O que o filme do Willy Wonka diz sobre a tecnologia no mercado de trabalho
Luccas Diaz
O que o filme do Willy Wonka diz sobre a tecnologia no mercado de trabalho

Em “ A Fantástica Fábrica de Chocolate ” (2005), a adaptação de Tim Burton do livro homônimo de 1964, um momento aparentemente simples, mas revelador aos olhos mais atentos, antecipava o futuro – agora já presente – do mercado de trabalho . No início do filme , o pai do menino Charlie trabalha em uma linha de produção rosqueando embalagens de pasta de dente. Certo dia, ele é demitido e substituído por uma máquina que executa sua mesma função. No entanto, ao final do longa, ele é recontratado. Mas não para fazer o trabalho manual que antes desempenhava – e sim, para cuidar da manutenção da própria máquina que o substituiu. Já consegue imaginar para onde essa analogia está indo?

Esses dois momentos do filme, embora passem despercebidos pela maioria, ilustram uma realidade cada vez mais frequente no mercado de trabalho: a substituição de funções humanas por máquinas, que, por sua vez, geram demandas por novas funções humanas. Isto é, a máquina pode, sim, substituir o trabalho antes feito por pessoas, mas ao fazer isso cria a necessidade de novas funções, que serão ocupadas por outras pessoas. Quem diria que o filme do Willy Wonka teria essa mensagem escondida, não é mesmo?

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Cena do filme
Em “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, o pai de Charlie trabalha em uma fábrica rosqueando embalagens de pasta de dente Warner/Reprodução

É claro que a automação não é exatamente coisa nova – já está aí pelo menos desde a metade do século passado. Mas em tempos de Inteligência Artificial , esse recado do filme ganha novos contornos.

Marcos Barreto , professor da Fundação Vanzolini e da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), explica que novas tecnologias, sobretudo as de automação e Inteligência Artificial , não obrigatoriamente eliminam a presença humana em certos cargos, mas redefinem funções e exigem novas habilidades. “A automação muda o foco do trabalho: ela retira o esforço repetitivo, mas cria um campo enorme para inovação e para novas atividades que só podem ser desempenhadas por pessoas”, afirma.

Ou seja, ao que tudo indica, por mais avançada que a tecnologia se torne, o ser humano permanece essencial para o funcionamento de sistemas complexos. “O que a história nos mostra é que a tecnologia sempre cria novas possibilidades”, diz.

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Cena do filme
Máquina que substitui a função do pai de Charlie Warner/Reprodução

O professor relembra que, no passado, os saldos bancários eram atualizados manualmente em listas de papel nas agências. “Hoje, sistemas automatizados suportam um volume de transações gigantesco, viabilizando milhões de empregos no setor financeiro. Mesma coisa com os pilotos automáticos de aviões, que já operam há décadas, mas não substituíram os pilotos e sempre devolvem o controle ao humano em situações imprevistas”.

Esse é o modelo ideal: máquinas e humanos trabalhando em parceria. O professor aconselha descartar os temores exagerados sobre a Inteligência Artificial dominar o mundo, explicando que para isso seria necessário que as máquinas desenvolvessem vontade própria e consciência – algo que, por enquanto, pertence apenas ao campo da ficção científica.

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A tecnologia invade o campo

O agronegócio é um bom exemplo de como setores tradicionais – não apenas os relacionados à tecnologia ou dados – estão sendo remodelados pelas novas tecnologias. A profissão de operador de máquinas agrícolas, por exemplo, foi listada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como uma das profissões de maior destaque até 2027, no último relatório anual “ The Future of Jobs “.

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A demanda por profissionais que operem esse “novo” campo, que vem sendo intensamente automatizado desde a última década, corrobora para a visão de que a tecnologia substitui, sim, tarefas manuais, mas também cria novos papéis. “A economia é um ecossistema interligado, e quando a tecnologia avança, ela cria novas oportunidades que fazem esse sistema crescer”, explica. “A IA é mais uma peça importante nesse movimento, auxiliando no surgimento de trabalhos e empreendimentos que antes nem imaginávamos.”

