Cooperação entre áreas pode ser solução para desigualdade na primeira infância

Diferenças sociais entre crianças de 0 a 6 anos costumam determinar seu desenvolvimento para o resto da vida; interetorialidade pode ser saída

Ambiente propício é essencial para desenvolvimento das crianças na primeira infância
Foto: shutterstock
Ambiente propício é essencial para desenvolvimento das crianças na primeira infância

Há um grande número de evidências que apontam que a desigualdade social afeta negativamente o desenvolvimento das crianças. O que acontecer na primeira infância pode ter consequências para o resto da vida. Frente a isso, especialistas buscam soluções para minimizar esse descompasso e a implantação de políticas públicas intersetoriais é uma solução que tem ganhado adeptos no mundo todo.

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A desigualdade na primeira infância foi tema do VIII Simpósio Internacional de Desenvolvimento na Primeira Infância: Os primeiros passos para um Brasil mais justo, organizado pelo Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) e pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. O evento acontece nesta quinta e sexta (3 e 4).

Para Cristina Mori, professora do Programa Avançado de Gestão Pública no Insper, o trabalho em rede feito por meio de um diálogo intersetorial e uma integração regional tem efeitos que podem ser sentidos de forma direta pelas pessoas afetadas. Algumas vantagens, segundo ela, são a ampliação da percepção da sociedade e dos profissionais envolvidos sobre o tema.

No Brasil, há cerca de 20 milhões de crianças entre 0 e 6 anos e, segundo dados do IBGE e do antigo Ministério de Desenvolvimento Social (hoje Ministério da Cidadania), por volta de um terço delas vive na pobreza ou extrema pobreza. Esta primeira fase da vida é quando acontecem 90% das conexões cerebrais e grande parte das crianças brasileiras não estão vivendo em ambientes favoráveis para isso.

“O  Brasil não tem igualdade de oportunidades . Aonde você nasce vai determinar quem você vai ser daqui a 40 anos”, diz o professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper Naercio Menezes Filho sobre o que ele chama de “loteria da vida”. 

No entanto, Naercio diz que a situação desde a Constituição de 1988 já melhorou muito. “A gente fez muitos progressos, mas a nossa desigualdade é tão grande que a gente não conseguiu reduzir de forma sustentável essa diferença”, explica.

Helen Raykes, professora catedrática da Universidade de Nebraska - Lincoln, afirma que nos Estados Unidos as vantagens de se investir na primeira infância já é um consenso. Segundo ela, o debate agora gira em torno de qual é a melhor maneira de se aplicar programas voltados para esta área.

Como Cristina Mori, Helen defende a abordagem intersetorial  nas políticas públicas . Ela ressaltou, que programas de visitação domiciliar podem reduzir pela metade a taxa de abuso e negligência à criança e o envolvimento com os serviços de proteção à criança.

Foto: Flávio Moret
Helen Raykes fala em painel com Cristina Mori, no VIII Simpósio Internacional de Desenvolvimento na Primeira Infância


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Soluções complexas para um problema complexo

Aplicar políticas intersetoriais, porém, não é tarefa fácil. Cristina Mori destaca alguns desafios a serem vencidos no modelo, como a organização orçamentária.

Naercio Menezes Júnior, por sua vez, reforça a necessidade de não ter um olhar focado exclusivamente na criança. Infraestrutura de moradia e saneamento básico, por exemplo, são definidos por ele como essenciais para o pleno desenvolvimento infantil.

A visão é corroborada por David Williams , professor do departamento de Saúde Pública da Universidade de Harvard, que aponta o empoderamento dos pais como fator crucial. Uma forma de fazê-lo, defende, é por meio de programas de transferência de renda.

Experiência paulistana

A cidade de São Paulo aprovou há exatos dois anos o Plano Municipal da Primeira Infância, que integra diversos setores do poder público. Para a vereadora Janaína Lima (Novo), autora do projeto, os resultados têm sido positivos. Ela define o diálogo entre os diferentes atores como o principal desafio para a completa efetivação do Plano.

Janaína defende que integrar políticas e digitalizar informações são ações emergenciais para acabar com a desigualdade na primeira infância . De acordo com a vereadora, é preciso que, como em uma corrida, todos partam do mesmo lugar.

A nível nacional, Janaína afirma que “não se pode só olhar pelo retrovisor para o que deu errado. Ela exalta a expansão do programa Criança Feliz, do governo federal, mas critica a extinção do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) . “O compromisso com um Brasil melhor é um compromisso com as nossas crianças”, diz.