente-mas-nem-tanto, transcendiam o entretenimento e representavam centros de encontro e trocas culturais. Esses cinemas, que marcaram gerações, são apresentados como símbolos de uma época em que a sociabilidade urbana era mais integrada. O próprio centro da capital era um lugar onde não apenas se concentrava o dinheiro, mas também a alma da cidade.
O documentário começa com o diretor explorando a sua relação com a casa onde nasceu e cresceu, no bairro de Setúbal, zona sul da capital. Lá, gravou uma boa porção de seus filmes quando ainda era um jovem estudante de cinema. Ele destaca que essa formação, inclusive, foi muito construída a partir dos incontáveis filmes que assistiu nos principais cinemas de rua da cidade. Na mesma semana, o jovem Kleber chegava a ir três vezes aos cinemas.
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Também chegou a trabalhar em um, nos últimos anos antes de, como ele mesmo coloca, o navio afundar. Sempre com uma câmera nas mãos, o cineasta adiciona ao documentário imagens gravadas por ele anos atrás de um desses cinemas em pleno funcionamento. Mostra as catracas girando incansavelmente com os visitantes chegando, a moça da bilheteria cobrando 100 mil cruzeiros o ingresso , e o senhor que era responsável por rodar as fitas dos filmes – quase sempre sem camisa.
Dá para ver, e para sentir, que os cinemas representavam algo muito diferente do que vemos hoje, não apenas no âmbito pessoal, mas no próprio pulsar da cidade. Para alguém mais novo, que já nasceu na era dos streamings e que assiste a um filme dividindo atenção com a tela do celular , parece até coisa de ficção o senso de coletividade que esses ambientes proporcionavam.
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O avanço comercial engole a arte (e a cidade)

Com a decadência desses espaços ao longo dos anos, o documentário traça um paralelo com as mudanças nas dinâmicas sociais e no próprio tecido urbano de Recife. Utilizando imagens de arquivo e registros pessoais, ele documenta o avanço do capitalismo imobiliário e do fenômeno de gentrificação, dois fatores que levaram ao desaparecimento de marcos históricos e culturais, como os próprios cinemas de rua.
A substituição desses espaços por empreendimentos comerciais é retratada como um reflexo da desumanização das cidades, onde a memória coletiva é por vezes sacrificada em prol do progresso econômico. Onde havia cinemas, nasceram prédios residenciais, lojas de eletrodomésticos, igrejas evangélicas e redes de farmácia.
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Como um rolo compressor, passou por cima de tudo: do camelô que vendia as fitas e cartazes descartados pelos cinemas e estúdios – que tinham em Recife um prédio com as principais distribuidores do mundo –, e dos gigantes letreiros que misturavam os títulos dos filmes às paisagens urbanas. Fotos antigas, vídeos e a narração íntima do diretor evocam um passado que, embora fisicamente ausente, sobrevive na memória.
Ao mesmo tempo, Mendonça Filho faz uma crítica sutil à mercantilização dos espaços urbanos e à falta de políticas públicas para preservar esses marcos culturais . O declínio dos cinemas de rua é enquadrado como parte de um processo maior de perda de senso cultural e social. Ao olhar para o passado, “Retratos Fantasmas” não apenas celebra o que foi perdido, mas também alerta para o futuro das cidades e de seus habitantes.
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