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Longe da equivalência

Drone sobrevoa plantação no campo
<span class="hidden">–</span> Freepik/Reprodução

Mas você deve estar se perguntando: será que os profissionais que perderam espaço com estas mudanças serão os mesmos que vão usufruir das novas oportunidades, assim como acontece com o pai do Charlie, em “A Fantástica Fábrica de Chocolate”? Bem, é aí que a equação fica mais complicada, e percebemos que a ficção pode estar um pouco longe da realidade…

Enquanto uma mesma máquina pode substituir o emprego de centenas de pessoas, apenas uma pequena parcela de profissionais ficará responsável pela sua operação ou manutenção. Isto é, a troca, ao contrário do que o filme mostra, não é equivalente. Estudos recentes indicam que trabalhadores com menor nível de escolaridade são os mais suscetíveis à substituição pela automação.

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Um relatório da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) aponta que 60% dos trabalhadores brasileiros estão em funções com altas probabilidades de automação – ocupações que exigem menor qualificação. Há também os recortes de gênero: a automação apresenta um impacto diferenciado entre homens e mulheres. Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revela que, no Brasil, o risco de automação é duas vezes maior para mulheres do que para homens. Elas são maioria nos setores mais vulneráveis à substituição, como administração, finanças, seguros e funções no setor público.

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Caminho ainda é longo

Mão humana comprimentando mão robótica
<span class="hidden">–</span> Freepik/Reprodução

Os dados mostram que os verdadeiros afetados pelas transformações tecnológicas são aqueles que constituem a “base da pirâmide”, ou seja, que ocupam os cargos de baixa qualificação. Dificilmente o mesmo indivíduo que foi substituído por uma máquina será o que está por trás do desenvolvimento de sua tecnologia. Para isso acontecer, seria necessário que todo o país estivesse em outro patamar de educação digital e igualdade de acesso à tecnologia. Em uma nação como a do Brasil, onde o acesso à internet é 50% menor por indivíduos que completaram apenas o Ensino Fundamental , é difícil garantir esse avanço de maneira natural.

“A gente precisa avançar no letramento básico para o uso de tecnologias e ferramentas baseadas em IA. Esse trabalho é contínuo, assim como foi com a popularização da internet há 25 anos”, explica o professor. “Ainda hoje, ensinamos pessoas acima dos 50 anos a navegar no mundo digital, e o mesmo precisará ser feito com a IA, para que ela não seja exclusividade de poucos.”

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O celular, na opinião do professor, pode desempenhar um papel essencial nesse processo. Ele é um dos dispositivos mais acessíveis e usados no dia a dia, mesmo em recortes menos favorecidas. Aplicativos como WhatsApp e Instagram podem representar uma porta de entrada para o mundo da tecnologia.

“Não estamos falando de ensinar programação a todos, isso seria inviável”, afirma. “Mas podemos ensinar as pessoas a usar a tecnologia de forma prática e acessível: para gerar uma imagem, corrigir um texto, ou até criar uma música para um evento familiar. São pequenas ações que mostram como a IA pode fazer parte do dia a dia e promover inclusão”.

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Educação contínua

Funcionários trabalhando em pequena linha de produção
<span class="hidden">–</span> Agência Brasil/Reprodução

Para quem pode investir em uma educação formal, seja em universidades ou centros profissionalizantes, o segredo é focar em qualificação e adotar uma educação contínua. “Sempre falamos da importância de manter os profissionais atualizados, e essa necessidade só aumenta à medida que o mercado de trabalho se transforma.”

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O professor adverte que, atualmente, não basta apenas uma graduação ou um MBA para preparar alguém. É preciso mirar em uma formação contínua. “É essencial que os profissionais se atualizem, não apenas em aspectos técnicos, como o uso de Inteligência Artificial, mas também em habilidades interpessoais, as chamadas soft skills . Afinal, à medida que novas demandas surgem, como operar máquinas agrícolas de alta tecnologia ou dominar novas ferramentas digitais, a capacidade de se adaptar se torna a chave para o sucesso.”

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